Casos sociais nos hospitais custam 68 milhões ao SNS
No início do mês, hospitais públicos tinham 655 camas ocupadas por pessoas com alta clínica que estavam internadas por não terem rectaguarda familiar. Um dia num hospital público custa 279 euros, em média
Quase sete centenas de pessoas estavam no início deste mês internadas em hospitais públicos não por estarem doentes, mas apenas por causas sociais, porque não tinham família para os acolher ou porque aguardavam vaga nos cuidados continuados ou lares de idosos. É o resultado da primeira radiografia ao problema dos internamentos sociais, que foi promovida pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) e neste sábado apresentada em Évora. Feitas as contas, concluiu-se que o custo dos internamentos ou casos sociais nos hospitais podem ultrapassar os 68 milhões de euros por ano.
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Quase sete centenas de pessoas estavam no início deste mês internadas em hospitais públicos não por estarem doentes, mas apenas por causas sociais, porque não tinham família para os acolher ou porque aguardavam vaga nos cuidados continuados ou lares de idosos. É o resultado da primeira radiografia ao problema dos internamentos sociais, que foi promovida pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) e neste sábado apresentada em Évora. Feitas as contas, concluiu-se que o custo dos internamentos ou casos sociais nos hospitais podem ultrapassar os 68 milhões de euros por ano.
São internamentos desnecessários que, além de ficarem caros ao Serviço Nacional de Saúde – um dia numa enfermaria num hospital público custa em média 279 euros - representam um risco de complicações para o doente, nota o presidente da APAH, Alexandre Lourenço, que sintetizou as conclusões do primeiro barómetro de internamentos sociais feito a nível nacional.
No passado dia 2, efectuado o levantamento da situação em 34 das 43 unidades hospitalares do pais que acederam colaborar neste barómetro, percebeu-se que havia camas ocupadas por 655 pessoas já com alta clínica, sem necessidade de permanecer nos hospitais, e que só ali continuavam porque não tinham rectaguarda familiar ou lugar para onde ir. Um número não despiciendo: os casos sociais representavam cerca de 5% do total de doentes internados naquele dia.
É na região de Lisboa e Vale do Tejo e que há mais situações deste tipo – são mais de metade de total de internamentos "inapropriados" identificados no país –, ficando as pessoas nos hospitais durante quase três meses (82 dias), em média.
“É um problema grave. E a raiz deste problema não é o abandono dos doentes pelos familiares, como por vezes se diz. É um problema estrutural”, diz Alexandre Lourenço, que quis avançar com o barómetro para poder perceber a magnitude deste fenómeno a nível nacional. “Há centenas de internamentos sociais, é um número elevado dentro dos hospitais”, lamenta. A nível nacional a média de permanência nos hospitais é de cerca de dois meses.
Ao contrário do que se poderia pensar, não são apenas idosos, apesar de estes representarem a maioria, sobretudo os que têm mais de de 80 anos, que são um terço do total. Mais de um quarto dos casos sociais (28%) eram pessoas com idades entre os 18 e os 65 anos. As crianças e jovens representavam apenas 1% do total.
Avaliadas 80% das unidades hospitalares
Neste barómetro participaram 79% dos hospitais - que no passado dia 2, enfermaria a enfermaria, foram contabilizar o número de doentes que permaneciam internados sem necessidade, depois de terem alta clínica, porque os familiares não tinham condições para os acolher ou porque a rede de cuidados continuados ou a Segurança Social (lares de idosos) não conseguiam dar resposta.
No total, estas pessoas estavam internadas há mais de 44 mil dias e, tendo em conta o preço médio da diária num hospital (279 euros) e numa unidade psiquiátrica (39 euros), só no dia analisado o custo desta permanência desnecessária ascendia a 16,7 milhões de euros. Num ano, totalizaria 68,5 milhões de euros.
Há muito tempo que se fala do problema daquilo que se convencionou designar como casos sociais nos hospitais, mas as soluções tardam a ser encontradas. São, por vezes, situações de abandono, mas passam sobretudo por casos de idosos que vivem sozinhos e de doentes que requerem mais cuidados em casa, mas as suas famílias não têm capacidade para os prestar.
Alexandre Lourenço destaca, a propósito, o papel fulcral das famílias, ao mesmo tempo que reconhece as dificuldades que muitas sentem em organizar-se e a ter recursos para acolher sobretudo os mais idosos em casa. São necessárias medidas de apoio à família, advoga. Medidas como a redução e flexibilização de horários, como o estatuto do cuidador informal, entre outras.
Origina complicações
Este é um problema complexo que tem consequências graves, lembra o responsável da APAH: o prolongamento do internamento sem razões clínicas pode originar complicações evitáveis para o doente, ao aumentar o risco de infecções, de quedas e de agravamento dos estados de dependência e até de depressão.
Tem igualmente um impacto indirecto no congestionamento dos serviços de urgência (por não haver vagas nas enfermarias que muitas vezes estão cheias com casos de natureza social) e nos tempos de espera para cirurgias.
O objectivo deste trabalho – que agora se pretende que seja renovado em cada trimestre – foi o de calcular o número dias que os doentes estão nos hospitais sem necessidade, identificar situações e encontrar as melhores alternativas na comunidade, em conjunto com as famílias. Alexandre Lourenço reconhece que muitas vezes são os próprios hospitais que não começam a planear as altas atempadamente e a sinalizar devidamente situações mais críticas.
A iniciativa da APAH teve o suporte da consultora EY e o apoio institucional do Ministério da Saúde.