Querido Tó, é desta!
Tu bem viste o tamanho dos fogos na televisão. Quem é que põe mão naquilo, não me queres dizer, o que é que eu posso fazer, eu que nunca peguei num extintor?
Querido Tó, já estou farta disto, do calor, de não poder ir à praia, de andar de colete o tempo todo, sempre suada, cansada, olheirenta, doem-me os pés, apertam-me as calças e eu sem conseguir olhar para mim.
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Querido Tó, já estou farta disto, do calor, de não poder ir à praia, de andar de colete o tempo todo, sempre suada, cansada, olheirenta, doem-me os pés, apertam-me as calças e eu sem conseguir olhar para mim.
Porque, Tó, aquilo lá fora é perigoso e uma pessoa ainda se aleija! Tu bem viste o tamanho dos fogos na televisão. Quem é que põe mão naquilo, não me queres dizer, o que é que eu posso fazer, eu que nunca peguei num extintor? Por acaso até tinha alguns lá na Autónoma, de cada lado da sala de aulas, e acho que também tenho um, dos pequenos, no carro, mas eu não sou bombeira, e muito menos polícia, eu sou apenas a Ministra da Administração Interna, eu não mando em nada nisto!
Agora tu sim, tu mandas e desmandas, fazes o que queres e bem entendes, por isso vê lá se pões alguma ordem nisto tudo que eu já estou fartinha de aturar esta gente, sempre a pedir batatinhas e justificações, respostas e soluções para tudo e mais alguma coisa, sempre a lamuriarem-se de cada vez que alguém morre ou uma casa arde, como se isso não fosse normal sempre que há um incêndio.
Por isso é que me vou embora. Eu não te tinha dito que precisava de férias? Eu não te tinha dito que me fazia falta um pezinho de dança no Algarve, ou mesmo lá em Cascais, ao pé de casa? Tu podias vir um dia destes, os miúdos (os miúdos, o mais velho já é um homem, por acaso não lhe arranjas qualquer coisa, tipo uma Secretaria de Estado para não dar nas vistas?) estão sempre a perguntar por ti e o Klaus manda-te um abraço.
Mas olha, para te ser franca, estou no aeroporto. Passei-me, o que é que tu queres? E nem acreditas para onde vou: sim, isso mesmo, Islândia. Acho que depois disto tudo preciso de apanhar frio durante uns tempos, pelo menos até sentir saudades do calor de Portugal. E depois praia, uma bem merecida praia onde ninguém me conheça ou chateie e onde eu possa, à minha vontade voltar a aparecer nas revistas da moda, aparecer em eventos, dar entrevistas, estar com gente bonita, ser parte da gente bonita e, não esquecer, a noite branca em Loulé! Este ano não falho.
Quanto a trabalho não te preocupes comigo. Acho que já ganhei o suficiente e até me sinto mal só de pensar que ainda me queres mandar para a administração da Caixa. Não te preocupes, por favor, ainda tenho as aulas e o escritório de advogados, e depois já sabes como é, neste país tudo leva imenso tempo nos tribunais e o bolso está sempre cheio.
E não queres ver que ainda não parti e já tenho saudades tuas? Já nos conhecemos há tantos anos, Tó, já apagámos tantos fogos juntos (percebeste a chalaça?), as campanhas, os governos, tantas reuniões, aquela vez em que te apanhei a fumar um cigarro no Palácio de Belém e tu, assustado, apagaste o cigarro no tapete, ou as noitadas sem fim a trabalhar cá em casa para desespero do Klaus e dos miúdos que eu não via crescer, ai ai, querido Tó, só tu.
Bem olha, isto da saudade, tão nossa, dá-me para escrever mas já me chamaram para o portão de embarque. Tenho de ir. Prometo que te mando um postal. Reiquejavique é lindo.
Beijos, obrigada por tudo mas já chega (eu sei que tu percebes).
Um Xi-? apertado da tua,
Concha
P.S. Boa sorte para o Edu, vai precisar.