Com Puigdemont ausente, procurador vai pedir prisão para dirigentes catalães

Depois das manobras de diversão que o davam de regresso a Espanha, o ex-líder da Generalitat decidiu permanecer em Bruxelas. Entre 20 investigados, 15 vão apresentar-se nos tribunais de Madrid esta quinta-feira.

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Carles Puigdemont quer depor a partir da Bélgica, o que a Audiência Nacional recusará Eric Vidal/REUTERS

Oriol Junqueras ainda se refere a Carles Puigdemont como “presidente legítimo da Catalunha”. Mas enquanto o líder catalão destituído fazia saber por outros que permanece em Bruxelas, o líder da ERC (Esquerda Republicana da Catalunha) e até há poucos dias vice-presidente de Puigdemont, viajava de carro até Madrid, onde se apresentará para declarar perante a juíza Carmen Lamelas, da Audiência Nacional.

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Oriol Junqueras ainda se refere a Carles Puigdemont como “presidente legítimo da Catalunha”. Mas enquanto o líder catalão destituído fazia saber por outros que permanece em Bruxelas, o líder da ERC (Esquerda Republicana da Catalunha) e até há poucos dias vice-presidente de Puigdemont, viajava de carro até Madrid, onde se apresentará para declarar perante a juíza Carmen Lamelas, da Audiência Nacional.

“Em política pode fazer-se tudo menos o ridículo”. A frase, de Josep Tarradellas, eleito presidente da Generalitat em 1954 quando renunciou a “formar governo no exílio” porque “o poder existe para se exercer”, não tem saído da boca de políticos e comentadores. O “ridículo” de hoje refere-se a Puigdemont. Aconteça o que acontecer, a estratégia de Puigdemont dificilmente culminará num momento épico na varanda do Palau, como Tarradelas, recebido por um mar de gente no regresso do exílio.

“Como deixou os seus, é tão triste tudo isto, que vergonha. É de uma deslealdade incrível. Para quem acreditou nele, para os que ficaram feridos a defender o referendo”, diz Mireia, casaco de Inverno e braço dado ao marido, Antonio, interrompidos num passeio depois de almoço na Rambla de Poblenou, longe do centro comercial e político de Barcelona.

Feriado de Todos os Santos, sem chuva e sem sol, um céu cinzento e feio, uma Barcelona sem luz, assim foi o dia em que muitos catalães voltaram a ter de fazer a pergunta “Onde está Puigdemont?”.

Na terça-feira à noite, horas depois de a juíza Carmen Lamela anunciar que o presidente deposto e os seus 13 ex-conselheiros estão citados para responder na quinta-feira, investigados por “rebelião, sedição e desvio de fundos”, Puigdemont e os sete conselheiros que a ele se juntaram em Bruxelas abandonavam o hotel Chambord com destino ao aeroporto.

Finalmente, desembarcaram em Barcelona os ex-conselheiro do Interior, Joaquim Forn, do Trabalho, Dolors Bassa, e da Cultura, Lluís Puig. À sua espera, uma dezena de pessoas com bandeiras espanholas receberem-nos com gritos de “Viva Espanha” e “Para a prisão”.

“Nunca vivemos um momento assim em democracia”, diz Mireia, 56 anos, cabelo branco curto e óculos de massa. “Nós perdemos amigos. Como somos crescidos não nos zangamos, mas a verdade é que já não nos telefonamos”, lamenta. Mireia assusta-se com “este espanholismo que agora sai à rua”, sinal de “uma sociedade partida, dividida, zangada”.

O marido, menos falador, interrompe para se interrogar sobre a sorte dos antigos membros do governo de Puigdemont e dos seis ex-deputados que vão responder pelos mesmos crimes no Tribunal Supremo. “Com ele em fuga, vão acabar todos na cadeia”, diz. “Depende de como se levante a juíza Lamelas”, comenta Mireia. “Enfim, foi ela que mandou para a cadeia os Jordis, por muito menos”.

Os Jordis são Jordi Sànchez e Jordi Cuixart, presidentes das duas maiores associações independentistas, a ANC e a Òmnium, investigados por “sedição” (“agir publicamente e de forma tumultuosa” para “impedir, por força ou fora das vias legais, a aplicação de leis”) por causa de uma manifestação. Estão detidos desde 16 de Outubro.

Injusto mas óbvio

Nem Mireia nem Antonio são juristas, mas a análise que fazem é bastante correcta. “Pode ser injusto, que uns paguem por outros, mas não me parece possível que a juíza não decrete prisão preventiva”, diz o catedrático de Direito Processual da Universidade de Barcelona, Jordi Nieva-Fenoll.

A Procuradoria-Geral do Estado já confirmou que pedirá prisão preventiva para todos os investigados menos Santi Vila, o conselheiro que se demitiu há uma semana, na véspera da votação da independência no parlamento, o mesmo que quer ser candidato do PDeCAT às eleições catalãs marcadas por Mariano Rajoy para 21 de Dezembro.

Se Puigdemont não estiver às 9h na Audiência Nacional, a ordem de citação da juíza Lamelas transforma-se de imediato numa ordem de detenção europeia. Esteja onde estiver, a Justiça entenderá que não foi notificado porque evitou sê-lo. O que Puigdemont (e quatro ex-conselheiros que aparentemente também não regressaram) ganha é tempo: as autoridades belgas terão 60 dias para o entregar. Entretanto, um juiz vai analisar a ordem e podem surgir dúvidas, já que os crimes em questão têm um enquadramento jurídico diferente na Bélgica.

Grande irresponsabilidade

“Com esta atitude, pode acontecer que todas as pessoas citadas acabem em prisão preventiva”, indigna-se Joan Josep Nuet, terceiro secretário da Mesa do Parlamento autonómico. Se Puigdemont não aparecer, será “uma grande irresponsabilidade”, acusa. Ao contrário da maioria dos 20 investigados, o deputado do grupo de esquerda Catalunya Sí que es Pot votou contra a resolução onde foi declarada a independência da Catalunha.

De comboio, avião ou carro, todos os notificados viajaram de Barcelona a Madrid. À partida, alguns receberam o apoio de dezenas de catalães que lhes gritaram “Não estão sós”. À chegada, foram recebidos por palavras bem diferentes, gritadas por pessoas de bandeira espanhola em punho.

Paul Bekaert, advogado belga contratado por Puigdemont, afirma que o seu cliente pretende responder a partir de Bruxelas, por videoconferência, algo que a Audiência Nacional recusará.

Ao início da noite, surgia um comunicado do “governo legítimo da Catalunha” onde se lê que as acusações contra os seus membros não têm “fundamento jurídico” e as “penas pedidas são equivalentes ao terrorismo” (só o crime de rebelião pode representar 15 a 30 anos de prisão). Para terminar ensaiava-se a ideia de unidade entre os que estão em Bruxelas e os que ficaram: “Quem se vai apresentar nos tribunais vai fazê-lo para denunciar” esta situação. Pode ser, mas as consequências para uns e outros serão bem diferentes.