Há uma nova espécie de orangotangos e já está ameaçada de extinção
Afinal, não existem apenas duas espécies de orangotangos. Descoberto a sul do lago Toba, na ilha de Samatra, o orangotango-de-tapanuli acaba de ver a sua descrição científica publicada. E já só existem menos de 800 indivíduos.
As actuais espécies de orangotangos já se encontram apenas nas ilhas de Samatra e Bornéu, no oceano Índico. E até hoje estávamos convencidos de que cada uma destas ilhas albergava apenas uma espécie distinta nas suas florestas tropicais. Agora ficámos a saber que existe uma nova espécie, o orangotango-de-tapanuli. Já ameaçado de extinção, vive a sul do lago Toba, na ilha de Samatra (Indonésia) – o único sítio onde podemos encontrar os orangotangos-de-samatra, uma das duas espécies de orangotangos e das seis de grandes símios que pensávamos serem as últimas na natureza. E que, afinal, não são.
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As actuais espécies de orangotangos já se encontram apenas nas ilhas de Samatra e Bornéu, no oceano Índico. E até hoje estávamos convencidos de que cada uma destas ilhas albergava apenas uma espécie distinta nas suas florestas tropicais. Agora ficámos a saber que existe uma nova espécie, o orangotango-de-tapanuli. Já ameaçado de extinção, vive a sul do lago Toba, na ilha de Samatra (Indonésia) – o único sítio onde podemos encontrar os orangotangos-de-samatra, uma das duas espécies de orangotangos e das seis de grandes símios que pensávamos serem as últimas na natureza. E que, afinal, não são.
É na isolada região de Batang Toru, em Tapanuli, na faixa mais a sul do habitat dos orangotangos-de-samatra (Pongo abelii), que se encontra a última população de orangotangos-de-tapanuli (Pongo tapanuliensis). “Por volta de 1935, já existiam relatos da sua existência, mas ninguém foi confirmar”, explica ao PÚBLICO Erik Meijaard, um dos autores do artigo científico em que se descreve o orangotango-de-tapanuli como uma nova espécie para a ciência. O trabalho foi publicado esta quinta-feira na revista científica Current Biology. “Mas a população só foi descoberta em 1997”, sublinha o investigador da Universidade Nacional Australiana, em Camberra.
Depois de 1997, foram necessários muitos mais anos para investigar e obter “meticulosamente” provas de que esta população a sul do lago Toba não é da mesma espécie dos orangotangos-de-samatra, que se encontram a norte desse lago. Ambos, no entanto, vivem em regiões no Norte da ilha de Samatra.
Este “novo” grande símio junta-se assim às duas espécies de orangotangos, a duas de gorilas (gorila-oriental e gorila-ocidental) e duas espécies de chimpanzés (o chimpanzé-comum e o bonobo, ou chimpanzé-pigmeu).
Em 2001 – quatro anos após a descoberta da população de Batang Toru por investigadores da Universidade Nacional Australiana –, a ciência ainda estava longe de declarar a existência de um novo grande símio. Mas nesse ano foi quando se reconheceram os orangotangos-de-samatra e os orangotangos-de-bornéu (Pongo pygmaeus) como espécies distintas. E só em 2013 é que surgiu o material genético – o primeiro esqueleto de um orangotango-de-tapanuli – que permitiu desvendar, finalmente, o mistério.
Pêlo mais frisado e cor de canela
O esqueleto, de um adulto do sexo masculino, foi usado como referência para descrever a nova espécie. Foi comparado com um conjunto de dados de outros orangotangos adultos, também do sexo masculino, fornecidos por dez instituições que preservam materiais osteológicos (esqueletos). “Há diferenças significativas na morfologia do crânio”, afirma Erik Meijaard. “E existem diferenças comportamentais no que toca aos chamamentos, à alimentação e construção de ninhos, mas precisamos de mais estudos para compreender realmente como esta espécie distinta difere dos outros orangotangos. Externamente parecem-se com os orangotangos-de-samatra, embora existam diferenças subtis nos padrões do pêlo facial e do crescimento da barba.”
Segundo o artigo científico, “o tipo de crânio do orangotango-de-tapanuli é significativamente menor do que qualquer outro crânio de outros orangotangos no mesmo estágio de desenvolvimento.” E a análise a 26 medidas crânio-mandibulares, comummente usadas na classificação taxonómica em primatas (a ordem da qual fazemos parte), demonstrou diferenças entre a nova espécie de orangotangos e as duas já reconhecidas. “Quando percebemos que os orangotangos-de-tapanuli são morfologicamente diferentes dos outros, as peças do puzzle encaixaram-se”, assegura outro autor do trabalho, Michael Krützen, professor de antropologia evolutiva e genómica na Universidade de Zurique (Suíça), citado num comunicado da instituição a que pertence.
Do ponto de vista exterior, a pelagem do orangotango-de-tapanuli é mais frisada e tem um tom mais acentuado a cor de canela do que o orangotango-de-bornéu. As fêmeas também têm barba (ao contrário daqueles orangotangos) e os machos dominantes ostentam um bigode proeminente e umas abas, na parte lateral do rosto, cobertas de um pêlo mais suave. Mas as diferenças não são, como frisa Erik Meijaard, apenas morfológicas. A população de Batang Toru também apresenta diferenças comportamentais: constroem, em média, menos ninhos do que as outras duas espécies e foram observados a alimentar-se em diversas espécies de árvores que nunca antes tinham sido registadas como fonte de alimento para orangotangos, como a Agathis borneensis e a Gymnostoma sumatranum.
Por outro lado, também foi feita a sequenciação completa do genoma de 37 orangotangos, cobrindo assim a diversidade genética dos orangotangos, incluindo de indivíduos oriundos de áreas geográficas nunca antes amostradas. “As nossas análises mostram que as populações [que se encontram] a norte e a sul do lago Toba se separaram há cerca de 3,4 milhões de anos”, diz ao PÚBLICO outro dos autores do estudo, Alexander Nater, da Universidade de Zurique e da Universidade de Constança (Alemanha).
Depois dessa separação, explicou ainda este investigador, continuou a existir um fluxo de genes entre as duas linhagens de orangotangos, devido à dispersão de indivíduos do sexo masculino. Essas trocas genéticas sofreram uma redução drástica há cerca de 100 mil anos. “Não conseguimos encontrar qualquer indicação de fluxo de genes mais recente do que há dez mil anos, o que indica que o Pongo tapanuliensis está geneticamente isolado desde então”, acrescenta Alexander Nater.
Resultado, há três linhagens evolutivas distintas: a dos orangotangos-de-bornéu, a dos orangotangos-de-samatra e, agora, a dos orangotangos-de-tapanuli. Para além disso, os cientistas pensam que primeiro terá existido uma divisão entre os orangotangos que deram origem aos orangotangos-de-samatra e à nova espécie agora descrita do que entre os indivíduos das ilhas de Samatra e Bornéu.
De acordo com Alexander Nater, a linhagem evolutiva mais antiga na ordem Pongo foi, na verdade, encontrada nos orangotangos-de-tapanuli, que parecem ser descendentes directos da primeira população da ilha de Samatra. “Os orangotangos já estiveram espalhados por toda a Samatra e pensamos que a população de Batang Toru representa o que resta dessa grande população no Sul da ilha.”
Do tráfico à destruição do habitat
Agora, todas as três espécies de orangotangos estão ameaçadas de extinção. Quanto aos orangotangos-de-tapanuli, estima-se que existem menos de 800 indivíduos: por isso, são os grandes símios mais ameaçados do mundo. Com estes novos dados, são agora cinco (entre as seis espécies) de grandes símios que se encontram “criticamente em perigo”. Antes desta descoberta, o orangotango-de-samatra era, segundo a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza, o orangotango em maior risco de extinção. Mas já não é. E os investigadores estão seriamente preocupados com todas as populações de orangotangos, sobretudo com os orangotangos-de-tapanuli, só agora classificados como nova espécie e já estão a desaparecer.
“Se não forem tomadas medidas urgentes para diminuir as ameaças presentes e futuras e para conservar cada pedaço de floresta que resta, esta espécie de grande primata estará extinta dentro de poucas décadas”, alerta Matt Nowak, outro autor do estudo citado no comunicado. Também da Universidade de Zurique, este investigador trabalha no Programa de Conservação de Orangotangos de Samatra, que reúne esforços para a investigação e para combater a caça ilegal de orangotangos e a desflorestação das florestas tropicais, que abrigam uma das maiores biodiversidades do mundo e, portanto, muitas outras espécies.
Para além daquele programa, existe o Projecto para a Conservação dos Orangotangos de Tapanuli, criado pelo Instituto da Floresta Tropical de Samatra, que procura envolver a comunidade local nos esforços de protecção da nova espécie e da floresta. Está inclusivamente a decorrer uma angariação de fundos, destinado a programas de educação para estudantes e agricultores, bem como à organização de patrulhas e à aquisição de equipamentos, como receptores GPS para os guardas florestais.
No artigo científico, os investigadores alertam ainda para a necessidade de combater outras ameaças como o tráfico ilegal de orangotangos, a construção de estradas e a sua morte durante conflitos com os seres humanos, nomeadamente por causa da destruição de culturas agrícolas. Foi aliás assim que se obteve o esqueleto do exemplar que serve de referência para a descrição da nova espécie (o holótipo ou espécime-tipo). Esse orangotango não resistiu a ferimentos infligidos por habitantes locais da povoação de Sugi Tonga.
Mas, neste momento, o principal perigo para a área com maior densidade populacional de orangotangos vem de um projecto hidroeléctrico, proposto recentemente. “Este projecto pode levar a um maior empobrecimento genético e a maior consanguinidade, uma vez que prejudicaria os corredores de habitat existentes entre a faixa oeste e leste, bem como reservas naturais menores, que mantêm pequenas populações de Pongo tapanuliensis”, salienta o artigo.
“É muito entusiasmante descobrir um grande primata no século XXI”, comenta Michael Krützen no comunicado. A grande prioridade dos cientistas é agora garantir que não perdemos mais uma espécie – ou, como lhes chamou um dia a primatóloga e antropóloga Jane Goodall, mais “um fio da tapeçaria da vida”. Tudo para que os orangotangos, que (sabemos desde 2011) partilham 97% do ADN connosco, seguindo-se nesta proximidade logo atrás dos chimpanzés, possam continuar a ajudar-nos a desvendar a história da evolução humana.
Texto editado por Teresa Firmino