Xi e a estratégia do centenário
A modernização da economia e das forças armadas são inseparáveis do programa de expansão internacional da China.
No final do XIX Congresso do Partido Comunista da China (PCC), Xi Jinping está no auge da sua carreira: é Presidente da República Popular da China, Secretário-Geral do PCC e presidente da sua Comissão Militar Central — Chefe de Estado e do Partido e Comandante-Chefe do Exército Popular de Libertação (EPL).
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No final do XIX Congresso do Partido Comunista da China (PCC), Xi Jinping está no auge da sua carreira: é Presidente da República Popular da China, Secretário-Geral do PCC e presidente da sua Comissão Militar Central — Chefe de Estado e do Partido e Comandante-Chefe do Exército Popular de Libertação (EPL).
Os mais entusiastas querem comparar Xi a Deng Xiaoping — o responsável pela reforma do regime comunista e pelo massacre de Tiananmen — ou mesmo a Mao Tsetung — o fundador da nova China e responsável pelo terror da Revolução Cultural. O “culto da personalidade” regressou à politica chinesa com a tomada do poder de Xi em 2012.
Sabe-se pouco sobre Xi e a política interna, concentrada na Comissão Permanente do PCC. Xi manteve a separação entre o Presidente e o primeiro-ministro, mas demonstrou rapidamente quem era o principal dirigente. Depois da prisão de Bo Xilai, o seu principal rival, nos últimos cinco anos a depuração da velha guarda puniu, em nome do combate contra a corrupção, mais de 250 mil quadros, incluindo membros do Bureau Político. O reconhecimento do “Pensamento de Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas na nova era” serve para confirmar a preeminência do Secretário-Geral.
Sabe-se um pouco mais sobre a linha geral de Xi, que quer consolidar o regime comunista e evitar que a modernização ou a “normalização” precipitem a sua queda, como na União Soviética. Nesse sentido, Xi não tem dúvidas em defender a identidade marxista do PCC — os duzentos anos do nascimento de Marx são comemorados em Pequim no próximo ano com um Congresso Marxista Mundial — e em impor a coesão ideológica às elites, nomeadamente às elites militares: as forças armadas chinesas continuam formalmente — “absolutamente”, segundo os novos Estatutos — subordinadas ao PCC. A rejeição liminar do modelo e dos valores da democracia pluralista completam a viragem realizada por Xi no seu primeiro mandato como Secretário-Geral, marcado por uma ressurgência nacionalista anti-ocidental.
A legitimação comunista combina a performance económica e o desenvolvimento social com a projecção internacional da China. O regime conseguiu garantir a generalização dos benefícios do Estado social e um crescimento anual do produto bruto acima dos sete por cento, ao mesmo tempo que começou a desenvolver uma economia do conhecimento competitiva em dominios críticos. A China passou a ser um exportador de capitais, que concentra os seus investimentos nos Estados Unidos e na União Europeia.
Xi não hesitou em afirmar a posição internacional da China, que é simultaneamente um parceiro responsável na ordem internacional e uma potência revisionista. Pequim quer sublinhar a sua disponibilidade para integrar a ordem multilateral nas missões de manutenção da paz das Nações Unidas, mas nem por isso deixa de exercer uma pressão estratégica e militar sobre o Japão, a Índia e os vizinhos nos mares do Sul da China, onde redefiniu o espaço da sua soberania para criar instalações militares nos recifes que dominam as linhas de comunicação marítimas da Ásia do Nordeste. Xi está em Davos para proclamar a defesa da globalização depois da eleição de Trump e em Moscovo para confirmar a parceria estratégica com a Rússia depois da anexação da Crimeia.
A modernização da economia e das forças armadas são inseparáveis do programa de expansão internacional da China. Xi confirmou o projecto de Deng, implicito na fórmula que prolongava o regime especial para Macau e Hong Kong — “um país, dois sistemas” — até 2049. Essa data marca os cem anos da reunificação da China continental e da fundação da República Popular, que Mao celebrou, no dia 1 de Outubro de 1949, com uma frase: a China ergeu-se de novo. O seu último sucessor quer que a China se imponha como a principal potência global na comemoração do seu primeiro centenário.
Essa revolução diplomática é possível ? Nada menos certo. Mas, entre o "Brexit" e Trump, já quase nada se pode excluir.