Isaac nunca foi uma rapariga que nasceu rapaz
Feito por alunos da Escola Superior de Comunicação Social, "Rip 2 My Youth" é um dos primeiros documentários realizados em Portugal sobre o processo de transição de um jovem transexual. É a história de Isaac, que nunca se identificou com o corpo em que nasceu
“Se nós tivermos um pote de maionese com champô lá dentro, nós não vamos comer o champô só porque está num pote de maionese." Esta é a analogia que Isaac dos Santos utiliza quando quer explicar, de forma simples, que um dia foi aquilo que o corpo não reflectia.
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“Se nós tivermos um pote de maionese com champô lá dentro, nós não vamos comer o champô só porque está num pote de maionese." Esta é a analogia que Isaac dos Santos utiliza quando quer explicar, de forma simples, que um dia foi aquilo que o corpo não reflectia.
O jovem de 20 anos é o protagonista do documentário Rip 2 My Youth, realizado por Elizabeth Vieira, João Pico e João Figueiredo, alunos da Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa. Co-produzido pela Comprimido, o filme não conta a história de “um coitadinho”, mas antes de um caso de esperança e sucesso, através da perspectiva do próprio Isaac e da sua família, numa abordagem positiva a uma mudança iniciada aos 18 anos. Porque este é um rapaz que, "por acaso", é "trans", mas que também é um aspirante a fotojornalista, que gosta de deslizar com o skate à beira-rio e que preenche o corpo com tatuagens, uma das suas paixões. O processo de transição do jovem, que hoje vive em Lisboa, procura quebrar preconceitos, "muitas vezes aliados à ignorância sobre o tema", como explica Elizabeth Vieira.
Isaac nunca teve dúvidas de que o seu género "não batia" com o seu sexo. “Aos três meses de feto”, explica ao P3, “o meu cérebro desenvolveu-se como homem e o corpo enquanto mulher”. Um dia, ainda criança, perguntou à avó: “Porque é que a minha pilinha não cresce?”. A partir daí, a família sempre soube que “a mudança era necessária”, o que facilitou o doloroso caminho da transição até à felicidade, tal como o “grupo de amigos forte” que sempre o apoiou.
Nem todos têm o mesmo suporte. Há muitas pessoas, sublinha, “que se sentem sufocadas”, que não têm acesso facilitado a instituições que as abraçam, compreendem e apoiam. É a elas que Isaac se dirige através deste documentário. Quer ajudá-las, "dizer-lhes que tudo vai correr bem" e, também, desmistificar o que se constrói à volta da transsexualidade, num sentido pedagógico, tanto para o cidadão-comum como para os meios de comunicação. “É errado os jornais utilizarem títulos como ‘Uma rapariga que nasceu como rapaz’ ou vice-versa”, completa ainda Elizabeth Vieira.
Isaac partilha a mesma opinião. Para além dos meios de comunicação social, o jovem acrescenta que “não há muitos médicos aptos em Portugal para lidar com estas questões”, sendo que muitos estão “mal informados” e têm “pouca sensibilidade”. O protagonista do documentário reconhece que há muito para fazer nesta batalha, dando também o exemplo das personagens "trans" nas séries e em novelas, “cuja storyline é apenas o 'ser' transexual ou transgénero”. O que não ajuda a desmistificar as ideias erradas que se fazem sobre o tema. "É a ignorância que, muitas vezes, faz com que exista o preconceito", conclui. A visão do jovem para o futuro é optimista, acredita que “há cada vez menos gente quadrada”. No entanto, no trailer do documentário lança o aviso: “Não adianta apoiares o ‘L’ e o ‘G’ se achas que o ‘B’ é confuso e se esqueces que o ‘T’ existe”.
O documentário estreou-se a 2 de Novembro, no Auditório da Biblioteca Orlando Ribeiro, em Telheiras. A equipa contava fazer apenas uma sessão, mas "a sala encheu duas vezes". Se o guião inicial, escrito por Mariana Ramos, namorada de Isaac, tinha uma “abordagem mais negativa, de sofrimento”, como conta Elizabeth, com o decorrer das filmagens — e estando o jovem numa fase mais avançada do processo de transição —, “optou-se pela positividade", por um foco "mais feliz, com o Isaac a ter uma voz optimista” num processo doloroso.
A próxima oportunidade para veres Rip 2 My Youth é a 24 de Novembro na associação ILGA, em Lisboa. Ainda não há datas para exibições noutras cidades, mas Elizabeth Vieira garante que a equipa "está a procurar" mais locais.