Denis Côté: "Ai acham que vou filmar músculos? Então vou centrar-me nos rostos'”

Num ano em que o Doclisboa olha para o cinema do Quebeque, não podia faltar o seu “autor” mais visível do momento: Denis Côté já é habitué dos festivais portugueses, e traz ao Doc o seu último filme.

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Denis Côté assume a posição de autor, assume-se cineasta de festivais BENJAMIN GUENAULT

Não deixa de ser curioso que os três cineastas canadianos de maior visibilidade contemporânea sejam todos do Quebeque. Dois deles, Denis Villeneuve (Blade Runner 2049, O Primeiro Encontro) e Xavier Dolan (É Apenas o Fim do Mundo, Mommy) já deram o “salto” para o mainstream. Mas Denis Côté (n. 1973) mantém-se à parte, como ele próprio o admite. “Tenho sempre vergonha de fazer um filme igual aos outros,” diz-nos quando o encontramos, em Agosto, no Festival de Locarno. “O que não quer dizer que os meus filmes sejam revolucionários. Gosto quando as pessoas dizem, 'olha, viste o último filme do Denis Côté?' Como frase, é muito banal, mas quer dizer qualquer coisa: quer dizer que é um filme 'meu'.”

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Não deixa de ser curioso que os três cineastas canadianos de maior visibilidade contemporânea sejam todos do Quebeque. Dois deles, Denis Villeneuve (Blade Runner 2049, O Primeiro Encontro) e Xavier Dolan (É Apenas o Fim do Mundo, Mommy) já deram o “salto” para o mainstream. Mas Denis Côté (n. 1973) mantém-se à parte, como ele próprio o admite. “Tenho sempre vergonha de fazer um filme igual aos outros,” diz-nos quando o encontramos, em Agosto, no Festival de Locarno. “O que não quer dizer que os meus filmes sejam revolucionários. Gosto quando as pessoas dizem, 'olha, viste o último filme do Denis Côté?' Como frase, é muito banal, mas quer dizer qualquer coisa: quer dizer que é um filme 'meu'.”

Num ano em que o Quebeque está nos holofotes do Doclisboa, com uma retrospectiva de longo alcance do cinema produzido naquela região canadiana, a presença de Côté, o nome mais visível do cinema de autor local, é inescapável (e o cineasta já tem uma relação de longa data com o nosso país, onde tem vindo mostrar muitos dos seus filmes). Em Locarno, onde estreou a concurso a sua décima longa Ta peau si lisse, assume essa posição de autor, assume-se cineasta de festivais: “Levou-me tempo a decidir que ia ser um autor de festivais, e ainda mais a assumi-lo. Levou-me mesmo muito tempo. Mas a partir desse momento senti-me muito bem. Se formos a ver bem as coisas, há 15 anos que pago a renda a fazer filmes em total liberdade. É uma bela vida!”

Uma vida que, admite, faz confusão aos seus compatriotas. “Por exemplo, a SODEC [agência institucional do Quebeque para o apoio às artes] mal sabe o que fazer comigo. Ficam todos contentes por eu vir aos festivais representar o Canadá, mas este ano vim sozinho a Locarno. Não veio ninguém do Quebeque, apesar de eu ser o único canadiano na competição oficial. Sei que no Canadá me respeitam. Talvez não gostem muito de mim e não faço muitos espectadores; olham-me um bocado de esguelha porque não percebem como é que eles é que fazem os filmes comerciais e eu é que tenho a visibilidade nos festivais internacionais. Não é que tenham ciúmes, ou inveja, é apenas que não percebem.”

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Ta peau si lisse é um olhar sobre o quotidiano de um grupo de culturistas do Québec que recusa as convenções dos filmes sobre o bodybuilding

Neste ano do Québec no Doc, então, Côté traz dois filmes. A ficção Les États nordiques (2005), sua estreia na longa (que na altura esteve a concurso no Indie Lisboa) passa no âmbito da retrospectiva (Cinemateca, quinta 26, 19h00). Na paralela Da Terra à Lua exibe-se Ta peau si lisse (São Jorge, terça 24, 18h45, e Ideal, quinta 26, 22h00), que teve estreia em Locarno e é, essencialmente, um documentário. “Essencialmente” porque, na verdade, este filme típico da obra liminal e esquiva do cineasta deixa o espectador permanentemente na dúvida sobre o que é encenado e o que é real (não o revelaremos aqui – os interessados poderão perguntar ao próprio realizador, que estará em Lisboa a acompanhar o filme).

Ta peau si lisse é um olhar sobre o quotidiano de um pequeno grupo de culturistas do Quebeque que recusa todas as convenções dos filmes sobre o bodybuilding – e Côté é peremptório, nunca quis fazer outro Pumping Iron, o documentário de 1977 que tornou Arnold Schwarzenegger conhecido. “Tinha muito medo de fazer um filme voyeurista ou trash, que aspirasse a uma qualquer controvérsia,” diz. “O que é que um tipo como o Ulrich Seidl, de quem aliás gosto muito, faria se se interessasse por culturistas? Seria outra coisa, completamente diferente. E ao pensar nisso decidi fazer um filme onde cada cena fosse algo de que não se estivesse à espera num filme destes. 'Ai acham que vou filmar músculos? Então vou centrar-me nos rostos'.”

Filmado fora do ginásio, com especial atenção aos gestos e aos rostos dos seis culturistas que acompanha, Ta pau si lisse demonstra essa maneira de contornar as expectativas – “porque tenho esse lado de nunca querer dar ao espectador aquilo de que ele está à espera” – e é também a manifestação do peculiar “pudor” de Côté enquanto cineasta. “Sou realizador mas não gosto de andar a escarafunchar na cabeça das pessoas. Gosto de abordar o cinema pelo ângulo do mistério, de andar a rondar pela periferia sem nunca entrar directamente pelo centro. É como se quisesse fazer documentários sem perturbar aqueles que filmo, mas isso é também uma questão pessoal, porque não sou alguém de particularmente caloroso... Tenho algum mal-estar em estar no mundo, e as personagens que acompanho em todos os meus filmes são também um pouco assim. Faço filmes com perguntas, mas há muita gente que quer só ver filmes com respostas.”

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