Julián Fuks venceu o Prémio José Saramago com o seu exílio herdado — e com o seu irmão adoptivo
O escritor brasileiro, filho de pais argentinos, foi distinguido pelo romance A Resistência, editado em 2016 pela Companhia das Letras.
O autor brasileiro, filho de pais argentinos, Julián Fuks (São Paulo, 1981) recebeu esta quarta-feira o Prémio Literário José Saramago 2017, atribuído pela Fundação Círculo de Leitores, no valor de 25 mil euros. O júri, composto pela poetisa angolana Ana Paula Tavares, o escritor António Mega Ferreira, os professores Manuel Frias Martins e Paula Cristina Costa, a investigadora Nazaré Gomes dos Santos, a escritora brasileira Nelida Piñon, e a presidente da Fundação Saramago, Pilar del Río, distinguiu o romance A Resistência, publicado em Portugal em 2016 pela Companhia das Letras. Nas palavras de agradecimento do prémio, Fuks lembrou que José Saramago, que o “fez rir e chorar”, foi um expoente da escrita como uma forma de resistência, e isto depois de lembrar que o romance, que conta a história de um seu irmão adoptado, é “um livro muito íntimo, muito pessoal”, mas que as manifestações do íntimo “se podem tornar manifestações do colectivo”. O ministro da cultura, Luís Filipe de Castro Mendes, que também esteve presente na cerimónia, destacou “a escrita de grande tensão e rigor” do livro de Julián Fuks, que, confessou, leu há cerca de um ano.
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O autor brasileiro, filho de pais argentinos, Julián Fuks (São Paulo, 1981) recebeu esta quarta-feira o Prémio Literário José Saramago 2017, atribuído pela Fundação Círculo de Leitores, no valor de 25 mil euros. O júri, composto pela poetisa angolana Ana Paula Tavares, o escritor António Mega Ferreira, os professores Manuel Frias Martins e Paula Cristina Costa, a investigadora Nazaré Gomes dos Santos, a escritora brasileira Nelida Piñon, e a presidente da Fundação Saramago, Pilar del Río, distinguiu o romance A Resistência, publicado em Portugal em 2016 pela Companhia das Letras. Nas palavras de agradecimento do prémio, Fuks lembrou que José Saramago, que o “fez rir e chorar”, foi um expoente da escrita como uma forma de resistência, e isto depois de lembrar que o romance, que conta a história de um seu irmão adoptado, é “um livro muito íntimo, muito pessoal”, mas que as manifestações do íntimo “se podem tornar manifestações do colectivo”. O ministro da cultura, Luís Filipe de Castro Mendes, que também esteve presente na cerimónia, destacou “a escrita de grande tensão e rigor” do livro de Julián Fuks, que, confessou, leu há cerca de um ano.
As décadas de 70 e 80 do século passado ficaram marcadas na Argentina pela ditadura militar que, entre vários horrores, procedeu à adopção forçada de crianças tiradas aos pais detidos pelo regime, crianças que mais tarde acabaram órfãs desses desaparecidos. Um casal de psiquiatras foge entretanto para o Brasil por motivos políticos, e leva consigo um bebé misteriosamente adoptado. É a partir deste movimento de exílio que Julián Fuks constrói a sua narrativa, reconstruindo ao mesmo tempo a história íntima de uma família, a sua, e a de um país, o dos seus pais. “Literatura e exílio são, creio, duas faces da mesma moeda”, escreveu Roberto Bolaño.
O bebé levado da Argentina para o Brasil é o irmão de Julián, Emi, a quem A Resistência é dedicado. Ao recuperar esta narrativa de um “exílio herdado” como se herda uma propriedade de família, Fuks resiste ao esquecimento, aos silêncios familiares e aos silêncios da História, recuperando ou criando memórias de lugares que serão sempre de exílio, ora para uns ora para outros, os lugares de saída e os lugares onde foram recebidos. A propósito deste movimento de resistência na escrita, disse Ana Paula Tavares na sua declaração de jurada: “Escrever é aqui um acto de resistência, uma procura constante entre narrar e a precisão de recorrer às fontes (falas e silêncios da mãe, do pai, dos irmãos) de um passado vivido e outro que pode ser ficcionado a partir de uma observação directa que torna o romance esse território híbrido da experimentação e contaminação dos géneros.”
Embora A Resistência possa ser classificado como um romance de autoficção, Fuks opõe-se à devassa do íntimo, ao indiscreto, quase mesmo ao invasivo da vida da sua família. A autoficção serve-lhe antes como construtora de um futuro, um modo de resistir ao esquecimento do passado do outro, e por isso também ao do seu. Para sublinhar melhor a distância relativamente ao confessional, ou a uma forma simples de exibicionismo, cria a personagem do narrador, Sebastián, o filho mais novo do casal, um “narrador não-confiável” que lhe permite evadir-se da realidade e entrar na ficção. Mas é a memória que emerge sempre como motor de busca de um entendimento do presente, uma memória onde se cruzam vários planos narrativos, do Brasil às Mães da Praça de Maio, em Buenos Aires, as que ainda procuram os seus filhos e netos. A resistência que titula o romance é também, e ainda, esse movimento de resistir ao fácil, ao tom de dramatismo lamechas, em que Fuks nunca cai nesta sua tentativa conseguida de pôr a par a memória individual e a colectiva, dando também a este romance uma dimensão abertamente política.
A Resistência, para além do seu registo de autoficção, é igualmente um exercício de metaliteratura, ao mostrar as costuras e as hesitações dos movimentos narrativos, como se Fuks não quisesse esconder nada do leitor, apenas quisesse suspender acontecimentos para não o empurrar para o abismo. “O parto não posso inventar, do parto nada se sabe. Pondero agora, passadas tantas páginas, que deveria ter sido fiel ao impulso de suprimir aqueles pobres cenários imaginários […]. Não foi assim, não foi narrável, o nascimento do meu irmão.”
Filho de psicanalistas, Fuks parece ter aprendido que a resistência é um lugar de recusas e de aceitações várias, e que essas, quando orientadas, podem levar à escrita, a esta escrita madura e depurada em registo íntimo.
Com A Resistência, Julián Fuks venceu também, em 2016, o Prémio Jabuti, no Brasil, e viu-se colocado em segundo lugar no Prémio Oceanos de Literatura em Língua Portuguesa. Torna-se agora o terceiro escritor brasileiro a vencer o Prémio José Saramago, depois de Adriana Lisboa (com Sinfonia em Branco, em 2003) e de Andréa del Fuego (com Os Malaquias, em 2011). O último galardoado, em 2015, foi o português Bruno Vieira Amaral, com As Primeiras Coisas.
O Prémio Literário José Saramago tem periodicidade bienal, o valor pecuniário de 25 mil euros, e “distingue uma obra literária no domínio da ficção, romance ou novela, escrita em língua portuguesa, por um escritor com idade não superior a 35 anos, cuja primeira edição tenha sido publicada em qualquer país da lusofonia, excluindo obras póstumas”, diz o regulamento.