Sigamos o bigode

Uma nova versão do clássico de Agatha Christie com as mesmas fraquezas e forças de outras adaptações anteriores.

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Vamos pôr já de parte a questão que anda a preocupar toda a gente: o bigode de Hercule Poirot na incarnação por Kenneth Branagh do detective criado por Agatha Christie é esquisito, sim, e divisivo, também, mas não é problemático. Não seria necessário arranjar um bigode tão exótico, mas o bigode acaba por ser um bom símbolo de tudo o que está bem, e mal, nesta nova adaptação daquele que é, provavelmente, o título mais célebre dos 33 que a “raínha do crime” escreveu com o belga como herói.

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Vamos pôr já de parte a questão que anda a preocupar toda a gente: o bigode de Hercule Poirot na incarnação por Kenneth Branagh do detective criado por Agatha Christie é esquisito, sim, e divisivo, também, mas não é problemático. Não seria necessário arranjar um bigode tão exótico, mas o bigode acaba por ser um bom símbolo de tudo o que está bem, e mal, nesta nova adaptação daquele que é, provavelmente, o título mais célebre dos 33 que a “raínha do crime” escreveu com o belga como herói.

Este novo Crime no Expresso do Oriente, pouco mais de 40 anos depois da última versão cinematográfica (dirigida por Sidney Lumet com Albert Finney como Poirot), mantém intacta a trama e o período da acção mas realiza algumas cirúrgicas alterações a tentar fazer “a quadratura do círculo”. Branagh, que também dirige, e o argumentista Michael Green (que este ano esteve em todas, co-escrevendo Blade Runner 2049 e Alien: Covenant), cometem o erro de pegar num murder mystery escapista à moda antiga e achar que o público contemporâneo não o conseguirá aceitar sem que ele reflicta algumas questões politicamente correctas dos nossos dias (como o facto de uma das personagens ser agora negra, por exemplo). Ora bolas, os livros de Christie são produtos do tempo em que foram feitos e querer retroactivamente transformá-los naquilo que eles não são nem nunca foram é um bocadinho abusivo. É por isso que é mais interessante, por exemplo, ver o que Branagh faz na última meia-hora do filme, ao manter intacta a resolução do crime ao mesmo tempo que dá uma gravidade inesperada à meditação sobre a moralidade e a justiça que estava mais velada no livro (e, para quem não conhece a história, mesmo sendo este um dos grandes segredos de polichinelo da literatura policial, não seremos nós que o vamos aqui escarrapachar).

Quando não quer ser aquilo que não é, a versão de Branagh é um entretenimento eficaz e competente, na melhor tradição da alta produção britânica de prestígio, com os mesmos problemas de todas as adaptações anteriores de Agatha Christie feitas para o cinema. Tem um elenco de luxo sem nada (ou com muito pouco) que fazer que não seja estar sentado com ar culpado (o que, diga-se, Judi Dench e Derek Jacobi fazem requintadamente) — as excepções são Johnny Depp (que bom vê-lo a representar, outra vez) e uma excelente Michelle Pfeiffer. Tem as idiossincrasias de Poirot a roubarem e a ancorarem o filme — e Branagh, sem fazer esquecer o David Suchet da TV ou o Peter Ustinov do grande écrã, está nas suas sete quintas numa personagem que ganha com o cabotinismo em que se pode deixar cair quando tem rédea solta. E tem um perfume agradável de elegância nostálgica por aquilo que não volta mais, mesmo que seja aqui e ali uma recriação sintética de uma fórmula que se perdeu (rodada em 70mm sem que perceba muito bem porquê). Chega para uma noite simpática no cinema, mas não passa disso.

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