Atribuir a culpa a uma só pessoa é pura ignorância

É muito fácil atribuir a culpa a uma só pessoa, mais fácil até. Lá vai a Ministra da Administração Interna dar a cara, coitada. Quando anunciou a demissão, devia ir acompanhada de mais uns tantos. Onde estão eles? Estão a assistir e a "lamentar"

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Adriano Miranda

Quem não nasceu na província, quem não tem origens no interior, quem nunca viveu lá (porque um passeio casual, agora que o turismo rural está na moda, é diferente), só pode atribuir a culpa a um Governo e a uma só pessoa, realmente. Sentados do alto da sua poltrona tudo é fácil, todos têm opinião, todos têm algo a dizer. Passar a "batata quente" também é uma tendência, principalmente da nossa classe política. Toda, sem excepção.  

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Quem não nasceu na província, quem não tem origens no interior, quem nunca viveu lá (porque um passeio casual, agora que o turismo rural está na moda, é diferente), só pode atribuir a culpa a um Governo e a uma só pessoa, realmente. Sentados do alto da sua poltrona tudo é fácil, todos têm opinião, todos têm algo a dizer. Passar a "batata quente" também é uma tendência, principalmente da nossa classe política. Toda, sem excepção.  

Transmontana de gema, não quero com este texto relembrar e fomentar a discrepância que existe, desde sempre, na forma de tratamento do interior e do litoral, mas é clara e evidente, como todos sabemos. Não é por falta de vontade dos presidentes de câmara, das juntas de freguesia e de outras entidades locais que, na sua generalidade, muito têm feito e muito para além das suas responsabilidades, que o investimento no interior não acontece. Tem vindo a acontecer, de forma gradual, mas ainda é insuficiente. E quem lá vive só tem três opções: ou sofrer em silêncio, ou lutar uma vida inteira, ou fugir. A última decisão vem sempre de Lisboa. Os fundos comunitários não dão para todos. As prioridades autárquicas e governamentais normalmente estão em linha, porque a cor política prevalece sobre as verdadeiras necessidades da região. Dá jeito fazer uns favores. Não é uma verdade universal, tem as suas nuances (e ainda bem), mas, se estiverem atentos, não foge muito a esta regra. 

É muito fácil atribuir a culpa a uma só pessoa, mais fácil até. Lá vai a Ministra da Administração Interna (MAI) dar a cara, coitada. Desgastada, exausta, ainda é alvo de condenações políticas numa capa de uma revista que se diz ser informativa. Sim, não foi de férias. Não merecia férias só pelas responsabilidades políticas que tem a seu cargo?  Enfim, descontextualização de uma parte de um discurso, um aproveitamento jornalístico miserável. Não estou com isto a ilibá-la de responsabilidades, mas, quando anunciou a demissão, devia ir acompanhada de mais uns tantos. Onde estão eles? Estão a assistir e a "lamentar". Sim, porque não é nada com eles e os mortos são só números para muitos. Não são pessoas, não são vidas, não são nada. Não são os seus. Quando falamos nos cargos políticos de maior responsabilidade deste país, só sinto dor genuína no rosto do nosso presidente da República. Mas ele é, de facto, fora do vulgar.

Há anos, anos e anos, que se previa isto. Há anos que se conhece o abandono completo do interior. Muitos professores universitários já trabalham esta matéria há décadas e os estudos são apresentados todos os anos. Mas há muito mais do que meros estudos académicos. Toda a gente que podia fazer alguma coisa sabia o que podia fazer. Recorde-se quem era o MAI em 2006 que, por acaso, também é o nosso primeiro-ministro agora. Teve tudo nas suas mãos e nada fez. Ignorou um plano de protecção da floresta, altamente fundamentado e discutido pelo Governo de José Sócrates. Com o país a arder, de férias no Quénia, Costa apoiá-lo-ia, na altura, a continuar as suas férias.

Foram governos sucessivos que contribuíram para o desinvestimento do interior, isolado, ignorado e maltratado, com a limpeza das florestas e a prevenção dos fogos a serem sempre deixadas para último plano. Atribuir a culpa a um numa tragédia desta dimensão é só pura ignorância.

Passos Coelho falou, esta semana, de "falhanço do estado" e de "um governo que não teve capacidade", esquecendo-se de que como primeiro-ministro também nada fez. Este aproveitamento político numa situação catastrófica, que não é só por parte do líder do PSD, mas de todos os partidos com assento parlamentar, é medíocre e de uma falta de carácter enorme. Hipócrita, até. Passos Coelho, falou, ainda, de falta de humildade de António Costa. Não será mais falta de humildade não assumir que todos devemos um pedido de desculpas, começando pelos que vêm agora falar de peito cheio esquecendo-se que já tiveram este poder nas mãos?