Vigilante da firma de segurança do Urban tentou matar cliente em 2009
Operário não recebeu até hoje indemnização decretada pelo tribunal, apesar de ter sido declarado incapaz para todo o serviço. Segurança da PSG já tinha sido expulso da PSP quando o baleou.
Um supervisor da firma de segurança que até há poucos dias fazia a vigilância das entradas da discoteca Urban Beach, em Lisboa, está a cumprir seis anos e meio de cadeia por ter tentado matar o cliente de um bar em 2009. Na altura com 43 anos, a vítima ficou com incapacidade permanente absoluta para o trabalho.
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Um supervisor da firma de segurança que até há poucos dias fazia a vigilância das entradas da discoteca Urban Beach, em Lisboa, está a cumprir seis anos e meio de cadeia por ter tentado matar o cliente de um bar em 2009. Na altura com 43 anos, a vítima ficou com incapacidade permanente absoluta para o trabalho.
Foi há menos de uma semana que a empresa de segurança PSG saltou para a ribalta, depois de seguranças seus terem espancado dois jovens à entrada da discoteca. Mas entre os episódios de violência associados à firma assume especial relevo a tentativa de homicídio do operário de cantaria há oito anos, na zona de Sintra.
Caso Máfia da Noite
Ainda na prisão por causa deste e de outros crimes, Filipe Estácio da Veiga não tinha propriamente um currículo imaculado quando foi trabalhar para a PSG. Nessa altura já tinha sido aposentado compulsivamente da PSP, depois de ter respondido em tribunal, juntamente com outros agentes, pela morte de um dos porteiros da discoteca de striptease Passerelle, num caso que ficou conhecido como Máfia da Noite.
Acabou ilibado, mas os seus problemas com a justiça não haviam de terminar aqui. Chegou a ser apanhado pela Polícia Judiciária no aeroporto de Lisboa a receber cocaína proveniente da América do Sul. E chegou a ser suspeito de disparar também contra o porteiro de um bar de Lisboa.
Naquela madrugada do Verão de 2009, António Brás foi barrado à porta do bar de alterne VIP, em Lameiras, Sintra, por estar pouco apresentável: vinha sujo do trabalho. Mas o operário, a quem apetecia mesmo tomar mais um copo, deu-se ao trabalho de ir a casa trocar de roupa. Debalde: quando regressou eram 4h e os seguranças da PSG disseram-lhe que o estabelecimento ia fechar.
Acabou por se meter à estrada outra vez, tal como os vigilantes e as empregadas do bar. A descrição que o tribunal de Sintra havia de fazer mais tarde do que se passou a seguir é curta no que respeita às razões do crime.
"Furou-me pelas costas"
O supervisor da PSG, que seguia num Mercedes, parou nas imediações da Base Aérea de Sintra para despejar o lixo do bar. António Brás, que ia atrás, ultrapassou-o mas acabou por estacionar mais à frente, com medo de ser apanhado pela polícia ao volante: já tinha bebido demais. “Ele veio por trás e pum, pum, pum: furou-me pelas costas”, recorda a vítima, ainda hoje a sofrer sequelas daquela noite. Depois fugiu. As quatro balas causaram-lhe sérios danos no fígado e intestinos, bem como num rim e na vesícula, que tiveram de ser removidos.
Os juízes que sentenciaram Filipe Veiga a seis anos e meio de cadeia escreveram que o ex-polícia fez aquilo “porque lhe apeteceu, e porque lhe desagradou que a vítima o tenha seguido e ultrapassado”.
Também o condenaram a pagar 221 mil euros ao operário, que ficou incapaz para todo e qualquer serviço, mas António Brás continua à espera de os receber. Depois de uma equipa de cirurgiões do Amadora-Sintra o ter salvo a custo de uma morte certa ficou três meses no hospital. Continua a sobreviver com uma reforma de 300 euros, que engrossa à custa de uns biscates que ainda consegue fazer, mais a horta donde tira qualquer coisa para ele e a mulher comerem. As quatro balas puseram termo ao tempo em que transformava blocos de pedra em lareiras e em móveis.
“Tenho uma perna paralisada, custa-me a andar. E ainda hoje sinto dores”, descreve. A sentença que condena o seu agressor alude ainda às repercussões das lesões na sua vida sexual. “Depois do que me aconteceu vim a saber que aqueles mesmos seguranças já tinham agredido colegas meus quase até à morte”, lamenta António Brás.
O PÚBLICO tentou, sem sucesso, falar com a PSG ao longo dos dois últimos dias, mas a empresa tem os telefones desligados e não respondeu por correio electrónico. Um até há poucos meses administrador da firma, Carlos Soares, não se mostrou disponível para fornecer nenhum número de telemóvel dos actuais responsáveis da empresa, nem para dar esclarecimentos sobre a contratação de alguém que é descrito nalguns círculos como sociopata, tendo alegado não conhecer o caso.
Questionado sobre se a PSG tem por hábito ter ao seu serviço pessoas com tal grau de perigosidade, o ex-administrador, que ainda está ligado à empresa, respondeu: “Claro que não. Todos os vigilantes estão credenciados pelo Ministério da Administração Interna”.
Contactada pelo PÚBLICO para saber como foi possível Filipe Veiga ter sido autorizado a exercer segurança privada apesar dos seus antecedentes, a direcção nacional da PSP também não deu nenhuma resposta em tempo útil. Nem tão pouco explicou por que motivos o agente foi aposentado compulsivamente.
Entretanto, as duas vítimas do Urban Beach vão apresentar queixa-crime ao Ministério Público na sexta-feira, disse à agência Lusa uma das advogadas que os representam, Sandra Cardoso. A queixa é um dos requisitos obrigatórios para deduzirem um pedido de indemnização cível, explicou.
O Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa decretou no sábado a prisão preventiva para dois dos seguranças, que estão indiciados de tentativa de homicídio qualificado. A um terceiro vigilante, que ficou em liberdade mas impedido de exercer a actividade de segurança privada, foi imputado o crime de ofensa à integridade física. A discoteca foi fechada por um período que pode chegar aos seis meses, enquanto a PSG anunciou, em comunicado, que vai deixar de trabalhar com estabelecimentos de diversão nocturna, para "se distanciar de situações semelhantes".
Sindicato quer leis próprias para “ecossistema da noite”
O Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas (STAD) vai defender na próxima sexta-feira, numa reunião do Conselho de Segura Privada convocada pelo ministro da Administração Interna na sequência do sucedido no Urban Beach, que o “ecossistema da noite” precisa de regras próprias, mais apertadas do que aquelas a que está submetida a indústria da vigilância privada. O dirigente sindical Carlos Trindade quer ainda um sistema de fiscalização autónomo, com base no facto de, na sua opinião, a vigilância dos espaços de diversão nocturnos ter características muito diferentes do resto do sector da segurança privada.