Peter Evans, agora em modo espaçoso e paciente
Nome obrigatório do jazz contemporâneo, Peter Evans traz pela primeira vez a Portugal o seu septeto, formação com que se apresenta por estes dias na Casa da Música e no Teatro Maria Matos.
Na primeira semana de Outubro, no The Stone, a sala de concertos de John Zorn em Nova Iorque, Peter Evans fez uma residência nos moldes habituais daquela casa e ocupou o palco várias noites consecutivas com projectos diferentes. Tocou a solo, em duo, em trio, em quarteto e em septeto, tocou ao lado de cúmplices habituais e de músicos novos com quem está a lançar novos projectos. “Foi como um corte transversal de toda a minha carreira numa só semana”, ri-se ao telefone com o PÚBLICO. E foi uma pequena amostra dos muitos caminhos por que a energia de um dos mais estimulantes músicos do jazz contemporâneo se dispersa em permanência, desde a abordagem exploratória que sempre segue a solo até à música mais estruturada que empreende com o septeto com que se apresenta estas segunda e terça-feira na Casa da Música, Porto, e no Teatro Maria Matos, Lisboa, respectivamente.
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Na primeira semana de Outubro, no The Stone, a sala de concertos de John Zorn em Nova Iorque, Peter Evans fez uma residência nos moldes habituais daquela casa e ocupou o palco várias noites consecutivas com projectos diferentes. Tocou a solo, em duo, em trio, em quarteto e em septeto, tocou ao lado de cúmplices habituais e de músicos novos com quem está a lançar novos projectos. “Foi como um corte transversal de toda a minha carreira numa só semana”, ri-se ao telefone com o PÚBLICO. E foi uma pequena amostra dos muitos caminhos por que a energia de um dos mais estimulantes músicos do jazz contemporâneo se dispersa em permanência, desde a abordagem exploratória que sempre segue a solo até à música mais estruturada que empreende com o septeto com que se apresenta estas segunda e terça-feira na Casa da Música, Porto, e no Teatro Maria Matos, Lisboa, respectivamente.
É difícil delimitar o raio de acção de um trompetista que fala em entrevista no mesmo andamento vertiginoso em que toca, como se a trompete fosse um veículo de alta velocidade que serpenteia por labirintos, nunca se detendo nem hesitando nos trajectos pouco óbvios que tantas vezes toma. Nem há necessidade de delimitar, na verdade, num músico que tem no constante questionamento e na procura incessante de novos pontos de escape duas das maiores forças. O septeto que agora traz a Portugal, diz, “é um grupo que se relaciona com o início”. Evoluiu a partir de um quarteto, a que se juntou Sam Pluta (electrónica) em 2010 e com o qual, já em quinteto, Evans gravou um dos seus álbuns-chave: Ghosts.
Na altura, propôs Ghosts a várias editoras respeitadas no meio, mas as respostas que obteve (propostas para lançar daí por dois anos ou alguma falta de abertura por motivos tão impensáveis quanto incluir um standard no alinhamento ou trabalhar com electrónica) levaram-no a criar a sua própria pequena estrutura, a More Is More Records, através da qual ainda hoje publica os álbuns em que é líder. Tão válidas quanto há sete anos, mantêm-se as duas questões fundamentais na sua decisão de se autoeditar: um lado prático, de poder controlar o processo e garantir que é mais célere e barato; um lado ideológico, que lhe garante lançar a música que quer partilhar com o mundo sem ter de se sintonizar com os humores de terceiros.
A revelação do espaço
O septeto com que Peter Evans desta vez se apresenta em Portugal está activo há um ano e é a concretização de um desejo que o trompetista vinha a alimentar – expandir o seu quinteto com o acrescento de uma violinista e um percussionista. “Estava à espera do momento perfeito”, diz, “até que percebi que esse momento não existe e achei que mais valia fazê-lo de imediato”.
Conservando uma estética semelhante à do álbum Destination: Void, gravado em quinteto em 2014, o díptico Action / Metampsychosis que está no centro do reportório do septeto desenvolve-se, no entanto, “de forma muito mais livre”. Se em Destination: Void o quinteto respondia a muito material escrito, o septeto fá-lo também mas assumindo uma linguagem quase orquestral, em que a partitura deixa, em muitos casos, de ser comum a todos os músicos. Ou seja, três músicos podem seguir uma determinada secção escrita enquanto outros dois lêem e interpretam uma outra peça e os restantes dois músicos têm liberdade para preencher a música como lhes aprouver.
A grande revelação para Peter Evans a partir do seu trabalho com esta formação tem sido a descoberta de “algo que é contra-intuitivo": "Quanto mais pessoas tocarem juntas, mais espaço existe na música – desde que saibam ouvir." “A música aqui é muito mais espaçosa e paciente, porque todos sentem que têm uma responsabilidade menor de aguentar o barco. Até mesmo eu, o que é óptimo. Não sinto que tenha de liderar muito a banda, tenho apenas de tocar.” Acresce que a regularidade de concertos do septeto ao longo do último ano garante que o grupo está cada vez mais confortável com esta música arisca e que esse espaço a que Evans se refere é usado com um crescente factor de risco.
Assumindo o papel crucial de Nova Iorque no seu percurso – “tem sido tudo para mim”, confessa, “não me parece que pudesse fazer aquilo que tenho feito se não estivesse lá” –, é na cidade norte-americana que Peter Evans vive o paradoxo de “partir para Nova Iorque para poder estar fora de Nova Iorque”. Quer isto dizer que é ali que estabelece todas as suas ligações musicais, com as quais viaja depois para partilhar a música com o resto do mundo. E foi a partir dessa vida de estrada que foi gravando os vários momentos que compõem as duas soberbas edições que deu à estampa em 2016: Lifeblood (solo) e Genesis (quinteto), no culminar de experiências levadas a cabo desde 2014. Por agora, é o septeto que lhe ocupa a atenção. Mas o mais certo é que o foco mude já amanhã.