Armadores preferem outras medidas para proteger stock de sardinha
Associações dizem que a ministra se precipitou ao anunciar zonas de interdição que podem prejudicar, principalmente, as pequenas embarcações.
A delimitação de uma ou duas áreas de interdição total de pesca da sardinha, em 2018, entre a Ericeira e Comporta, no Sul do país, e entre a Figueira da Foz e Aveiro, no Centro, é apenas uma das hipóteses para protecção deste recurso biológico que está a ser discutida entre o Governo, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera e as organizações do sector, que esta quarta-feira se mostraram surpreendidas com o anúncio da medida pela ministra do Mar, Ana Paula Vitorino.
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A delimitação de uma ou duas áreas de interdição total de pesca da sardinha, em 2018, entre a Ericeira e Comporta, no Sul do país, e entre a Figueira da Foz e Aveiro, no Centro, é apenas uma das hipóteses para protecção deste recurso biológico que está a ser discutida entre o Governo, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera e as organizações do sector, que esta quarta-feira se mostraram surpreendidas com o anúncio da medida pela ministra do Mar, Ana Paula Vitorino.
À margem da conferência O Valor dos Oceanos, na Gulbenkian, a ministra afirmou à agência Lusa que a pesca da sardinha será proibida em zonas das regiões Centro e Norte, por serem “áreas importantes para a reprodução da espécie”. Segundo aquela agência, Ana Paula Vitorino adiantou que estão a ser “mantidas conversas e reuniões de reflexão com as comunidades piscatórias para juntamente com o IPMA, já com informação científica, se poder delimitar áreas em que não haverá pesca de todo, porque são áreas importantes para a reprodução da espécie”.
Esta quinta-feira, no mesmo dia em que Portugal e Espanha começam a negociar as quotas de sardinha para 2018, as organizações do sector vão reunir-se em Lisboa, para discutir as várias medidas elencadas numa proposta colocada na semana passada à discussão na Comissão de Acompanhamento da Pesca da Sardinha, na qual estão representados. E os dirigentes de três organizações contactadas pelo PÚBLICO consideram que a ministra se precipitou, ao dar como certa uma interdição com a qual não concordam, pelos impactos que pode ter, principalmente, nas embarcações de menor dimensão, que frequentam as áreas em questão.
Ao todo estão licenciadas cerca de 150 embarcações para a pesca da sardinha, na costa portuguesa, e algumas dezenas delas têm menos de 12 metros de comprimento e trabalham até três ou quatro milhas da costa, com redes de menor dimensão. Segundo o documento em discussão na comissão, uma das propostas para aumentar a protecção dos juvenis da Sardina pilchardus passaria pelo “fecho das zonas principais” de recrutamento do stock, no segundo semestre do ano (ver mapa), até à linha batimétrica dos 50 metros de profundidade, defendendo, consideram os cientistas, o desenvolvimento dos juvenis.
Cobrindo áreas que vão da Foz do Mondego a Aveiro, no Norte, e as desembocaduras do Tejo e do Sado, mais a Sul, esta proibição afectaria várias comunidades, e quer Humberto Jorge, da Anopcerco, quer Agostinho da Mata, da Propeixe, lamentaram que esteja a dar como facto consumado uma medida deste tipo, quando o sector se tem mostrado disponível para levar a cabo outras iniciativas de preservação do stock desta espécie — cujo efectivo, notam, tem recuperado, ainda que lentamente, graças aos pescadores, que reduziram o esforço de pesca nos últimos anos.
O anúncio de Ana Paula Vitorino — que já foi chamada à Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar, para prestar esclarecimentos aos deputados — surgiu precisamente naquele que seria o último dia de pesca da sardinha este ano. Sendo que a frota já não estava a pescar à quarta-feira, para proteger o stock desta espécie, cuja dinâmica nos últimos anos leva Humberto Jorge a sugerir que seria muito mais eficaz, para os objectivos de protecção, apostar noutra medida apontada nas reuniões da comissão de acompanhamento: os fechos em tempo real, ou seja, interdições temporárias de captura em pesqueiros em que sejam detectados cardumes de juvenis.
Carlos Cruz, presidente da Apropesca, da Póvoa de Varzim, que tem entre os seus associados duas dezenas de embarcações mais pequenas, nota que este ano, entre os que trabalham na área entre a Figueira da Foz e Aveiro, foram feitas poucas descargas da sardinha T4 — conhecida como petinga —, o que o leva a pôr em causa os fundamentos, e a utilidade, da proposta que está em cima da mesa. “Isto vai matar o sector”, queixa-se, mostrando-se indisponível para aumentar o tamanho mínimo da sardinha descarregada, de 11 para 13cm, quando o mercado é inundado de peixe de menores dimensões de outras proveniências.
“Não faz sentido anunciar esta ou outra medida antes de Espanha e Portugal souberem quanto pescaremos em 2018”, critica Agostinho da Mata, cuja associação, sediada em Matosinhos, representa 32 embarcações do cerco. O dirigente não fecha a porta a outras formas de controlo do esforço de pesca elencadas no documento, como os responsáveis pelas outras associações contactadas pelo PÚBLICO, mas pede que seja tido em atenção a necessidade de garantir a sustentabilidade desta espécie mas também a sustentabilidade económica e social de um sector que não consegue viver das capturas de biqueirão, cavala ou carapau e cuja reconversão para outras artes acabaria por prejudicar a pesca artesanal, que enfrenta ela também problemas.
Humberto Jorge, que ontem esteve reunido com representantes de congéneres da Galiza e do Sul de Espanha, adiantou que as organizações do sector dos dois países estão disponíveis para alargar de dois para quatro meses no ano o período de paragem simultânea da pesca nas suas águas. Nas quais, curiosamente, este ano houve uma distribuição homogénea do stock, assinala, o que permitiu que, em Portugal, a quota fosse alcançada em cinco meses e meio. "Este esforço já tem sido benéfico, a biomassa tem vindo a aumentar, embora não tanto quanto o desejável. Mas se isso aconteceu foi graças aos pescadores”, insiste o dirigente da Anopcerco.