Uma lição de ciência e de vida: não perguntem só “quando sabem a resposta”
No Palácio de Belém, o Presidente da República sentou-se no meio dos alunos de 16 anos a ouvir Sobrinho Simões. O mote era a sustentabilidade do planeta, mas falou-se de tudo. De genes a literatura.
Os adolescentes de 16 anos têm à frente Manuel Sobrinho Simões, um reputado patologista que não se importa de admitir que também faz perguntas “estúpidas”. Então, quando são em inglês, sabe logo que está a meter a pata na poça quando o interlocutor lhe devolve a dúvida em forma de interrogação: “Do you mind to repeat it?” Mais novos e mais velhos riem-se do à-vontade com que o cientista fala, da forma como desengravata a ciência, como exemplifica que até o Presidente da República já foi um ovo. Marcelo Rebelo de Sousa confirma.
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Os adolescentes de 16 anos têm à frente Manuel Sobrinho Simões, um reputado patologista que não se importa de admitir que também faz perguntas “estúpidas”. Então, quando são em inglês, sabe logo que está a meter a pata na poça quando o interlocutor lhe devolve a dúvida em forma de interrogação: “Do you mind to repeat it?” Mais novos e mais velhos riem-se do à-vontade com que o cientista fala, da forma como desengravata a ciência, como exemplifica que até o Presidente da República já foi um ovo. Marcelo Rebelo de Sousa confirma.
O investigador pincela tudo com gracejos, tira a bata às palavras difíceis da ciência, e tem resultados: alguns jovens começam a fazer perguntas – e bastante elaboradas –, que originam conversas de pequenos para grandes cientistas. Esta é uma das lições que Sobrinho Simões quer deixar aos alunos do Colégio Moderno (de Lisboa) que o ouvem, na manhã desta terça-feira, numa das salas do Palácio de Belém: quer que os mais novos perguntem tudo, sem medos nem vergonhas. Quer dizer-lhes que na ciência, como na vida, não devem fazer questões só “quando sabem a resposta”. “Têm de treinar a pergunta”, insiste.
Quando os adolescentes das duas turmas que ali passam a manhã começam a pôr o dedo no ar, Sobrinho Simões mostra-se empolgadíssimo, diz que são interrogações “fora de série”. Responde a algumas, às vezes imagina a resposta de outras – isto é, traça cenários e hipóteses com os jovens que tem à frente. Imaginar, aliás, é algo que define a espécie humana (esta é outra das conclusões a que se vai chegar na aula que pretende ser uma conversa). Mais: da boca do cientista até se vai ouvir dizer que, se querem aprender como são as pessoas e a vida, os jovens devem ler é literatura, e nunca se ficarem só por livros de ciência ou de biologia.
Depois dos “Escritores no Palácio de Belém”, esta é a primeira sessão do programa “Cientistas no Palácio de Belém”, uma iniciativa da Presidência da República que acontece até meio de Dezembro e pretende juntar, uma vez por semana, cientistas e alunos do ensino secundário, de escolas públicas e privadas. Participam cientistas de diversas áreas, tais como António Damásio, Luísa Schmidt, Elvira Fortunato, Carlota Simões, Maria Manuel Mota, Pedro Magalhães, Alexandre Quintanilha. O tema é “o papel da ciência na sustentabilidade do planeta”.
Os incêndios e a casa comum
Marcelo Rebelo de Sousa entra na sala e dirige-se aos alunos, eles que são o “Portugal do presente e do futuro”: “Estão em vossa casa”, diz-lhes o Presidente, não sem deixar de tocar no tema da actualidade, os fogos que assolaram o país nos últimos meses. “A tragédia destes incêndios apela a cuidar da casa comum”, lembra o chefe de Estado.
A expressão “cuidar da casa comum” é, aliás, o título da apresentação que Sobrinho Simões preparou. O cientista não quer assustar ninguém, mas é peremptório na ideia de que “estamos a cuidar mal” do planeta, de que “somos egoístas e consumistas”, de que “estamos a dar cabo do mundo”. E também não foge ao drama dos incêndios: “Demos cabo de tudo e agora estamos a sofrer as consequências.”
Mas a apresentação do cientista vai muito para além da questão de sustentabilidade, até porque aos jornalistas Sobrinho Simões já tinha dito não estar ali para explicar, mas para conversar. Os alunos fazem perguntas e o médico desfaz-se em teorias, histórias e curiosidades. “Fico doido se vocês não acham graça a estas coisas”, diz a certa altura. Mas eles acham.
Gostam de saber que, quando comem arroz de pato, estão a comer um primo afastado, o pato, e um primo muito, muito afastado, o arroz. Que a seringa-do-mar come o próprio cérebro. Que, quando envelhecemos, vamos ficando “pequeninos”, porque as células fazem autofagia. No fim, Miguel Martins, 16 anos, diz que aprendeu mais sobre genética, sobre como os seres humanos evoluíram, sobre o que temos em comum com outros seres vivos. É nisto que o aluno, que quer seguir biologia e zoologia, vai para casa a pensar. Vai a pensar nas respostas que teve, mas sobretudo em mais perguntas. Assim o espera a ciência, e Sobrinho Simões também.