Theresa May, a primeira-ministra conservadora dos sapatos leopardo
Para a governante britânica a moda é um interesse e uma arma política. Theresa May é a nova imagem do power dressing.
Enquanto fala para os militantes do seu partido, Theresa May é capaz de usar uma pulseira com imagens da artista mexicana e activista comunista Frida Kahlo. Para fazer um discurso duro sobre imigração, enverga um vestido assimétrico azul-escuro com um fecho metálico nas costas e as unhas pintadas de cor-de-rosa; e não se inibe de usar botas de cano alto num tom preto brilhante para visitar a Rainha Isabel II.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Enquanto fala para os militantes do seu partido, Theresa May é capaz de usar uma pulseira com imagens da artista mexicana e activista comunista Frida Kahlo. Para fazer um discurso duro sobre imigração, enverga um vestido assimétrico azul-escuro com um fecho metálico nas costas e as unhas pintadas de cor-de-rosa; e não se inibe de usar botas de cano alto num tom preto brilhante para visitar a Rainha Isabel II.
A primeira-ministra britânica é uma conservadora que assume um interesse pela moda, sem pudores, e utiliza-o a seu favor por forma a suavizar a sua imagem. É que nas análises políticas, o guarda-roupa de uma figura feminina é geralmente tido mais como uma debilidade do que um ponto a seu favor – veja-se os casos de Hillary Clinton e Angela Merkel. Mas May marca a diferença.
É preciso voltar atrás no tempo – ao congresso do Partido Conservador em 2002, quando May tomou o pódio – para compreender a ligação entre a moda e a sua percepção pública. Foi um dos primeiros momentos em que a imagem elegante e algo excêntrica da actual primeira-ministra se fez notar. Alguns lembrar-se-ão das palavras duras que lançou ao partido acabado de sair de uma derrota eleitoral, mas muitos mais terão na memória a imagem do par de sapatos leopardo que levava nos pés.
Desde essa data que os meios de comunicação social e o público têm prestado atenção às escolhas de moda da actual governante que levará o Reino Unido a sair da União Europeia, interpretando, por vezes, aquilo veste como um sinal do tipo de intervenção que vai fazer: "um indicador instantâneo de que May está prestes a dar notícias difíceis? Estará a usar um colar grande de bolas que enquadra a sua cara e as suas medidas", escreve a edição britânica da Vogue, em Maio passado. A primeira-ministra “veste-se de forma marcante quando quer fazer uma intervenção marcante; como ênfase, não como distracção", aponta, por sua vez, Anne Perkins num artigo de opinião no Guardian.
Para a comentadora "os saltos [dos sapatos leopardo] deram a May uma identidade separada das suas políticas". Estávamos no início do novo milénio e "no imaginário popular eram completamente unTory", ou seja, diferente da imagem do Partido Conservador, defende. Usar sapatos com um padrão animal representava uma incongruência para a imagem antiquada que o partido tinha na altura e que May quis modernizar.
Mostrar personalidade sem palavras
Tida por alguns como uma pessoa pouco emocional, a primeira-ministra é apelidada por vezes de Maybot, numa alusão a um robot, e chegou a ser chamada pelo seu colega conservador Ken Clarke de "bloody difficult woman". É uma descrição que a própria May – que se mostra indiferente àquilo que os outros pensam de si – assume com orgulho. O guarda-roupa elegante – com uma mistura de peças em azul-marinho com toques de cor aqui e um acessório inesperado acolá – pode ser tido como um estudo de caso em como mostrar personalidade sem usar palavras.
May aparece ora com um vestido arrojado durante um momento fulcral para o país, ora com um casaco mais descontraído, mostrando que também é como todos os outros. Quando se reuniu com a Rainha, no dia da sua tomada de posse, levou um casaco azul-escuro da criadora britânica Amanda Wakeley, com uma tira neon; foi ao encontro do G20 com um fato saia e casaco feito à medida num tom azul eléctrico – contrastando com o casaco quadrado de Merkel –; e optou por um vestido assimétrico com uma cintura definida para participar na conferência do partido conservador, em 2015.
Será que a primeira-ministra continua a usar sapatos de padrões animais apesar da atenção que roubam ou precisamente por essa razão? Será que a moda pode ser um ponto a favor de uma mulher num cargo político de grande relevância, como o de May?
"Ao longo da minha carreira política, as pessoas têm comentado o que eu visto. É simplesmente algo que acontece e que aceito. Mas não me impede de apreciar moda. E também acho importante poder mostrar que uma mulher pode fazer um trabalho como este e ainda assim ter interesse em roupa", comenta a própria, em entrevista à revista Vogue.
Durante o discurso minado de peripécias que deu na conferência do partido conservador em Manchester, no início de Outubro, May viu-se apoquentada por um persistente ataque de tosse. Como qualquer pessoa civilizada tapou a boca com a mão – exibindo uma imponente pulseira com fotografias de Frida Kahlo. Teria tomado a mesma opção se soubesse das dificuldades respiratórias que a esperavam ou foi precisamente por esse motivo que decidiu usar a mão direita, questiona o Guardian.
Certo é que a líder do partido conservador do Reino Unido – que antes da carreira política trabalhou no Banco de Inglaterra – não estará, com certeza, a tentar esconder o interesse na obra de Frida Kahlo, a artista mexicana que, em conjunto com o marido Diego Rivera, deu asilo ao líder soviético Leon Trotsky.
Aliás, não é a primeira vez que May se apresenta numa conferência com um acessório que parece saído da loja de recordações de um museu. Também em Abril dirigiu-se ao Scottish National Party com uma pulseira que exibia diferentes quadros de Picasso.
As escolhas mais extravagantes de May já lhe mereceram vastas críticas e um pequeno escândalo com sufixo gate. A primeira-ministra deixou-se fotografar em Novembro de 2016 pela Sunday Times Magazine sentada num sofá, em sua casa, com umas calças de cabedal castanho claro da criadora Amanda Wakeley, que custavam quase mil libras (cerca de 1114 euros). A imagem foi interpretada por muitos como um sinal de que May estava desligada da realidade – daí surgiu o “trousergate”.
Estamos habituados a que o guarda-roupa de uma mulher política seja mais motivo de conversa do que o de um homem. Verdade seja dita, para elas não há um uniforme definido – fato azul-escuro ou preto, camisa branca e gravata – como para eles. “Não temos muitos exemplos da aparência de mulheres com poder”, avalia Lauren A. Rothman, uma consultora de imagem em Washington e autora de Style Bible: What To Wear To Work, citada pela BBC. “Acho que vamos ver muitas variações de como é a roupa de poder, à medida que as mulheres forem quebrando barreiras”, acrescenta.
“É bem sabido que eu gosto de sapatos. Não é algo que me defina como mulher ou como política, mas tem vindo a definir-me aos olhos dos jornais”, escreveu May, num artigo para a mesma BBC, em 2009. As críticas acerca das suas escolhas de vestuário ou da importância que dá à moda, regista-as, amachuca e deita para o caixote do lixo. "Arrependo-me do facto de as pessoas olharem para os meus sapatos?", lançou em tom retórico, no programa Good Morning Britain, em 2016, acrescentando logo de seguida uma resposta negativa: "Dá-me uma desculpa para ir comprar uns novos".