Novo instituto para gerir museus e monumentos não é para esta legislatura

Ministro da Cultura esteve no Parlamento na terça-feira a discutir o OE e disse aos deputados que queria um novo instituto para dar mais autonomia ao Património. O PÚBLICO procurou saber como será este organismo e o que pensam dele os directores de um museu e de um palácio nacionais.

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A biblioteca é uma das maiores jóias do Palácio Nacional de Mafra Nuno Ferreira Santos

Se fosse uma “medida”, Luís Filipe Castro Mendes tê-la-ia anunciado na terça-feira na Assembleia da República, a abrir o debate do Orçamento do Estado para a Cultura. Se não o fez, explicou-o esta quarta-feira ao PÚBLICO, é porque o novo Instituto dos Museus e Monumentos é, para já, apenas uma “proposta de trabalho” que só pode concretizar-se no quadro de uma ampla reforma administrativa do próprio Estado.

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Se fosse uma “medida”, Luís Filipe Castro Mendes tê-la-ia anunciado na terça-feira na Assembleia da República, a abrir o debate do Orçamento do Estado para a Cultura. Se não o fez, explicou-o esta quarta-feira ao PÚBLICO, é porque o novo Instituto dos Museus e Monumentos é, para já, apenas uma “proposta de trabalho” que só pode concretizar-se no quadro de uma ampla reforma administrativa do próprio Estado.

“A criação, ou recriação, de um instituto público para os museus e monumentos é, para já, matéria de reflexão”, disse Castro Mendes, um dia depois da maratona de mais de cinco horas no hemiciclo em que respondeu a dezenas de perguntas dos deputados motivadas pela proposta de OE de 2018. Um documento que prevê 118 milhões de euros de despesa da tutela transferidas directamente do Estado para a Cultura e 190 milhões para a RTP (e uma despesa consolidada de 480,5 milhões, que inclui também entidades com receitas próprias e a comunicação social). Verbas que representam um crescimento de 7,4% em relação a 2017.

Foi nos últimos dez minutos do debate, marcado pelos ataques da direita, que não se cansou de defender que ao ministro lhe falta peso político para fazer mais pelo sector, e pela insistência da esquerda em regressar a um orçamento em que a Cultura receba pelo menos 1% do OE (o PÚBLICO procurou saber junto do MC quanto representa hoje, mas tal ainda não foi possível), que em resposta à deputada Teresa Caeiro, do CDS-PP, Luís Filipe Castro Mendes voltou a falar da reorganização no património (desde Junho, o ministro já manifestou pelo menos quatro vezes a sua intenção de mexer nesta estrutura em fóruns do património e entrevistas).

“O que disse ontem [anteontem] posso clarificar agora. A reflexão que temos estado a fazer sobre a necessidade de dar mais autonomia a museus e monumentos levou-nos a concluir que um instituto público seria uma boa solução”, o que não significa, no entanto, que a actual Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), que hoje os tem a seu cargo, desapareça, diria mais tarde ao PÚBLICO.

Porquê manter, então, a DGPC num quadro em que se criaria um novo instituto para gerir directamente museus, monumentos e palácios? “A DGPC manter-se-ia como tutela, encarregue de procedimentos administrativos, da vigilância e fiscalização do património”, mas os equipamentos passariam a estar na esfera do novo instituto, capaz de lhes devolver a autonomia que perderam em 2011, no governo social-democrata de Pedro Passos Coelho, com a fusão que criou a actual DGPC — a que juntou o Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar), o Instituto dos Museus e da Conservação e a Direcção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo.

Para o ministro da Cultura, esta fusão de 2011 “não fez sentido”, foi “acrítica”. E criou um organismo que, “apesar da boa gestão e do que se tem conseguido fazer”, é “disforme” e “disfuncional”.

Para quando este novo instituto? “Não posso dizer. Nesta legislatura o que queremos é deixar bases sólidas de trabalho [no que toca à reorganização de museus e monumentos], deixar um plano e uma estratégia prontos.”

Mas o facto de a (re)criação do instituto não ser para esta legislatura não significa, defende o ministro, que entretanto não se procure fazer mais pela autonomia de museu e monumentos. “Estamos a trabalhar nisso para os equipamentos bandeira [Mosteiro dos Jerónimos e museus nacionais de Arte Antiga e Azulejo, entre outros], mas [essa autonomia] será a possível, porque a desejável exige a tal reforma geral administrativa da Cultura e do Estado.”

Mais autónomo e mais flexível

Diz-nos o Direito Administrativo, continua Castro Mendes, que um instituto público é mais flexível do que uma grande direcção-geral porque é maior a sua capacidade de gerir as receitas próprias, essenciais à sua autonomia dentro do aparelho de Estado (só com pelo menos 50% da despesa assegurada por receitas próprias um organismo pode ser autónomo em termos de gestão e administração). “E tendo o instituto mais autonomia e flexibilidade, poderá depois estendê-las aos seus braços: os museus e monumentos.”

A DGPC gerou em 2016 54,4% da sua receita, estimando-se que este ano o valor suba para os 55,3%, recuando um pouco em 2018 (54,8%), ano em que a despesa estimada deste que é o maior dos organismos da Cultura sobe 3,2 milhões de euros face a 2017, para os 40,7 milhões. A sua performance na receita, no entanto, não a tem impedido de se comportar como um “gigante burocrático” que torna a vida de todos os que trabalham no serviços que dela dependem muito difícil, dizem os directores do Palácio Nacional de Mafra e do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA).

Para Mário Pereira, que há nove anos dirige o monumento de Mafra que Portugal quer ver candidato a património mundial mas que já trabalha no Ministério da Cultura (MC) há mais de 30, o problema não é o tamanho da DGPC, mas a forma como é gerida. “No actual enquadramento jurídico, museus e monumentos têm uma falta gritante de autonomia. Dependem da DGPC para tudo e ela torna-se um espartilho absoluto. Qualquer actividade exige um esforço enorme dos nossos serviços, que trabalham com equipas muito pequenas”, diz.

Com as devidas adaptações à actualidade, Mário Pereira preferia que estivesse em vigor o modelo do antigo Instituto Português do Património Cultural (IPPC), da década de 1980 – “um grande organismo que tinha serviços com grande autonomia nas áreas do património arquitectónico, etnologia, musicologia ou museus e fundações, mas em que se tinha uma visão de conjunto”. Uma visão que, defende, hoje falta. “A DGPC não atende às especificidades dos seus equipamentos. Como se compreende que não possamos gerir pelo menos parte da receita que temos? Uma pequena parcela que seja permite-nos cuidar do património que temos à nossa guarda de uma maneira muito mais eficaz.”

António Filipe Pimentel, do MNAA, está entre os directores afectos à DGPC que mais se têm batido pela autonomia. Também ele defende que não é a dimensão da DGPC que a torna problemática, mas sim a falta de uma estratégia clara que lhe permita cumprir os seus objectivos. Isto a juntar a uma “disfunção evidente entre a sua missão e os recursos financeiros e humanos de que dispõe”.

O modelo que lhe parece agora em estudo – “sobre ele só sei o que tem vindo nos jornais”, frisa o director – é um “híbrido” entre o antigo Instituto Português de Museus (antecessor do IMC) e a Parques de Sintra-Monte da Lua, empresa pública que gere a paisagem cultural de Sintra. “Do que sei, que é manifestamente muito pouco, parece-me que parte de uma perspectiva muito economicista. A ideia de captar para a esfera dos museus o superavit dos grandes monumentos é boa, mas não se pode ignorar que ambos têm necessidades muito diferentes: os museus precisam de um director porque sem programação estão mortos, os monumentos precisam essencialmente de um gestor.”

Pimentel diz que o que tem lido sobre esta reorganização do património põe a tónica sempre no mesmo — na gestão e na administração. “E o que é realmente importante? Nunca se houve falar da capacidade de transformar estes equipamentos em centros de conhecimento, com investigação própria, de renovar equipas…” Mas, não será lícito pensar que, depois de criado um instituto com mais autonomia e flexibilidade, se poderá passar “ao que é mais importante”? “Claro que uma folga financeira ajudará, assim como procedimentos menos burocráticos, mas o estado em que estamos é insustentável. Receio que este venha a ser mais um dossier que o próximo governo arquiva e faz de novo.”

Museus na descentralização

As críticas do director de Arte Antiga não se resumem às políticas, ou falta delas, para o Património, envolvem também a anunciada descentralização.

Castro Mendes, que promete construir um novo modelo administrativo para a Cultura com um "debate sério" e uma futura consulta ao sector, explica ao PÚBLICO que tudo está a ser feito enquanto o Governo procura devolver ao poder local competências nas mais variadas áreas, incluindo a Cultura.

O MC já concluiu, aliás, a lista dos museus e monumentos que deverão deixar de estar sob a tutela da administração central, em apreciação no Parlamento (Castro Mendes prefere não a revelar).

Esta descentralização segue em paralelo, sublinha o ministro, com a “desconcentração de alguns museus nacionais”, que poderão passar a ter pólos regionais. O da Música – com parte da colecção no palácio de Mafra e outra no Palácio Foz, em Lisboa – é um dos exemplos.

“Que sentido faz criar pólos regionais de museus nacionais quando temos o Museu Nacional de Arqueologia sem uma exposição permanente e o do Chiado sem instalações capazes de mostrar boa parte da sua colecção? Se não está resolvido o Pólo 1, como fazer outros?”, pergunta o director de Arte Antiga.

E para ilustrar o que pode correr mal mesmo nos maiores museus nacionais por causa da carga burocrática da DGPC, exemplifica: “Se eu estivesse à espera dos serviços, o museu estaria praticamente às escuras. Tivémos meses e meses pedido um fornecimento de lâmpadas que acabámos por comprar graças ao Grupo dos Amigos do MNAA.”

Mas quando o problema é a falta de vigilantes – neste momento o museu tem apenas 16 para 80 salas, duas portarias, uma loja e um jardim, diz o seu director – só a tutela pode resolver.

A inauguração, na próxima quinta-feira, da exposição As Ilhas do Ouro Branco (até 18 de Março) vai voltar a fechar o MNAA "como um dominó”. É que para abrir as nove salas da galeria de exposições temporárias, terá de encerrar outras na permanente. Mais de metade do museu ficará inacessível aos visitantes, garante Pimentel.

“Mais uma vez, não é só um problema de dimensão, mas de estratégia. A DGPC é muito grande, é verdade, mas maior é o Louvre e nunca ouvi o Ministério da Cultura francês queixar-se da sua macrocefalia nem do facto de superintender todos os museus nacionais de França. O Louvre nem durante a ocupação alemã deixou de comprar obras para as suas colecções.”

Com Joana Amaral Cardoso