APAV diz que acórdão "é perigoso"
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima considera que relator do polémico acórdão sobre violência doméstica é "reincidente" e "incapaz" de julgar casos do género.
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) manifestou, esta segunda-feira, o seu “veemente repúdio” relativamente ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto, em que dois magistrados declaram ser compreensível a punição violenta das “mulheres adúlteras”, considerando que o relator do documento é "incapaz de julgar casos desta natureza” por ser "reincidente".
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A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) manifestou, esta segunda-feira, o seu “veemente repúdio” relativamente ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto, em que dois magistrados declaram ser compreensível a punição violenta das “mulheres adúlteras”, considerando que o relator do documento é "incapaz de julgar casos desta natureza” por ser "reincidente".
Em causa está um acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 11 de Outubro, sobre a agressão a uma mulher, por parte do marido e pelo homem com quem tinha tido uma relação extraconjugal. O documento judicial, escrito pelo juiz desembargador Neto de Moura e assinado também pela colega Maria Luísa Arantes, declara que é vista com “alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”.
Os juízes citam ainda a Bíblia para justificar a posição: “O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte".
Em comunicado, a associação diz que “esta decisão judicial reflecte um total desfasamento face à realidade actual e face a uma sociedade que é felizmente muito menos tolerante a actos de violência, como os que originaram o referido processo judicial, do que aquela que os senhores juízes desembargadores, responsáveis por esta decisão, parecem idealizar”.
“Na realidade, recorrer à Bíblia ou ao Código Penal de 1886 para fundamentar a ideia de que o adultério é fortemente censurado pela comunidade e que, consequentemente, esta vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem sobre a mulher, é fazer tábua rasa não só da evolução social, verificada em Portugal nos últimos 40 anos, mas também da trajectória efectuada pelo direito penal português, no sentido de se despir ao máximo de considerações e conceitos de natureza moral, difíceis de operacionalizar porque amplamente subjectivos”, diz ainda a APAV.
Afirmando que a “fundamentação subjacente a esta decisão judicial, para além de iníqua, é perigosa”, a organização defende que tal argumentação “legitima de algum modo comportamentos futuros de idêntica natureza”. “Não se trata da mera opinião de um cidadão, manifestada num círculo de amigos ou nas redes sociais. Trata-se do exercício da função jurisdicional por um órgão de soberania do Estado, o que reveste esta situação de extrema gravidade”, explica a APAV.
A organização diz também que o juiz desembargador Neto de Moura “é reincidente na utilização deste tipo de fundamentação o que o torna incapaz de julgar casos desta natureza”, acrescentando que vai associar-se “a uma iniciativa conjunta de várias organizações junto do Conselho Superior da Magistratura”.
Apesar disso, a APAV diz-se certa de que esta se trata de “uma infeliz excepção (embora não única)”, acreditando que “a esmagadora maioria dos magistrados portugueses não se revê nesta iniquidade”.