O que sobrou do comunismo

Partindo da “Revolução de Outubro” de 1917, o comunismo varreu o globo. Hoje, a Coreia do Norte apresenta-se como o único verdadeiro sobrevivente.

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Fidel Castro sobe ao poder em Cuba a 1 de Janeiro de 1959 Reuters

Passou um século desde que os comunistas subiram ao poder pela primeira vez. Aconteceu na Rússia, cambaleante após três anos de guerra mundial e oito meses decorridos da deposição do czar Nicolau II. Fora da Rússia, poucos achavam que o governo comunista conseguiria durar muito tempo. Mas o facto é que a Revolução de Outubro esteve na vanguarda – para usar uma palavra querida ao comunismo – de um movimento à escala mundial, que inspirou milhões de pessoas e repeliu ainda mais.

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Passou um século desde que os comunistas subiram ao poder pela primeira vez. Aconteceu na Rússia, cambaleante após três anos de guerra mundial e oito meses decorridos da deposição do czar Nicolau II. Fora da Rússia, poucos achavam que o governo comunista conseguiria durar muito tempo. Mas o facto é que a Revolução de Outubro esteve na vanguarda – para usar uma palavra querida ao comunismo – de um movimento à escala mundial, que inspirou milhões de pessoas e repeliu ainda mais.

Em teoria, o comunismo puro implicaria a propriedade comum dos meios de produção e um enfraquecimento do Estado. Pouco surpreendentemente, tal nunca foi alcançado. Mas a ideologia que prometia derrubar o poder do capital e as distorções que a acumulação de capital provocava na sociedade atraiu seguidores por todo o mundo, desde Cuba à Coreia. Os seus adeptos convenceram-se de que a construção do comunismo implicava o desenraizamento dos ideais capitalistas e a purga dos que se mantinham fiéis a um pensamento burguês ou contra-revolucionário. Na demanda pela construção de um futuro comunista, milhões de pessoas foram feitas prisioneiras, e milhões mais morreram de fome ou executadas.

Até que tudo começou a desmoronar-se, pela mão do cinismo, da exaustão e das inevitáveis comparações com as prósperas economias de mercado do Ocidente. O comunismo à escala mundial foi o inimigo mais temível da América nas décadas centrais do século XX. Mas desde 1989 os países, um após o outro, foram ou abandonando inteiramente o comunismo ou empurrando-o discretamente para o lado, em busca dos mercados. Hoje, existe apenas nas suas formas mais ténues. Entre os países comunistas que restam, a Coreia do Norte é o único resistente feroz, mas até mesmo aí os mercados têm vindo a mudar a natureza da economia.

Apresentamos aqui uma linha temporal com os momentos marcantes na história centenária do comunismo no poder, um registo de um movimento que procurava a revolução mundial, a industrialização em grande escala e a criação de uma nova forma de sociedade. Cresceu a partir de uma revolta urbana no noroeste da Rússia, espalhou-se por todo o mundo, entrou em putrefacção e, finalmente, foi desaparecendo como o gelo dos rios durante o degelo da primavera.

7 de Novembro de 1917

A Grande Revolução de Outubro

Os bolcheviques, uma facção revolucionária marxista liderada por Vladimir Lenine, tomam o poder na Rússia (o golpe deu-se a 25 de Outubro, no antigo calendário russo, daí o nome). Após uma guerra civil brutal, os bolcheviques estabeleceram a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o primeiro governo comunista do mundo. Os soviéticos tinham como objectivo exportar o comunismo para outras grandes nações industriais, o que fez deles párias entre os países capitalistas.

30 de Junho de 1929

Fundação de Magnitogorsk

O líder soviético Estaline ordenou a construção de uma nova cidade que abrigasse as maiores indústrias de ferro e de aço da União Soviética. A medida fazia parte de um plano de cinco anos para libertar a Rússia da economia feudal e agrícola, transformando-a num gigante industrial. Magnitogorsk, nos Montes Urais, foi construída com a ajuda de engenheiros americanos e inspirada em Gary, no estado norte-americano do Indiana. Tornou-se um ícone das conquistas económicas soviéticas. Mas a economia soviética tinha um lado negro: uma grande fome atingiu a Ucrânia, e milhões de homens e mulheres desapareceram nos gulags. O trabalho forçado dos prisioneiros foi usado para construir canais, cortar madeira e extrair carvão.

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Tropas soviéticas sinalizam a vitória na batalha de Estalinegrado, em finais de Janeiro princípios de Fevereiro de 1943 Reuters

9 de Maio de 1945

Vitória sobre a Alemanha nazi

Os soviéticos foram quem mais sofreu com a II  Guerra Mundial na Europa. O seu triunfo final foi desde então explorado como um momento de glorificação e legitimação da URSS – e da Rússia que lhe sucedeu. No final da guerra, Moscovo estabeleceu regimes comunistas amigáveis em toda a Europa Oriental, criando aquilo a que Winston Churchill chamou de Cortina de Ferro, e dando início à Guerra Fria.

1 de Outubro de 1949

Mao declara a vitória comunista na China

O longo conflito entre nacionalistas e comunistas acabou com uma quase total vitória comunista. Mao Tsetung, líder do Partido Comunista, foi recebido em Moscovo como o tribuno do comunismo asiático. Mas não passou muito tempo até que as tensões levassem a uma ruptura, separando os dois países mais importantes do comunismo. Ao longo das décadas seguintes, milhões de chineses viriam a morrer de fome e em campos de trabalho.

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Mao Tsetung proclama a criação da República Popular da China a 1 de Outubro de 1949 Reuters

27 de Julho de 1953

Guerra da Coreia termina num impasse

Com a derrota do Japão na II Guerra Mundial, a Coreia tinha sido dividida entre o Norte Comunista, sob a alçada da União Soviética, e o Sul, aliado dos países ocidentais. A Guerra da Coreia estalou em 1950, colocando os coreanos uns contra os outros e arrastando consigo os Estados Unidos e seus aliados de um lado, e a China comunista do outro. A guerra terminou num impasse, embora até hoje a Coreia do Norte declare ter saído vitoriosa.

4 de Novembro de 1956

União Soviética esmaga a revolta na Hungria

Após a morte de Estaline em 1953, a ascensão de Nikita Khrushchev a líder soviético parecia anunciar uma diminuição da repressão. Resistentes húngaros, ansiosos para se libertarem do domínio de Moscovo, lideraram uma revolta que levou ao colapso do seu governo. O presidente Dwight Eisenhower elogiou-os, mas os Estados Unidos assistiram impávidos quando o exército soviético entrou no país e esmagou a rebelião.

1 de Janeiro de 1959

Fidel Castro sobe ao poder em Cuba

Castro e os seus revolucionários desceram das montanhas e derrubaram o regime corrupto de Fulgêncio Batista, que tinha fortes ligações ao crime organizado americano. No início, Castro estava disposto a lidar com os Estados Unidos, mas confrontado com a hostilidade americana, rapidamente procurou apoio em Moscovo. Foi um choque para os líderes americanos o estabelecimento de um regime comunista no hemisfério ocidental.

30 de Abril de 1975

A queda de Saigão

A guerra sangrenta e prolongada no Vietname, que tinha destruído a presidência de Lyndon Johnson e contribuído para a queda de Richard Nixon, terminou com uma vitória comunista. Saigão foi rebaptizada, passando a chamar-se Ho Chi Minh. O comunismo global estava no seu ponto mais alto da História, embora na época poucos suspeitassem disso.

31 de Agosto de 1980

Na Polónia, surge a Solidariedade

O primeiro sindicato independente na Europa Oriental do pós-guerra foi criado num estaleiro em Gdansk, e liderado pelo electricista Lech Walesa, entre outros. No início, o governo de Varsóvia tentou negociar com o sindicato, mas pouco depois a união sindical foi ilegalizada. Mas nunca chegou a desaparecer, e viria a ressurgir no ano fundamental de 1989.

4 de Junho de 1989

Protestos na Praça da Tiananmen esmagados

Os manifestantes pró-democracia ocuparam a praça central de Pequim, inspirados por um programa de mudanças que os líderes chineses vinham cautelosamente a implementar. Mas revelou-se uma provocação demasiado grande para o governo comunista, que enviou tropas e tanques para controlar a praça. Centenas de pessoas, talvez milhares, perderam a vida. A lição foi aprendida, e desde então não voltou a acontecer nada parecido na China.

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Protestos na Praça Tiananmen em Junho de 1989 Reuters

9 de Novembro de 1989

Queda do Muro de Berlim

Cinco meses depois, o líder soviético Mikhail Gorbachev comunicou ao governo comunista da Alemanha de Leste que Moscovo - preocupado com o declínio económico e o esvaziamento do fervor ideológico - não viria em sua ajuda para fazer frente aos crescentes protestos populares. A Solidariedade já estava presente no governo da Polónia, e na Hungria assistia-se a um êxodo para a fronteira com a Áustria. Mas quando o Muro caiu e os berlinenses se reuniram em alegres manifestações, ficou claro para o mundo que a era comunista na Europa Oriental tinha acabado.

19 de Agosto de 1991

O golpe falhado em Moscovo assinala o fim da URSS

Os soviéticos da “linha dura” tentam derrubar Mikhail Gorbachev, por medo de que suas políticas de glasnost e perestroika - abertura e reestruturação - colocassem o país em risco de se desmoronar. O seu fracasso deu um grande impulso ao principal político anti-comunista russo, Boris Yeltsin, e levou à ilegalização do Partido Comunista algumas semanas depois. Efectivamente, a União Soviética desmoronou-se, e deixou de existir a 25 de dezembro de 1991.

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Queda do Muro de Berlim em Novembro de 1989 Reuters

16 de Agosto de 2010

Economia chinesa ultrapassa a do Japão

Os resultados apresentados neste dia pelo governo chinês mostraram que a China tinha ultrapassado o Japão, tornando-se a segunda maior economia do mundo. O progressivo afastamento de Pequim do marxismo, em favor de um capitalismo centrado no estado, estava em andamento já há duas décadas, e apresentava agora resultados incríveis.

3 de Setembro de 2017

Pyongyang diz que pode atacar EUA com bomba de hidrogénio

Três gerações de liderança da família Kim transformaram a Coreia do Norte num estado-pária, mais parecido com uma monarquia do que com uma nação verdadeiramente comunista. A introdução de algumas reformas - embora em menor escala do que na China ou no Vietname - ajudou a economia. Mas a hostilidade em relação ao Ocidente, nomeadamente aos Estados Unidos, tem vindo a acentuar-se. A Coreia do Norte vê as armas nucleares como o único meio de manutenção da sua soberania, diante do que chama de agressão americana. Cem anos depois de Lenine ter chegado ao poder na Rússia, é o reduto mais problemático do comunismo.

Tradução de António Domingos

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post