Clientes sem actividade no país lideram operações com offshores
A Suíça é o principal destino das transferências enviadas de bancos portugueses para paraísos fiscais. Em 2016, captou 40% dos fluxos. Quem envia são sobretudo empresas ou singulares não residentes em Portugal.
São conhecidos como “contribuintes especiais” e são eles quem mais transfere dinheiro a partir de bancos portugueses para centros financeiros offshore. Tem sido assim ao longo dos anos e voltou a sê-lo no último. Em 2016, perto de três quartos dos fluxos enviados para contas sediadas em paraísos fiscais tiveram origem em empresas sem actividade económica directa em Portugal e clientes singulares que não têm aqui a residência fiscal, mostram dados da administração tributária.
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São conhecidos como “contribuintes especiais” e são eles quem mais transfere dinheiro a partir de bancos portugueses para centros financeiros offshore. Tem sido assim ao longo dos anos e voltou a sê-lo no último. Em 2016, perto de três quartos dos fluxos enviados para contas sediadas em paraísos fiscais tiveram origem em empresas sem actividade económica directa em Portugal e clientes singulares que não têm aqui a residência fiscal, mostram dados da administração tributária.
Traduzido em números: de um total de 8665 milhões de euros de transferências, mais de 6200 milhões (72%) partiram deste universo de clientes. Um espelho disso são os fluxos de capital que tiveram como destino a Suíça, uma das grandes praças financeiras internacionais, até há poucos meses um refúgio seguro para as fortunas de clientes estrangeiros, não tivesse sido entretanto abolido o segredo bancário que durante anos protegeu as suas contas e a sua identidade.
As estatísticas mais recentes sobre as transferências para offshores, de 2016, foram publicadas no início desta semana pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e trazem informação mais detalhada do que tem acontecido até aqui sobre as operações relacionadas com os paraísos fiscais. São os primeiros números que se conhecem depois do caso do “apagão” de 10.000 milhões de euros e reflectem já as novas regras de comunicação que os bancos estão obrigados a cumprir perante o fisco (agora, passando enviar dados sobre mais destinos – incluindo a Suíça, Chipre, Macau e Cabo Verde – e sobre mais operações, prestando informação tanto em relação às transferências acima dos 12.500 euros, como às operações fraccionadas de valor mais baixo).
Uma das particularidades dos novos dados é o retrato da praça financeira helvética. A Suíça aparece destacada como o principal destino das transferências portuguesas, agregando 3647 milhões dos quase 8700 milhões de euros enviados para jurisdições offshore. Ao todo, 80% do montante diz respeito a “contribuintes especiais”.
Embora tenham sido muito mais as operações feitas por empresas ou contribuintes singulares residentes em Portugal, o valor envolvido que lhes está associado é, em termos globais, muito inferior. O contrário acontece com as transferências realizadas pelos clientes não residentes, onde há menos operações mas com valores muito mais altos.
No primeiro caso (residentes em Portugal), houve 10.300 operações para a Suíça, totalizando 718,7 milhões de euros, o que significa um valor médio de 70 mil euros por transferência; já os “contribuintes especiais” que escolheram a praça helvética como destino do dinheiro foram 2742, com um montante total de 2928 milhões de euros, o que em termos médios significa um milhão de euros por cada operação.
Os chamados “contribuintes especiais” são as entidades cujos rendimentos foram alvo de retenção na fonte a título definitivo por parte do fisco português, como acontece com os valores mobiliários. Nesta categoria de contribuintes poderão incluir-se, por exemplo, os casos em que uma pessoa não residente em Portugal compra aqui um imóvel (sendo-lhe atribuído um Número de Identificação Fiscal para essa operação) e paga a casa ao proprietário que tem uma conta registada num banco num paraíso fiscal.
Uma das situações detectadas pela Inspecção-geral de Finanças (IGF) quando realizou a auditoria ao “apagão” fiscal foi a falta de controlo da origem interna dos valores transferidos pelos “contribuintes especiais” para offshores. O último relatório de combate à fraude e evasão fiscal dizia – sem explicitar a relação com os territórios offshores – que a área de inspecção do fisco já tem vindo a dar “especial atenção a sociedades não residentes sem estabelecimento estável que operam em Portugal”.
A gestão de tesouraria
A grande maioria das operações efectuadas para a Suíça (87%, mais de 3000 milhões de euros) tem a ver transferências relativas à gestão de liquidez. Em causa podem estar, por exemplo, situações em que um grupo económico multinacional recorre a esse centro financeiro para fazer a gestão de tesouraria das suas subsidiárias em diferentes países. A gestão está concentrada no mesmo centro financeiro, havendo fluxos de transferências todos os dias de cada uma delas.
O fiscalista João Luís Araújo, advogado da Telles de Abreu na área do direito financeiro, associa a posição cimeira da Suíça no ranking português com o facto de o país ser reconhecido pelos seus serviços bancários e por continuar no topo dos maiores centros de depósitos do mundo, mesmo que hoje, note, “não exista qualquer tipo de vantagens no que toca ao segredo bancário”. A partir do próximo ano, ao abrigo dos mecanismos automáticos de troca de informação entre parceiros da OCDE, a Suíça fica obrigada a fazer chegar informação automática sobre os saldos bancários dos clientes estrangeiros com contas abertas nos mais de 250 bancos presentes no mercado helvético.
Olhando para todas as transferências efectuadas para as sete dezenas de paraísos fiscais – e sem ter em conta se o ordenante da transferência é ou não uma entidade residente no país –, os números da autoridade tributária mostram que as empresas são quem faz mais transferências: somam 8388 milhões de euros, representando 97% dos valores envolvidos. Já as operações ordenadas em nome individual envolveram apenas 275,9 milhões de euros.
Depois da Suíça, aparece Hong Kong como receptor de mil milhões de euros, seguindo-se o Panamá (684 milhões) e o Uruguai (662 milhões), jurisdição que embora já não pertença à “lista negra” do fisco é um destino em relação ao qual a AT continua a ter informação para fazer o controlo das transferências.