O Verão no Outono não é invulgar, mas tanto assim?
Mais do que dias quentes em Outubro, o que torna a situação invulgar este ano é serem tantos dias seguidos com temperaturas acima da média. No início do mês registou-se uma onda de calor e agora poderemos estar a passar por outra
Um Outono (e mesmo um Outubro) quente não é uma situação invulgar, segundo os registos do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). Ainda assim, a maioria das pessoas andará a pensar que “isto não é normal”. Têm razão. Mas, mais do que termos dias muito quentes este mês, o que será mesmo “anormal” é a duração deste calor, ou seja, o número de dias consecutivos de picos ou onda de calor.
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Um Outono (e mesmo um Outubro) quente não é uma situação invulgar, segundo os registos do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). Ainda assim, a maioria das pessoas andará a pensar que “isto não é normal”. Têm razão. Mas, mais do que termos dias muito quentes este mês, o que será mesmo “anormal” é a duração deste calor, ou seja, o número de dias consecutivos de picos ou onda de calor.
Provavelmente, não se lembra que nos últimos dias de Outubro do ano passado também se registou uma onda de calor em Portugal. É mesmo possível que alguns já nem se lembrem da onda de calor no início deste mês. “Temos uma memória curta nestas coisas”, constata Vanda Pires, da Divisão de Clima e Alterações Climáticas do IPMA. Fazendo a inevitável salvaguarda, a especialista começa por sublinhar ao PÚBLICO que “o que é mais atípico neste momento é a situação de seca que estamos a viver, porque normalmente nesta altura do ano há ocorrência de precipitação”. Sobre o calor, diz, há vários exemplos de Outonos que parecem Verões. Num desafio à nossa memória, Vanda Pires aproveita para recomendar, por exemplo, a consulta do boletim meteorológico de 2014, onde se lê: “O Outono 2014 (Setembro, Outubro e Novembro) em Portugal Continental foi o segundo mais quente e mais chuvoso desde 2000.” Este ano, já sabemos, falta a chuva.
A memória da população em geral pode ser curta, registando apenas fenómenos extremos e com consequências fatais como a onda de calor no Verão de 2003 que matou milhares de pessoas na Europa e cerca de duas mil só em Portugal. Por isso, quando estamos (literalmente) no calor da situação ela pode parecer pior do que é. Então, vamos a factos, centrando a análise sobretudo (mas não só) em Portugal e nos meses recentes de Setembro e Outubro.
O resumo climatológico de Setembro feito pelo IPMA aponta este mês como “o mais seco dos últimos 87 anos”. Quanto às temperaturas, “o valor médio da temperatura média, 19,95 graus Celsius foi 0,27 graus inferior ao valor normal”. Até aqui tudo bem. Em Setembro, o destaque deve ser dado aos extremos: não só a média da temperatura máxima foi superior ao normal (registando 27,49 graus, o que é um 1,20 graus acima do normal), como a média da mínima também foi inferior ao normal (registou-se 12,24 graus, sendo 1,74 graus abaixo do valor normal). Aliás, sobre a média das temperaturas mínimas em Setembro o IPMA realça que foi o quinto valor mais baixo desde 1931.
Ainda sobre Setembro desde ano, o relatório global do clima da agência norte-americana para os oceanos e atmosfera (NOOA) destaca, de facto, a situação de Portugal, mas apenas no capítulo da precipitação, onde explica que esteve sujeito a temperaturas muito altas que exacerbaram a dura situação vivida com o mais seco dos últimos 87 anos no país. O relatório nota que o mês de Setembro foi o quarto mais quente desde 1880 no planeta, com 0,78 graus acima da média de 15 graus do século XX. Os três primeiros lugares neste pódio pertencem a anos recentes, 2015, 2016 e 2014. Os autores do relatório sublinham ainda que “os dez Setembros mais quentes ocorreram durante o século XXI, especificamente desde 2003”. É claro que a Terra está a aquecer.
Se nos focarmos apenas na Europa, também não temos boas notícias. Um estudo divulgado esta semana na revista “Scientific Reports” mostra que o continente europeu está a separar-se e que o Sul está cada vez mais seco, numa evolução que confirma as projecções das alterações climáticas. “Esta é mais uma grande gota no balde das alterações climáticas”, refere o autor principal, James Stagge, da Universidade Estatal do Utah, num comunicado de imprensa sobre o estudo. “Houve muitas projecções, mas agora que estamos a começar a ver as projecções e as observações a alinharem-se, já não se trata de perguntar ‘está a acontecer’? Agora, é uma questão de ‘quanto’, e ‘o que vamos fazer?’”, avisa.
Em relação a Outubro, Vanda Pires refere que já foi analisada a onda de calor registada, entre os dias 1 e 15, e garante que é cedo para falar numa nova onda de calor neste mês. Para que esta seja declarada, é preciso que as temperaturas estejam acima da média (dos últimos 30 anos) durante, pelo menos, seis dias seguidos. Maria João Frada, meteorologista do IPMA, também faz questão de frisar que dias quentes pontuais no Outono são normais. “O invulgar é ser tantos dias seguidos.”
Com dias quentes, podemos ter as noites a nosso favor. “As noites já são muito grandes, o número de horas de sol já é muito menor, e as noites são mais frias do que eram na primeira quinzena de Outubro”, nota Maria João Frada, acrescentando que estes factores não trazem nenhum contributo para a seca mas poderão atenuar o elevado risco de incêndio.
E sobre o que o tempo nos reserva para os próximos dias? As previsões meteorológicas mais seguras só existem para o amanhã e pouco mais e, mesmo assim, podem falhar. Acresce que quando a pergunta é feita a um especialista a resposta nunca é simples. Mergulhamos nas influências de anticiclones que se sentem em crista, núcleos que bloqueiam pressões, ou depressões com ondulações frontais que progridem a determinadas latitudes, e outros fenómenos complexos. Mas, traduzindo, Maria João Frada adianta que, se tudo se confirmar, este domingo já poderá estar a chegar a Portugal uma massa de ar fria que vem do interior do continente europeu e que poderá baixar as temperaturas. Além disso, adianta, pode ainda começar a soprar um vento de Leste.
“Depois, pela informação que temos para cerca de dez dias, não há grandes variações”, acrescenta. Eventualmente, arrisca com muitas reservas, “as coisas podem mudar a partir de 1 de Novembro”. “Pode surgir nebulosidade. É um dos cenários possíveis porque há muita inconsistência”, antecipa a meteorologista, que remata com a má notícia: “A probabilidade de ocorrência de precipitação é muito baixinha.”
A esta altura, uma rápida consulta numa das muitas aplicações que é possível descarregar no telemóvel para saber o tempo diz-nos que as temperaturas vão continuar bem acima dos 20 graus nos próximos dias. Uma delas, a AccuWeather, anuncia que no dia 2 Lisboa terá um “aumento de nebulosidade” e que no Porto vai cair “um aguaceiro”. Se a previsão estiver correcta (e muitas vezes não está), resta concluir: não chega.