Nem oito nem oitenta
A disciplina de Educação Física só deve contar para acesso ao superior se tal for do interesse dos alunos.
A disciplina de Educação Física percorre o currículo de toda a escolaridade obrigatória (no 1.º ciclo, assume a designação genérica de “expressão e educação físico-motora”). Esta disciplina é obrigatória ao longo dos 12 anos de escolaridade e, exceto em condições muito particulares, nenhum aluno se pode furtar à sua frequência.
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A disciplina de Educação Física percorre o currículo de toda a escolaridade obrigatória (no 1.º ciclo, assume a designação genérica de “expressão e educação físico-motora”). Esta disciplina é obrigatória ao longo dos 12 anos de escolaridade e, exceto em condições muito particulares, nenhum aluno se pode furtar à sua frequência.
Durante anos e até 2012, a classificação desta disciplina foi considerada, tal como a das restantes, para todos os efeitos curriculares, leia-se, para progressão de ano, para conclusão de curso, para cômputo da média final de curso e para acesso ao ensino superior.
Por várias razões — certamente a merecerem análise e debate noutras circunstâncias —, muitos alunos, independentemente do esforço e motivação, apresentavam dificuldades em obter nesta disciplina classificações equivalentes, ou alinhadas, com as das restantes. Em consequência, ao longo de anos, constatou-se que muitos alunos não conseguiram aceder ao curso superior que pretendiam porque a classificação final da disciplina de Educação Física lhes prejudicou a média de acesso.
Por essa razão, ao longo do ensino secundário e às vezes logo no seu início, vários alunos (muitos), pressentindo que a classificação de Educação Física lhes prejudicaria a média final de acesso, transferiam-se para as escolas privadas à procura das “boas notas” nesta disciplina. Foi esta a realidade durante anos.
Outros, em abono da verdade, por apresentarem situações clínicas impeditivas, no todo ou em parte, da componente prática da disciplina, acabavam por ser avaliados em situação de desigualdade com os demais, daí recolhendo, normalmente, vantagem. Sem questionarmos aqui a legitimidade e veracidade de algumas declarações médicas, a verdade é que se percecionava algum mal-estar nas comunidades escolares que viam esta situação como um expediente que beneficiava esses alunos.
Em 2012, o Governo em funções veio alterar esta situação fazendo com que a classificação da disciplina de Educação Física, no ensino secundário, deixasse de ser considerada (e de ter qualquer efeito) na média de conclusão de curso e na média de acesso ao ensino superior, a menos que os alunos pretendessem prosseguir estudos na área do desporto.
Esta alteração ao modelo de avaliação dos alunos revelar-se-ia uma péssima decisão, como acontece sempre que se passa dos “oito aos oitenta”, não apenas com consequências negativas para a educação dos alunos, como também na desvalorização de uma disciplina crucial ao seu desenvolvimento harmonioso.
De facto, a partir daqui, uma boa parte dos alunos deixou de se entregar e de se motivar para a prática de Educação Física, passando a olhar para esta disciplina com a displicência com que os jovens olham para as tarefas a que não atribuem qualquer utilidade imediata. E a outra parte, aqueles alunos que gostavam da prática desportiva e mantiveram interesse em Educação Física, foi prejudicada por não poder contar com a classificação desta disciplina para cálculo da média de conclusão do ensino secundário.
Até 2012, a classificação da Educação Física prejudicou o acesso à parte dos alunos que não conseguia obter classificação alinhada com as das restantes disciplinas; a partir de 2012, a Educação Física passou a prejudicar a parte restante, a dos alunos que obtinham boas classificações nesta disciplina e que não as podiam considerar para melhorar a média de acesso ao ensino superior. Ou seja, “se de um lado chovia, do outro trovejava...”
O atual Governo parece querer reverter a decisão do anterior e recuperar as regras do passado. Todavia, se o fizer prejudicará muitos alunos no acesso ao ensino superior, levando a que alguns, pelas razões já apontadas, optem pela frequência das escolas privadas, cujas classificações na disciplina são consabidamente elevadas. No limite, será uma decisão que beneficiará as escolas privadas em detrimento das públicas.
Como observou o Conselho das Escolas no seu Parecer n.º 03/2017, a melhor solução deverá encontrar-se, algures, entre a medida tomada pelo anterior Governo e aquela que se pretende implementar atualmente, “normalizando” a disciplina e fazendo com que a mesma deixe de “perturbar” o funcionamento do sistema.
Assim, a solução que melhor defende os interesses da escola pública é aquela que não prejudica os alunos que não conseguem obter classificações em Educação Física alinhadas com as das restantes disciplinas e, simultaneamente, valoriza aqueles que se esforçam e empenham em nela obter bons resultados. A disciplina de Educação Física sairia prestigiada. Mas qual, então?
A classificação da disciplina de Educação Física deve contar para todos os efeitos — transição de ano e média final de conclusão de curso — e não ter qualquer efeito na graduação para acesso ao ensino superior, a menos que, neste último caso, seja do interesse dos alunos.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico