Manifestações no Porto e em Lisboa repudiam acórdão que faz “julgamentos morais machistas”
Movimentos organizaram manifestações nas duas cidades contra o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que justifica um caso de violência doméstica a uma mulher por esta ter tido uma relação extraconjugal.
Em resposta ao polémico acórdão sobre violência doméstica, um grupo de activistas feministas marcou uma manifestação para esta sexta-feira, no Porto, numa “acção de repúdio” a um processo que usou “a justiça para funções morais”. Quem o diz é Patrícia Martins, uma das organizadoras do protesto na cidade, para quem o acórdão do Tribunal da Relação do Porto representa “um retrocesso a nível de lei” e é algo que não deveria acontecer em 2017. Em Lisboa, está marcada para o mesmo dia uma manifestação com o mesmo nome, na Praça da Figueira.
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Em resposta ao polémico acórdão sobre violência doméstica, um grupo de activistas feministas marcou uma manifestação para esta sexta-feira, no Porto, numa “acção de repúdio” a um processo que usou “a justiça para funções morais”. Quem o diz é Patrícia Martins, uma das organizadoras do protesto na cidade, para quem o acórdão do Tribunal da Relação do Porto representa “um retrocesso a nível de lei” e é algo que não deveria acontecer em 2017. Em Lisboa, está marcada para o mesmo dia uma manifestação com o mesmo nome, na Praça da Figueira.
Em causa está um acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 11 de Outubro, sobre a agressão a uma mulher por parte do seu marido e pelo homem com quem tinha tido uma relação extraconjugal. O documento judicial tem sido alvo de críticas por declarar que é vista com “alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”. São “julgamentos morais machistas que alguns representantes da justiça continuam a perpetuar”, rebate a organização da manifestação na página do evento no Facebook.
Depois de ter sido informada sobre a iniciativa que se estava a preparar no Porto, Patrícia Vassallo e Silva resolveu organizar a manifestação na capital. Admitindo ao PÚBLICO que ainda se sente "chocada" com o acórdão, a organizadora diz que, num primeiro momento, achou que a notícia "era mentira". Vassallo e Silva espera que o tribunal "dê algumas respostas" e que explique o "porquê" desta situação, até porque "estamos em 2017 e isto é um crime público". "Não percebo como é que aconteceu tal coisa", disse ainda, admitindo que não tem ainda uma estimativa sobre o número de pessoas que poderão estar presentes na manifestação.
A organizadora no Porto diz ter visto o conteúdo do acórdão “com muito espanto”, não só pelo cariz obsoleto mas também porque a violência doméstica é um crime público. E não é a única. “É um assunto que está a mexer com muitas pessoas”, explica Patrícia Martins, razão que gerou reacções de repúdio na esfera pública, nas redes sociais, e por parte de organizações como a Umar ou a Capazes.
Patrícia Martins estima que se juntem mais de cem pessoas no protesto intitulado “Machismo não é Justiça, é crime”, organizado pela rede de activistas a que pertence, “Parar o Machismo, Construir a Igualdade”. Em Lisboa, a manifestação é organizada pelo colectivo “Por Todas Nós — Movimento Feminista” e pela Umar. À Lusa, a activista Elisabete Brasil da Umar considerou que a argumentação apresentada no acórdão mostra uma forma de pensar "retrógrada e machista" ainda viva na sociedade portuguesa.
A manifestação no Porto, tal como em Lisboa, decorre das 18h às 20h, e a escolha do local é “simbólica”: será na Praça Amor de Perdição (em frente à antiga Cadeia da Relação e perto do Tribunal da Relação do Porto) por ter sido aí que esteve presa Ana Plácido por adultério, no século XIX, pela relação que teve com o escritor Camilo Castelo Branco, preso no mesmo local e pelo mesmo crime. “157 anos depois, lavram-se acórdãos que têm como pano de fundo apreciações pessoais sobre a moralidade das mulheres”, lê-se na página do evento no Facebook.
Uma das frases que constam do polémico acórdão diz que “o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras)”.
Escrito pelo relator, o juiz desembargador Neto de Moura e assinadas também por Maria Luísa Arantes há ainda referências à Bíblia no acórdão: “Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte. Ainda não foi há muito tempo que a lei penal [de 1886] punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando a sua mulher em adultério, nesse acto a matasse”.
Patrícia Martins admite que gostaria que houvesse uma declaração oficial ou algum tipo de resposta por parte do tribunal para justificar o que está escrito no documento. Para já, só o Conselho Superior de Magistratura (órgão responsável pela disciplina dos juízes) reagiu, considerando que “nem todas as proclamações arcaicas, inadequadas ou infelizes constantes de sentenças assumem relevância disciplinar”. Mas não esclarece se o assunto será debatido, referindo unicamente que cabe ao seu conselho plenário pronunciar-se sobre a relevância disciplinar deste tipo de situações.