O que atrai os portugueses para a República da Irlanda?

Há quase dez anos que não se registavam tantas entradas de portugueses na República da Irlanda. Um mercado laboral mais apetecível e com mais oportunidades são apenas algumas das razões apontadas pelos portugueses com quem o P3 falou

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Shanballymore, Cork, República da Irlanda: onde vivem “pouco mais de 300 pessoas”, há espaço para uma portuguesa. Depois de uma vida sem pouso certo e paragens em diferentes latitudes, Isabella Pires fixou-se na Irlanda há 17 anos. Disse adeus aos Emirados Árabes Unidos (EAU) — última paragem antes de terras irlandesas — e nunca mais olhou para trás. A primeira paragem foi em Cork e, mais tarde, nesta pequena aldeia no Sul da Irlanda.

“Quando ouvia falar português ficava excitada porque não acontecia muito”, recorda a portuguesa. Os portugueses raramente colocaram a Irlanda no topo dos destinos para emigrar e Isabella fê-lo numa altura em que a comunidade lusa ainda estava a crescer. Mas há sinais de mudança. Dados recolhidos pelo Observatório de Emigração junto do Eurostat, relativos ao ano de 2015, revelam que 426 portugueses entraram na Irlanda naquele ano, o que equivale a um incremento na ordem dos 38%. Reverte-se assim uma tendência de abrandamento, deixando o ano de 2015 junto dos anos pré-crise, no que toca ao número de entradas — o valor mais alto ocorreu em 2006, com 475, e só em 2015 se registaram novamente valores acima dos 400.

Uma crise que chegou, passou e não fez Isabella partir. “Este país deu-me tudo”, explica. Conheceu o marido inglês em Portugal ainda no século passado e logo começaram a procurar trabalho. “Foi um período difícil. Fomos para os Emirados Árabes Unidos. Eu era muito nova, tinha 20 e poucos anos e pouco dinheiro. Víamos que a situação na Irlanda estava boa. Até que, em 2000, fomos. Ele primeiro, depois eu.”

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Inês Santos, 28 anos, está em Dublin há cerca de dez meses

Isabella trabalha como freelancer e tradutora para o consulado espanhol em hospitais, tribunais ou escolas. Agora atravessa um período mais estável, mas sublinha que a mudança nunca será um problema. “Naquele período de crise mais agravado, cheguei a pedir documentos para ir para o Canadá. A nível económico ficou tudo muito complicado. Foi um choque, demorou muito tempo a passar. Quando pensas muito positivo, vês sempre a luz ao fundo do túnel, mas nessa ocasião foi complicado.”

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Uma experiência cultural fantástica. Isabella Pires convidou e a Tuna de Medicina do Porto deu música a Shanballymore

Mais jovens a aterrar na Irlanda

Turbulências à parte, o que atraiu Isabella para a Irlanda há 17 anos é o mesmo que atrai jovens como André Silva e Inês Santos, que chegaram ao país mais recentemente. Quem vai, fá-lo na expectativa de melhores condições e pelas valências de um mercado de trabalho diferente do português. Inês não foi excepção. Há pouco menos de um ano, estava empregada em Lisboa, de onde é natural, mas “procurava um desafio diferente”. Trabalhou na Web Summit, que teve lugar entre os dias 8 e 10 de Novembro de 2016, na capital. Deu-se bem e, um par de meses depois, já estava em Dublin a trabalhar a partir do quartel general da empresa, como speaker production manager.

A cidade colecciona sedes europeias de gigantes tecnológicos, com o Facebook, o Twitter ou a Google à cabeça. A presença dos gigantes tecnológicos e os piores anos da crise aparentemente ultrapassados acabam por ser bastante atractivos para muitos recém-licenciados. Quando disse adeus a Portugal no início de 2017, Inês não partiu para o desconhecido. Já ia com uma proposta de trabalho em mãos e os primeiros meses de adaptação não foram tão stressantes como seriam se fosse “às cegas”.

“Uma das coisas que algumas empresas na área em que trabalho costumam fazer é arranjar alojamento durante o primeiro mês para que a pessoa não aterre de pára-quedas e se consiga orientar nos primeiros tempos”, conta a lisboeta de 28 anos. É que uma renda na capital irlandesa pode oscilar entre os 1000 e os 1500 euros.

Pacatez irlandesa

Rendas e habitação podem ser pedras no sapato para quem tenciona mudar-se para o país — e para Dublin em particular. É pelo menos esta a opinião de André Silva, enfermeiro, que chegou ao país há um ano. Neste momento, mora com a noiva e um amigo português que, curiosamente, conheceu no elevador. “Surgiu por acaso, até vivíamos em frente ao outro”, recorda. E não foi o primeiro português que encontrou nas mesmas circunstâncias.

Algo que até pode acontecer mais vezes. No entender do jovem ovarense, o Brexit fez com que muitos enfermeiros e jovens de outras áreas mudassem de rota, riscassem o Reino Unido do topo da lista de países e olhassem para o país da outra margem do Mar da Irlanda com outros olhos. A opinião é partilhada pela Secção Consular da Embaixada portuguesa, segundo a qual a saída do Reino Unido da União Europeia pode, “eventualmente”, levar mais portugueses para a Irlanda.

Mas o país guarda mais cartas na manga para atrair quem quer preparar um futuro além-fronteiras. Como conta ao P3 a Embaixada Portuguesa em Dublin, via email, “o interesse pela emigração para a Irlanda reside essencialmente no facto de os salários serem mais altos do que em Portugal”. A Irlanda, prossegue, “é um país pacato, a sua população é extremamente afável (semelhante à nossa) e riscos de ataques terroristas, apesar de nunca poderem ser afastados, são de perigo reduzido”. A 31 de Dezembro de 2016, 5602 portugueses estavam inscritos na Secção Consular. No entanto, podem ser mais ou menos, já que os portugueses apenas entram em contacto com o consulado quando precisam de um documento.

André chegou à Irlanda em 2016, poucos dias depois de terminar o curso na Escola Superior de Enfermagem do Porto. O país anglófono é apenas um dos destinos que os muitos milhares de enfermeiros que saíram de Portugal adoptaram. Encontrou outras condições, infra-estruturas e espaços mais bem preparados, mais dotados de tecnologia, mas avisa quem acode a terras irlandesas à procura de um eldorado: o país também tem os seus senões. A imagem de que encontrar emprego no país é fácil não é, na opinião do ovarense, totalmente verdadeira. “É muito competitivo.”

Já passou por um hospital privado, um lar e agora presta serviços temporários, bastante satisfeito com o que faz. Pode escolher os turnos e o hospital onde quer trabalhar em cada semana. Olha com desconfiança para a “aparente facilidade” que costuma ser publicitada em encontrar emprego em enfermagem. A criação de um plano, por parte do Governo irlandês, para levar para casa enfermeiros irlandeses emigrados, e a situação do Reino Unido, acredita, podem dificultar a entrada de portugueses no mercado de trabalho. Neste momento, segundo dados do Eurostat, a taxa de desemprego estabilizou e situa-se nos 6,1%, depois de ter atingido valores a rondar os 15%.

Um espectáculo para irlandês ver

O mercado de trabalho tem sido simpático para Inês Santos. Uma das coisas que a portuguesa destaca é o tempo que tem para pensar e encontrar soluções. Não há pressão para “produzir, produzir”. No fundo, sente que o ambiente laboral e as interacções no dia-a-dia são mais casuais.

Também ajuda ter encontrado um “povo hospitaleiro” nos dez meses que já leva de Irlanda. Ainda em “fase de adaptação” a outra realidade, onde o clima ainda é um inimigo e o Sol “aparece poucas vezes”, adianta que não teve problemas nem com as pessoas nem, tirando algumas excepções, com o sotaque “mais fechado” dos irlandeses.

Com muitos anos de Irlanda, Isabella já nem dá por isso. Está em constante movimento e mantém-se ocupada. Junta ao trabalho no Consulado a gestão de um centro comunitário e a família. Tem quatro filhos, três deles nascidos naquele país, com nomes que se adaptam bem às duas línguas mais presentes na vida de Isabella: George, Sarah e Thomas.

A língua e Portugal vão aparecendo, a espaços, na vida da emigrante. Em Agosto de 2016, a pequena aldeia no condado de Cork teve um serão diferente. Um post no grupo de Facebook “Portugueses na Irlanda” foi o suficiente para criar uma ponte e levar música portuguesa a quem, provavelmente, nunca a tinha ouvido. “Temos aqui na aldeia um centro comunitário com muitas dívidas. Eu reparei nisso, aproveitei um post de um rapaz no Facebook e, depois de conversarmos, pensei em trazer uma tuna aqui para um espectáculo.” E assim foi. Pouco tempo depois da mensagem, a Tuna de Medicina da Universidade do Porto visitou Shanballymore. “Foi uma experiência cultural fantástica”, recorda. Alguns membros da tuna ficaram em casas da aldeia, “algo óptimo para cimentar relações”.

O que é certo é que Portugal também não fica longe. Como lembra Inês, o país não recebe só os gigantes tecnológicos. Quando falamos da Irlanda, falamos também do país da Ryanair. “Há tantas rotas desde a Irlanda que ir a Portugal não podia ser mais fácil.”