O estado atual da União Europeia
Ainda bem que Junker – contrariando-se e a Mácron – abandonou a ideia da UE “a la carte”, propondo já outros caminhos. Já anteriormente havíamos considerado ser necessário seguir o único caminho capaz de salvar a UE: a solução federal.
As propostas de reforma da União Europeia (UE) vão-se sucedendo. Há povos europeus que continuam a não se sentir devidamente representados e defendidos (política, militar, económica e socialmente: que projeto de solidariedade?), a sofrer com as degenerescências democrático-sociais (resultantes de pactos de estabilidade e crescimento e de multilaterais de empréstimos-cobranças-austeridades, Brexit, crescimento de extremismos), numa UE onde ocorrem desvios antidemocráticos (dirigentes da Comissão a ultrapassarem as suas funções e da Alemanha a interferir na vida política interna de outros Estados, uns e ouros mesmo sobre opções básicas dos seus povos). Mácron propõe várias Europas numa mesma União. O Reino Unido já referendou a secessão. Na Escócia, Catalunha e noutras partes, os Poderes centrais tremem com pretensões independentistas e possíveis secessões, apenas historicamente suspensas. No caso de Espanha, desrespeita-se o direito internacional (o princípio da autodeterminação dos povos é afirmado no fim da primeira guerra mundial para apoiar pretensões independentistas dentro do império austro-húngaro e depois da 2ª Guerra Mundial é ampliado, estendido a favor dos povos coloniais) para justificar repressão digna de qualquer ditadura, mesmo contra a vontade de um Povo. Em nome de limitações baseadas numa interpretação de uma Constituição, que é o que está precisamente em causa, se a Catalunha já não quiser integrar o Espaço a que ela se reporta: a quebra de consensualidade convivencial de base não é uma questão jurídico-constitucional. Mas uma questão política: vontade de querer ou não reger-se por essa Constituição. Só um referendo livre permite substituir posturas de repressão ou guerra civil.
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As propostas de reforma da União Europeia (UE) vão-se sucedendo. Há povos europeus que continuam a não se sentir devidamente representados e defendidos (política, militar, económica e socialmente: que projeto de solidariedade?), a sofrer com as degenerescências democrático-sociais (resultantes de pactos de estabilidade e crescimento e de multilaterais de empréstimos-cobranças-austeridades, Brexit, crescimento de extremismos), numa UE onde ocorrem desvios antidemocráticos (dirigentes da Comissão a ultrapassarem as suas funções e da Alemanha a interferir na vida política interna de outros Estados, uns e ouros mesmo sobre opções básicas dos seus povos). Mácron propõe várias Europas numa mesma União. O Reino Unido já referendou a secessão. Na Escócia, Catalunha e noutras partes, os Poderes centrais tremem com pretensões independentistas e possíveis secessões, apenas historicamente suspensas. No caso de Espanha, desrespeita-se o direito internacional (o princípio da autodeterminação dos povos é afirmado no fim da primeira guerra mundial para apoiar pretensões independentistas dentro do império austro-húngaro e depois da 2ª Guerra Mundial é ampliado, estendido a favor dos povos coloniais) para justificar repressão digna de qualquer ditadura, mesmo contra a vontade de um Povo. Em nome de limitações baseadas numa interpretação de uma Constituição, que é o que está precisamente em causa, se a Catalunha já não quiser integrar o Espaço a que ela se reporta: a quebra de consensualidade convivencial de base não é uma questão jurídico-constitucional. Mas uma questão política: vontade de querer ou não reger-se por essa Constituição. Só um referendo livre permite substituir posturas de repressão ou guerra civil.
Até agora todos os sonhos federalistas fracassaram. O último esforço voltou a fracassar: o projeto Valéry Giscard d'Estaing de Constituição Europeia, assinada em Roma a 29.10.2005.
Chegou a hora de efetivar uma reconfiguração dos atuais Tratados. De imediato, a correção das mais crassas anomalias institucionais e relacionais (UE e Zona Euro). Pôr fim ao atual modelo de Conselho de Ministros, com viajantes de duplo assento (nacional e unionista) e votações desiguais. E alterar os Estatutos do BCE e o Mecanismo de Estabilidade da União Europeia (para apoiar adequadamente nas crises financeiras sem necessidade do FMI) e com medidas reequilibradoras (também para os Estados comercialmente excedentários) face a balanças sistemicamente distorcidas. Só depois, se devem efetivar reconfigurações “definitivas” orgânico-“competenciais”, sobre a futura Constituição Federal Europeia, a sufragar devida e diretamente pelos cidadãos europeus, garantindo um modelo de federalismo cooperativo e solidário.
O tema do federalismo é constante na história europeia, saudosa da pax romana. Desde meados do século XX, volta a irromper de novo para garantir a “paz perpétua”. Para ultrapassar as experiências dos fracassos sucessivos de anteriores soluções impositivas de domínios pela guerra (Napoleão, Hitler), sobre as ruinas da ineficaz Sociedade das Nações e soft impulso churchilliano (1949, Conselho da Europa).
Em 27.5.1952, tenta-se sem êxito um acordo unificador anti-bélico europeu (Plano Pleven, Tratado da CED, para coordenar as forças armadas europeias; decisivo passo para a Federação).E isto, apesar de então não existirem receios de qualquer hegemonia estadual por nenhum Estado euro-ocidental agigantado e passível de dominar o projeto (só a reunificação alemã pós-URSS permitiria hoje tais pretensões).
O primeiro subscritor deste texto foi, na década de 80, deputado europeu e Presidente do Intergrupo Federalista Europeu (com sede em Bruxelas, de que fora membro Altieri Spinelli, que morrera no ano anterior), proferindo em 25.3.1987 nas Cerimónias oficiais de Comemoração dos 30 anos da criação da CEE no Parlamento Italiano, um discurso sobre a urgência de os pequenos e médios Estados defenderem o avanço rápido para um modelo pró-federal, ciente da excessiva representatividade dos governos dos Estados grandes e médios, no Conselho de Ministros (em desrespeito da igual soberania de todos os Estados, independentemente da população e dimensão territorial-poder económico; para tal há o PE), e face ao acelerar do AUE-mercado único e às ascendentes posições, pressões e influência da gestão thatcheriana (conferência de Bruges: “turning points” de 20.9.1988), pronúncio de deriva pró-liberalizadora e desreguladora da economia, em desvio ôntico da natureza do sonho supranacional).Mas hoje, esta derrapagem descaracterizadora já não é mero receio. Aconteceu, deslizantemente.
A UE sofre de insuficiências e disfuncionalidades em vários vetores, implicando uma crise existencial, vivendo em gestões de crises e evoluções longe do projeto de uma Europa de valores e de solidariedades. Falta o devido equilíbrio de poderes e políticas para uma inultrapassável integração política que possa propiciar o enriquecimento para todos e a Justiça social e falta poder na cena internacional para impor uma regulação minimamente aceitável da globalização que não destrua os nossos níveis de vida nem o Estado Social, sem o que se destruirá o sonho pacificador e isodesenvolvimentista de uma federação europeia.Urge o regresso à defesa de um modelo federal adaptado a espaços pluriculturais-plurilinguísticos e políticos historicamente ciosos das suas soberanias, com um único quadro institucional coerente e eficaz: um Conselho Presidencial (políticas gerais), um Parlamento bicamaral, com Câmara de Deputados e Conselho dos Estados (esta câmara alta ou senado representando diretamente e igualitariamente cada povo dos Estados soberanos),um Governo-Administração e um Poder Judicial Europeu com real entrosamento com as jurisdições nacionais.
Ainda bem que Junker – contrariando-se e a Mácron – abandonou a ideia da UE “a la carte”, propondo já outros caminhos. Já anteriormente, no “Publico”, havíamos considerado ser necessário seguir o único caminho capaz de salvar a UE: a solução federal.
Este texto integra uma série de artigos sobre federalismo que o PÚBLICO publica mensalmente
Os autores escrevem segundo as normas do novo Acordo Ortográfico