Prémio Sakharov dá alento a uma oposição que começa a dividir-se

Esquerda do Parlamento Europeu critica escolha e promete boicotar cerimónia de entrega. “A nossa responsabilidade é encontrar um caminho claro e seguir em frente”, disse um dos lideres oposicionistas

Foto
Morreram 130 pessoas no sprotestos anti-Governo este ano CARLOS GARCIA RAWLINS/Reuters

No momento mais crítico da existência da Mesa da Unidade Democrática (MUD), a coligação que agrega as dezenas de partidos que o regime chavista da Venezuela e corre risco de dissolução após uma pesada derrota nas eleições regionais de 15 de Outubro, o Parlamento Europeu veio dar um novo fôlego aos adversários do Presidente Nicolás Maduro com a atribuição do Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento 2017 à oposição democrática do país.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

No momento mais crítico da existência da Mesa da Unidade Democrática (MUD), a coligação que agrega as dezenas de partidos que o regime chavista da Venezuela e corre risco de dissolução após uma pesada derrota nas eleições regionais de 15 de Outubro, o Parlamento Europeu veio dar um novo fôlego aos adversários do Presidente Nicolás Maduro com a atribuição do Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento 2017 à oposição democrática do país.

O prémio, explicou Antonio Tajani, o presidente do Parlamento Europeu e uma das vozes mais críticas do regime de Caracas, é uma demonstração do “apoio inabalável” daquela instituição à “luta pela sua liberdade e pela transição pacífica para a democracia” assumida pelos dirigentes e apoiantes da oposição. E também uma reafirmação da legitimidade democrática da Assembleia Nacional, eleita em 2015 e esvaziada de funções pelo regime com a convocação de uma Assembleia Constituinte.

Mas o prémio “não reconhece apenas a luta corajosa da oposição democrática”, prosseguiu Tajani. “O Parlamento também deseja homenagear o povo venezuelano: todos os que foram presos por expressar a sua opinião, os que lutam para sobreviver diariamente por causa de um regime brutal, e as famílias que estão de luto porque perderam os seus entes queridos em meses de protestos ininterruptos pela liberdade”, acrescentou. Segundo o Foro Penal Venezuelano, 130 pessoas morreram em protestos anti-Governo violentamente reprimidos pela polícia, e mais de 500 opositores foram detidos arbitrariamente e muitos deles ainda se encontram na prisão.

Apupos

A intervenção de Tajani no hemiciclo de Estrasburgo foi repetidamente interrompida por aplausos, mas também por apupos que incomodaram o presidente do PE. A candidatura da oposição venezuelana, na figura do presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, e de presos políticos como Leopoldo López, Antonio Ledezma, Daniel Ceballos, Yon Goicoechea, Lorent Saleh, Alfredo Ramos e Andrea González, foi apresentada pelas bancadas do Partido Popular Europeu e do grupo liberal ALDE – que já em 2015 tinham proposto a sua atribuição à fileira anti-Maduro.

Muitos eurodeputados da bancada de esquerda discordaram da atribuição do prémio à oposição venezuelana, dizendo que a decisão teve contornos políticos. Ausente nas Honduras, onde se encontra a liderar a missão de observação eleitoral da UE, a eurodeputada bloquista Marisa Matias não participou na votação.

"A luta mais importante do mundo"

Numa primeira reacção ao prémio, Julio Borges agradeceu a distinção do Parlamento Europeu, que interpretou como um incentivo para restaurar a democracia no país e ainda um reconhecimento “da nossa luta pela liberdade de todo o povo venezuelano”. “A nossa é a luta mais importante que está a decorrer neste momento em todo o mundo”, considerou. “A nossa responsabilidade é encontrar um caminho claro e seguir em frente, ao lado da sociedade venezuelana”, sublinhou.

Nas entrelinhas das palavras de Borges pode ser encontrado um duplo sentido, que tem a ver com a turbulência interna da MUD, fracturada e desmoralizada com o resultado das eleições regionais - que foram ganhas pelo partido de Maduro, que elegeu 17 dos 23 governadores -, e o choque de personalidades entre os líderes dos maiores partidos da coligação.

Henrique Capriles, que disputou as presidenciais contra Nicolás Maduro e dirige o partido Primeiro Justiça, desvinculou-se da MUD em ruptura com Henry Ramos Allup, o secretário-geral da Acção Democrática, o partido que elegeu quatro dos cinco governadores da oposição no dia 15 de Outubro.

Capriles justificou a decisão com a recusa dos quatro eleitos da AD em manter o boicote à Assembleia Constituinte: furando a estratégia da oposição, tomaram posse perante os membros Mas nos bastidores a zanga explica-se de outra maneira, com que se julga ser uma batalha pelo protagonismo entre os dois líderes. Ramos Allup está interessado em assumir a candidatura da oposição às presidenciais de 2018 (Capriles foi declarado inelegível durante 15 anos pelo regime).

Esquerda boicota cerimónia

O Prémio Sakharov 2017 será entregue a 13 de Dezembro numa cerimónia em Estrasburgo que contará com o boicote da confederação Esquerda Unida no Parlamento Europeu , que integra o PCP e o Bloco de Esquerda e ainda o Die Linke alemão, o grego Syriza e o Sinn Fein irlandês.

Com um valor de 50 mil euros, o galardão é concedido a pessoas ou organizações que se destaquem na defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. 

Os outros finalistas da edição 2017 foram a activista Aura Lolita Chavez Ixcaquic, da Guatemala, e Dawit Isaak, um jornalista, escritor e dramaturgo com dupla nacionalidade sueca e eritreia. Ixcaquic é defensora dos direitos humanos e membro do Conselho dos Povos Ki’che, que luta pela protecção dos recursos naturais face à expansão dos sectores mineiro, madeireiro, hidroeléctrico e da agroindústria no seu país. Isaak foi detido na Eritreia em 2001, depois de ter publicado artigos a defender a abertura democrática daquele país africano. Visto pela última vez em 2005, continua na prisão sem julgamento.