Livreiro Fernando Fernandes leiloa biblioteca e colecção de arte

Foi o fundador da galeria Divulgação e da livraria Leitura, e uma figura marcante da vida cultural do Porto na segunda metade do século XX.

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Fernando Fernandes Fernando Veludo/NFactos

Não será de ânimo leve que alguém se despede em vida da sua biblioteca e do seu acervo de arte. “Uma cuidada e escolhida biblioteca e uma pequena colecção de arte”, diz o anúncio e o catálogo do leilão que começa esta quarta-feira na Cooperativa Árvore, no Porto, e que vai prolongar-se até sábado, 4 de Novembro.

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Não será de ânimo leve que alguém se despede em vida da sua biblioteca e do seu acervo de arte. “Uma cuidada e escolhida biblioteca e uma pequena colecção de arte”, diz o anúncio e o catálogo do leilão que começa esta quarta-feira na Cooperativa Árvore, no Porto, e que vai prolongar-se até sábado, 4 de Novembro.

Trata-se da biblioteca de Fernando Fernandes, o livreiro que em 1958 fundou a galeria-livraria Divulgação, depois chamada Leitura, que durante quase meio século foi lugar de passagem obrigatória de quantos queriam comprar ou saber de um livro pela mão de quem soubesse da arte.

“A vida prega-nos estas partidas. É claro que há muitos livros e obras de arte que me custa vender, mas a necessidade obriga”, diz ao PÚBLICO Fernando Fernandes, que por razões de saúde se vê retido na sua casa no Porto desde há já vários anos. “Mas ainda fico com muitos livros para ler, que também darão para fazer mais dois leilões”, acrescenta o livreiro, reformado da sua Leitura desde 1999 e que sete anos depois a viu ser substituída pela loja Leitura Books & Living.

Chamaram-lhe “o poeta do livro”, “o Sr. Livro”, e Agustina escreveu mesmo tratar-se do “maior dos livreiros de Portugal” – depoimentos registados numa publicação de 1999, quando a Câmara Municipal do Porto lhe atribuiu a Medalha de Oiro da Cidade, depois da condecoração com a Ordem de Mérito pelo Presidente da República Jorge Sampaio.

O catálogo que agora acompanha o leilão, com um texto de Albano Martins e grafismo de Armando Alves, é um novo momento de homenagem a Fernando Fernandes, já que a listagem das 628 publicações e 126 obras de arte de 66 artistas constitui um bem documentado roteiro da vida e da acção do livreiro desde que, em Junho de 1958, promoveu a exposição que inaugurou a galeria Divulgação. “O catálogo tem um desenho do Alvarez, e nessa exposição havia também obras do Amadeo [Souza-Cardoso], do Almada [Negreiros], do Eduardo Viana, do [Júlio] Resende, da Vieira da Silva…”, recorda o livreiro, confessando que ele está no lote das peças por que nutre maior afecto. E cita também, ainda da história da Divulgação, no ano a seguir, o catálogo da primeira exposição de Ângelo de Sousa, logo com uma parceria com Almada Negreiros numa mostra comissariada por José Pulido Valente. “Tem as assinaturas e o cartaz do Almada e do Ângelo”.

Ângelo de Sousa é, de resto, o artista mais representado no catálogo – tem mesmo a obra com o preço de licitação mais alto, 7.500 euros, para um óleo sobre tela s/data –, ao lado dos outros “três vintes” José Rodrigues, Jorge Pinheiro e Armando Alves.

Já do lado da literatura, no lote mais afectivo, Fernandes inclui também a edição da Comissão Regional do Porto Contra o Bloqueio e de Solidariedade com o Povo de Cuba, Che cada palavra tua é um homem de pé (1998), com texto de José Saramago e desenhos de Siza Vieira. “O filho mais velho do Che Guevara escreveu-me uma dedicatória, e foi uma edição que esgotou rapidamente”, diz o livreiro sobre esta que é a publicação com o preço de licitação mais alto: 1500 euros.

As cinco edições da antologia organizada por Eugénio de Andrade Daqui Houve Nome Portugal (editorial Inova), com dedicatórias, uma colecção de obras completas de Pablo Neruda e um busto do próprio Fernando Fernandes de autoria do escultor Hélder de Carvalho estão também entre as suas peças mais queridas. “Só lamento não ter podido contactar todos os meus amigos que me dedicaram livros e me ofereceram obras a explicar e a justificar o leilão, mas eles vão certamente compreender”, acredita o livreiro, também ciente – esperançoso? – de que várias dessas peças vão voltar para casa.