Somos todos “valor-acrescentados”
Parece que queremos que os estrangeiros ricos paguem impostos cá, mas não nos interessam os impostos das empresas portuguesas mais lucrativas.
Em Portugal temos todo um “emaranhado” de normas feitas à medida, que abordam cada problema ou necessidade isoladamente e criam um labirinto em que é difícil qualquer cidadão comum (ou empresário-comum) viver (além de propiciarem o “chico-espertismo”!).
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Em Portugal temos todo um “emaranhado” de normas feitas à medida, que abordam cada problema ou necessidade isoladamente e criam um labirinto em que é difícil qualquer cidadão comum (ou empresário-comum) viver (além de propiciarem o “chico-espertismo”!).
Desde 2010 existe um regime excecional para residentes não habituais de “elevado valor acrescentado”. O objetivo é, nas palavras da Autoridade Tributária e Aduaneira, “atrair para Portugal profissionais não residentes qualificados em atividades de elevado valor acrescentado”. Isto é fantástico. Sobretudo para um país como o nosso, claramente com tanta falta de talento, como se tem visto (ou não), para suprir todas as lacunas ao nível da ciência, tecnologia e cultura.
Pelo “serviço nacional” que prestam, estes novos residentes pagam menos impostos sobre os rendimentos que os residentes habituais: 20% de IRS durante dez anos. Existe inclusivamente uma lista destas “atividades de valor acrescentado”. Enquadram-se profissionais tão raros como arquitetos, engenheiros, auditores, psicólogos ou quadros superiores de empresas, entre vários outros. Desengane-se, portanto, quem quiser trazer um “mero” soldador estrangeiro para Portugal. Não é com impostos baixos que o vai convencer.
Há uma admiração coletiva tão grande por esta parábola do salvador que vem de fora e nos retira da miséria que até já ouvi alguém dizer que a Coopérnico podia estar a correr ainda melhor se tivesse um profissional estrangeiro, de preferência anglo-saxónico, na liderança.
Os adeptos desta medida dirão que isto é feito para atrair profissionais estrangeiros a pagar impostos em Portugal e que até é justo pois, por um lado, não usaram os benefícios sociais que o Estado oferece até ao dia em que imigraram e, por outro lado, até podiam pagar os impostos no seu país de origem.
É verdade, até a Madonna veio para cá a contar com isso, apesar de gostarmos de pensar que é só pelas sardinhas, o fado e o Benfica. Mas se alguém reside em território nacional mais de metade do ano (183 dias segundo o CIRS), e com isso adquire o estatuto de residente fiscal, talvez a norma devesse ser pagar impostos cá sobre rendimentos adquiridos cá. Até percebo que se faça isto a alguém que vem para Portugal, apenas por um projeto temporário, mas dez anos é muito tempo.
Isto assume especial relevância quando um português com um salário bruto de, por exemplo, 2000€, leva 1500€ para casa e o Estado arrecada 1600€. Ou seja: o Estado fica com uma parcela maior que o trabalhador.
Não será irónico que as maiores empresas portuguesas abram sedes nos regimes fiscais favoráveis do Luxemburgo ou Holanda, quando estamos em simultâneo a criar instrumentos, também fiscais, para atrair empresas e profissionais estrangeiros para Portugal? Parece que queremos que os estrangeiros ricos paguem impostos cá, mas não nos interessam os impostos das empresas portuguesas mais lucrativas.
E que tal baixar um pouco a fasquia para todos e igualar-nos? Talvez ficassem portugueses e estrangeiros com vontade de pagar impostos em Portugal.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico