É preciso acabar com nomeações políticas nos cargos intermédios da Protecção Civil

Ao analisar o que falhou em Pedrógão, o Centro de Estudos e Intervenção em Protecção Civil encontrou impreparação técnica nos responsáveis pelo comando e controlo das operações.

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ADRIANO MIRANDA

Portugal não conseguirá dar resposta a tragédias como as de Pedrogão Grande e dos incêndios do passado fim-de-semana se não alterar radicalmente a estrutura operacional da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC). Acabar com as nomeações políticas para os cargos de nível regional, assegurando que são ocupados “por profissionais recrutados por concurso público, em função de um perfil técnico previamente definido”, é um dos caminhos apontados no relatório em que o Centro de Estudos e Intervenção em Protecção Civil (CEIPC) analisa o (tanto) que correu mal no combate aos incêndios de Pedrógão.

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Portugal não conseguirá dar resposta a tragédias como as de Pedrogão Grande e dos incêndios do passado fim-de-semana se não alterar radicalmente a estrutura operacional da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC). Acabar com as nomeações políticas para os cargos de nível regional, assegurando que são ocupados “por profissionais recrutados por concurso público, em função de um perfil técnico previamente definido”, é um dos caminhos apontados no relatório em que o Centro de Estudos e Intervenção em Protecção Civil (CEIPC) analisa o (tanto) que correu mal no combate aos incêndios de Pedrógão.

À medida que o fogo avançava, alastravam também no sistema de Protecção Civil montado para combate-lo “situações de total descontrolo, motivadas pela insuficiência ou mesmo a inexistência de planeamento”´, lê-se no relatório, que aponta o dedo às “inúmeras fragilidades” da estrutura da ANPC, associadas “ao défice de capacitação dos elementos da ANPC responsáveis pelo comando e controlo das operações”.

Esta impreparação dos profissionais deve-se, segundo o presidente do CEIPC e coordenador deste estudo, Duarte Caldeira, ao facto de os cargos viverem “numa constante alteração de pessoas desde há mais de 20 anos, o que retira estabilidade à estrutura”. Por isso, são lugares a fazer ocupar por concursos públicos, com a excepção do presidente e dos directores nacionais da ANPC, que devem continuar a ser de nomeação política.

A eliminação do “nível distrital” da ANPC e a sua substituição por uma estrutura que tenha por referência as NUT II (Norte, Centro, Área Metropolitana de Lisboa, Alentejo e Algarve) é outra das sugestões contidas no relatório. “Em vez dos 18 distritos teríamos cinco regiões e, abaixo destas, 23 sub-regiões operacionais, equivalentes às NUT III, com uma afectação de recursos proporcional à avaliação do risco de cada região”, explicita o também ex-presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, para quem urge pôr o sistema de protecção civil “a salvo do ciclo de experiências laboratoriais de que tem sido vítima nas últimas duas décadas”.

A substituição dos actuais CDOS (Centros Distritais de Operações de Socorro) por Centros Regionais de Operações de Socorro, tendo também por referência as NUT II, dotando-os de um director regional e quadros de pessoal, salas de operações e comunicações próprias, é outra sugestão a extrair do vasto rol de conclusões contidas neste relatório (que, como frisa Duarte Caldeira, é um autoproposto instrumento de sustentação da decisão política que vier a ser tomada nestas matérias).

O relatório propõe ainda o reforço das competências da Direcção Nacional de Bombeiros, “transferindo para esta a competência para avocar o comando operacional” nas operações de socorro, em determinados cenários. A par disso, sugere-se a criação do cargo de inspector regional de bombeiros e adjuntos, que actuaria na dependência do director nacional de bombeiros. A Direcção Nacional de Meios Aéreos seria eliminada e as suas competências transferências para uma unidade especializada a criar com a missão de gestão dos meios aéreos do Estado.

E quanto aos bombeiros? “Não é mais possível disfarçar que, face à severidade do comportamento dos incêndios, a prioridade dada à defesa das pessoas e bens não é compatível com a defesa da floresta contra incêndios”. Logo, é preciso separar águas e recentrar a função dos bombeiros “na salvaguarda de pessoas e bens”. Por outro lado, e dado que “a primeira intervenção de socorro é determinante para a eficácia do socorro e para a contenção e limitação do fogo”, a primeira resposta tem de ser assegurada por bombeiros profissionais. “Não defendemos a municipalização dos bombeiros nem a extinção das associações humanitárias, que continuam a ser um recurso fundamental para o país, mas é preciso profissionalizar a primeira intervenção no socorro. A primeira linha de resposta não poderá estar dependente da disponibilidade de voluntários para acorrer à chamada de socorro mas terá de assentar na disponibilidade permanente dos bombeiros nos quartéis e na sua qualificação através de uma formação permanente e especializada”, explicita o presidente do CEIPC.

Plataforma agregadora de voluntários

Sobre o voluntariado, não só dos corpos de bombeiros mas de outras estruturas voluntárias na área da protecção civil, deverão recair outras responsabilidades. “A legislação já prevê as associações de voluntários da protecção civil mas falta dar-lhes consequência prática. Por outro lado, os exemplos interessantes de voluntariado na protecção civil precisam de uma plataforma agregadora que lhe dê uma doutrina, uma organização e uma articulação comuns”, aponta Caldeira, elogiando o papel da Associação de Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande, sob cuja égide cada aldeia da região foi dotada da figura de um líder responsável por pôr em práticas as medidas de autoprotecção das populações em caso de tragédia.

A necessidade urgente de ensinar os cidadãos a protegerem-se em cenários de catástrofe é outra das sugestões contidas neste relatório. A ideia já estava, de resto, nos outros relatórios sobre a mesma matéria, com a diferença de aqui se propor a criação de um Programa Nacional de Autoprotecção e Resiliência dos Cidadãos. “Para ser eficaz, tem de ter uma lógica centralizada e uma aplicação descentralizada”, esmiuça Caldeira.

Outras medidas

  • Criar uma rede de sapadores florestais e garantir a sustentabilidade das equipas existentes
  • Criar um Centro de Investigação Aplicada do Risco, tendo como missão a produção de doutrina, estudos, investigação e relatórios de análise de ocorrências para promoção de boas-práticas e identificação de vulnerabilidades sistémicas
  • Formar técnicos especializados em meteorologia aplicada a incêndios
  • Promover acções descentralizadas, no primeiro semestre de 2018, de formação dirigida aos presidentes das autarquias sobre as competências e responsabilidades que lhes cabem no domínio da Protecção Civil
  • Inventariar, operacionalizar e reforçar os kits de primeira intervenção nas juntas de freguesia, promovendo a constituição de Grupos de Intervenção Local
  • Reformatar os Postos de Comando Operacional e definir regras-padrão para a sua localização