A inspiradíssima visão dos War On Drugs

À superfície, tudo parece um reaviver de uns certos anos 1980 de rock e sintetizadores, mas a superfície engana. A visão de Adam Granduciel é bem mais rica do que aparenta.

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Não são os anos 1980, não é Springsteen ou Dylan. É o lugar dos War On Drugs. Inspiradíssima visão consequisi. Giatueros

As canções são longas, nunca abaixo dos cinco dos minutos de duração (salvo uma excepção), muitas vezes bem acima disso. São longas e espraiam-se lentamente, sem curvas e contracurvas. O caminho faz-se em frente, sem alterações de velocidade, avançando pelas paisagens amplas que se abrem à esquerda e à direita. Esse é desde há muito o caminho de Adam Granduciel, criador dos War On Drugs e o homem que assina as canções, as letras e arranjos e que toca a maior parte dos instrumentos que ouvimos nos álbuns que compõem a discografia da banda.

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As canções são longas, nunca abaixo dos cinco dos minutos de duração (salvo uma excepção), muitas vezes bem acima disso. São longas e espraiam-se lentamente, sem curvas e contracurvas. O caminho faz-se em frente, sem alterações de velocidade, avançando pelas paisagens amplas que se abrem à esquerda e à direita. Esse é desde há muito o caminho de Adam Granduciel, criador dos War On Drugs e o homem que assina as canções, as letras e arranjos e que toca a maior parte dos instrumentos que ouvimos nos álbuns que compõem a discografia da banda.

A Deeper Understanding, o quarto, não altera o que deles conhecíamos e celebramos. A sua música, intrincada massa sonora criada com detalhe obsessivo, de forma a que sintetizadores e guitarra se unam numa mesma matéria, enquanto a secção rítmica mantém o ritmo tão discreta como infatigável, é o retrato de um estado de alma, intimista, portanto, pintado perante todos numa moldura de dimensões gigantescas.

Em A Deeper Understanding, Granduciel canta o deslumbramento que a paixão provoca quando surge sem aviso prévio e canta a desilusão que é vê-lo desaparecer. Canta principalmente a porrada que leva, uma vez após outra, e como se ergue, uma vez após outra, para ser de novo atirado ao chão. Desenha os cenários precisos em que todas estas coisas acontecem – “The Missouri river in the distance / I lied upon the lawn”; “It was back in little bend that I saw you at dawn / light was changing in the water” -, e mostra aquilo que não podíamos ver ou saber: “Once I was alive and I could feel / I was holding on to you”; “Once I had a dream, I was falling from the sky / Coming down like running water”. Fá-lo nestas canções que contornam um anacronismo larvar para se assumirem como marca autoral de um músico que inventou para si um lugar inesperado.

À superfície, os War On Drugs são a banda de alguém que idolatra a E Street de Bruce Springsteen nos anos 1980, em toda sua glória e pompa rock grandiloquente, e que não consegue eliminar das cordas vocais o tom do canto arrastado, quase balbuciado, de Bob Dylan. À superfície, os War On Drugs trazem o conforto da nostalgia a quem começou a despertar para a música em meados dos anos 1980 – é esse som, o do rock e seus cantautores a deixarem-se fascinar por sintetizadores sem largar a guitarrada, que a banda parece perseguir, canção após canção. Mas a superfície dos War On Drugs engana. A batida, por exemplo, tem algo do balanço mecânico, hipnótico, que ouvimos na motorik dos kraut-rockers do passado, e toda a camada sintética que envolve os instrumentos tem algo de ilusório: é consequência da pincelada do mestre, que usa guitarras acústicas e os solos da eléctrica que surgem como momento de catarse salvador (recordamos que as coisas não costumam correr bem nas canções de Granduciel), que usa os órgãos eléctricos e os sintetizadores como matéria infinitamente moldável.

É nesse momento, enquanto aceleramos na estrada inventada pelos War On Drugs que o anacronismo se desvanece e desaparece pouco a pouco a nostalgia por aqueles anos 1980 específicos, não necessariamente de bom gosto ou boa memória, mas disso não quer saber a nostalgia. Estamos em Up all night, a primeira, atravessamos Strangest thing, demoramo-nos nos onze minutos de Thinking of a place, seguimos aquela melodia minimalista, qual Sakamoto anunciando-se de surpresa, que irrompe algures em In chains.

Ouvimos Adam Granduciel cair e levantar-se, ouvimo-lo cantar naquele seu modo sonolento a escuridão que o rodeia e que torna ainda mais difícil ver o que, de qualquer modo, já não conseguia distinguir à luz do dia. Chega uma guitarra a solar como libertação, a secção rítmica mantém-se imperturbável e a massa de sintetizadores não nos deixa ver nada mais que o mundo que Granduciel criou. Não são os anos 1980, não é Springsteen ou Dylan. É o lugar dos War On Drugs. Inspiradíssima visão.