O músculo no limite da fadiga
Clubes de topo diversificam estratégias e adoptam métodos cada vez mais avançados para reduzir o impacto da competição e evitar ondas de lesões.
Numa altura em que o FC Porto reacendeu a discussão em torno da fadiga muscular, alavancada pela “violação” da regra das 72 horas de recuperação entre dois jogos, importa perceber o que os clubes fazem para prevenir ou atenuar o impacto e a erosão permanente da competição, que, dois meses depois da entrada em cena da Liga dos Campeões, começa a provocar a primeira vaga de baixas clínicas nos três “grandes”.
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Numa altura em que o FC Porto reacendeu a discussão em torno da fadiga muscular, alavancada pela “violação” da regra das 72 horas de recuperação entre dois jogos, importa perceber o que os clubes fazem para prevenir ou atenuar o impacto e a erosão permanente da competição, que, dois meses depois da entrada em cena da Liga dos Campeões, começa a provocar a primeira vaga de baixas clínicas nos três “grandes”.
Ao contrário de outras modalidades altamente aeróbicas, o futebol tem aprendido a conviver com a fadiga muscular, factor determinante na manifestação de lesões e que varia conforme as idiossincrasias de cada futebolista e as próprias exigências e especificidades da função que desempenham em campo.
Os especialistas, apoiados no estudo e acompanhamento permanente da competição ao mais alto nível, concluíram que 72 horas de recuperação, em termos fisiológicos, é o período mínimo a respeitar de forma a evitar que os atletas incorram em riscos desnecessários que levariam a um quadro sistémico de lesões musculares.
Benfica, FC Porto e Sporting têm convivido, de resto, com o agravar dos respectivos quadros clínicos, ainda assim insuficientes para fazer soar os alarmes, já que o número de lesões registado nesta época (ver tabela ao lado) estará dentro das estatísticas elaboradas pela UEFA com base nos relatórios dos emblemas de topo. Mas para grandes males, grandes remédios. Assim, os clubes têm vindo a dotar os seus departamentos médicos e técnicos de recursos que, não impedindo as lesões, podem prolongar e até “afinar” a saúde dos plantéis.
Aceitando que não há meio de travar o acumular da fadiga, os clubes seguem diversos protocolos para acelerar a recuperação do músculo, conforme explicou ao PÚBLICO o médico fisiatra António Cunha, que acompanha actualmente a selecção de sub-18.
O repouso é, sem surpresa, fundamental. Mas em 72 horas é preciso fazer mais do que simplesmente descansar. Com ciclos semanais de dois jogos e constantes viagens aéreas, é crucial regularizar os sonos, o que por vezes é preciso induzir com medicação. A alimentação e suplementação cumprem também papel de relevo. O tempo urge e é preciso preparar o jogo seguinte. Técnica, física e tacticamente.
Picadas e questionários
Dependendo das características físicas individuais, a recuperação ideal pode exigir estímulos diferentes. Um trabalho que começa imediatamente após o final do jogo, normalmente com gelo e massagens. A criosauna ou crioterapia entrou definitivamente no vocabulário futebolístico, com os principais clubes a investirem em equipamentos como o que Cristiano Ronaldo celebrizou.
O músculo é preparado para novo esforço e a recuperação activa — treino no dia seguinte — substitui a tradicional folga. Menos dispendioso que a criosauna, o rolo miofascial é hoje um auxiliar imprescindível na regulação tónica dos músculos.
Ainda menos oneroso, o questionário diariamente preenchido pelos futebolistas assume-se como ferramenta determinante para acompanhar em tempo real o momento de forma. Responder a questões simples como o estado geral quando despertam, anotar as pequenas rotinas, como os hábitos alimentares, são pormenores que os clubes de topo não podem dar-se ao luxo de menosprezar. Tudo conta para sondar o estado físico e anímico dos jogadores.
Claro que a complexidade de um tema tão abrangente deixa demasiado espaço para o erro. É aí que a ciência intervém de forma cada vez mais incisiva. Monitorizar individualmente os jogadores é tarefa simples para o sistema GPS adoptado cada vez por mais equipas. A informação recolhida é objectiva: o desempenho no treino e os níveis de fadiga permitem uma gestão quase cirúrgica, doseando as cargas e a intensidade de acordo com a disponibilidade e a resposta física. Em coordenação, os diferentes departamentos decidem o melhor plano, tanto para a preparação como para a recuperação física. Atento, o departamento médico antecipa os quadros típicos de lesão e intervém atempadamente.
Mas o trabalho começa na pré-época e os jogadores treinam até, especificamente, os gestos que o jogo lhes pede. Um defesa-lateral, por exemplo, faz mais sprints de 40 e 50 metros em linha recta, enquanto aos médios pedem-se movimentos laterais em espaços mais reduzidos. Ao antecipar esta realidade, ensinando e modulando os músculos a reagirem ao tipo de esforço que lhes é pedido, prepara-se o organismo e diminui-se o risco de lesão.
Gelo, massagens, contraste (alternar exposição ao frio e ao calor) e até a “radical” estimulação do músculo com picadas, são etapas fundamentais na formatação do esforço.
Num contexto de alto rendimento, de constante desafio aos limites humanos, a agulha é o aliado mais improvável, uma visão de que ninguém gosta, mas que em última instância permite libertar o músculo, devolvendo-lhe o tónus normal — nem muito relaxado nem hipertónico. Os resultados parecem convincentes e o método é cada vez mais bem aceite pelos jogadores, que assim não precisam de obedecer ao cérebro quando subconscientemente defendem um músculo e acabam por trair outro.