Fundo Soberano de Angola exposto nos Paradise Papers
Documentos de gestora suíça liderada por empresário próximo da família Dos Santos encontrados entre os 13,4 milhões de ficheiros.
A mais recente fuga de informação sobre a mega indústria dos paraísos fiscais expõe as relações opacas entre o Fundo Soberano de Angola (FSDEA), dirigido pelo filho do ex-presidente José Eduardo dos Santos, e a empresa suíça Quantum Global, especializada na gestão de activos e responsável por boa parte dos investimentos do fundo nas Maurícias.
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A mais recente fuga de informação sobre a mega indústria dos paraísos fiscais expõe as relações opacas entre o Fundo Soberano de Angola (FSDEA), dirigido pelo filho do ex-presidente José Eduardo dos Santos, e a empresa suíça Quantum Global, especializada na gestão de activos e responsável por boa parte dos investimentos do fundo nas Maurícias.
A nova vaga de documentação à escala global sobre as ligações de políticos, milionários e multinacionais a offshores, a que o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI) deu o nome de Paradise Papers, tem origem em 13,4 milhões de ficheiros que chegaram às mãos de jornalistas do Süddeutsche Zeitung e que foram partilhados com os outros media do CIJI, do qual faz parte o semanário Expresso.
Muitos dos ficheiros (cerca de 6,8 milhões) são registos do escritório de advogados Appleby, uma sociedade fundada nas Bermudas com ramificações noutros centros financeiros offshore. E foi nesse lote que o jornal suíço Le Matin Dimanche, parceiro do consórcio de jornalistas, encontrou as informações sobre os investimentos angolanos geridos pela Quantum Global.
A empresa em causa é dirigida por Jean-Claude Bastos de Morais, um empresário suíço-angolano de 50 anos, amigo e parceiro de negócios de José Filomeno dos Santos, o filho mais velho de José Eduardo dos Santos que desde 2013 está à frente do Fundo Soberano angolano. As relações próximas entre os dois são há muito conhecidas. Jean-Claude, já visado pela justiça suíça, fundou com Filomeno dos Santos o primeiro banco de investimento angolano, o Banco Quantum, que em 2010 mudaria o nome para Bank Kwanza Invest.
De acordo com o jornal Le Matin Dimanche, dos cerca de 5000 milhões de euros atribuídos inicialmente ao Fundo Soberano de Angola, cerca de 3000 milhões foram investidos em sete fundos de investimento sediados nas Maurícias, através da Quantum Global. Os documentos permitem perceber quanto é que a empresa de Jean-Claude Bastos de Morais fica a ganhar directamente com os investimentos.
A Quantum Global, revela o jornal suíço, recebe entre 2% a 2,5% do capital por ano, o que desde 2015 corresponde a um valor entre 60 a 70 milhões de dólar anuais. Não são os únicos ganhos. Um relatório anual obtido pelo CIJI mostra, por exemplo, que as empresas do grupo conseguiram encaixar em 2014 perto de 120 milhões de dólares por serviços de consultadoria. Jean-Claude Bastos de Morais defende-se, dizendo ao CIJI que as remunerações da Quantum correspondem aos “padrões” do sector.
Cliente de alto risco
O consórcio encontrou centenas de documentos relacionados com Bastos de Morais, empresário que, segundo o Matin Dimanche, a Appleby classifica como “cliente de alto risco”, pelas relações próximas que mantém com o aparelho de Estado angolano.
A Quantum Global tem em África o mercado central. Além dos escritórios na Suíça, no cantão de Zug, está presente em Luanda, nas Maurícias e trabalha ainda na África do Sul, na Mauritânia, no Gana, na Zâmbia e no Quénia.
O Matin Dimanche refere outros investimentos do FSDEA dos quais Bastos de Morais tem vindo a beneficiar. Um dos exemplos citados é o projecto de construção de um arranha-céus na capital angolana (ainda no papel) num terreno de uma empresa detida pelo empresário. O FSDEA terá assegurado 157 milhões de dólares para a construção; e uma segunda empresa de Bastos de Morais ficou com a direcção de projecto e a concepção de uma parte da torre destinada a escritórios, descreve o mesmo jornal.
Sem revelar a quem cabe a gestão dos activos, o FSDEA refere no seu site que a carteira de investimento está “amplamente diversificada em termos de classes de activos, indústrias e geografias”. O resultado líquido de 2016, o mais recente que se conhece, foi de 44 milhões de dólares (perto de 37 milhões de euros).
As ligações entre “Zenú”, como é conhecido Filomeno dos Santos, e Jean-Claude não são de agora. Ricardo Soares de Oliveira, professor associado de política comparada na Universidade de Oxford, descrevia as relações de proximidade no livro Magnífica e Miserável – Angola desde a Guerra Civil (Tinta da China, Outubro de 2015), notando as “ligações profundas” do empresário à família Dos Santos e denunciando que a entrega da gestão “de uma parte significativa” dos fundos à Quantum Global acontecera “sem que se tenha realizado qualquer concurso público para o efeito”.
A proximidade fica agora mais exposta pela projecção global dos Paradise Papers. As ligações ganham visibilidade num momento em que a comunidade internacional olha para Angola depois de José Eduardo dos Santos ter passado a presidência a João Lourenço, eleito pelo MPLA nas eleições de Agosto, e que nos últimos dias tem substituído as administrações de três empresas públicas (sem mudanças conhecidas e oficiais na Sonangol, liderada por Isabel dos Santos).
As revelações dos Paradise Papers expõem dezenas de outros casos em que políticos, celebridades, empresários milionários e grandes empresas internacionais recorrem a sociedades localizadas em centros offshore para esquemas de planeamento fiscal e salvaguarda da identidade dos fundos para ali localizados.