Operação Marquês: uma enorme conspiração!
Um grande obrigado à firma de advogados Mossack Fonseca e aos seus Papéis do Panamá!
A acusação do processo da Operação Marquês, divulgada na semana passada, era, seguramente, aguardada por muitos portugueses com expectativa. É certo que as inúmeras notícias publicadas ao longo dos anos e as inúmeras intervenções públicas de José Sócrates e dos seus advogados sobre o teor do processo não deixaram espaço para grandes surpresas mas, ainda assim, a acusação deduzida pelo Ministério Público é uma história sinistra e tenebrosa.
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A acusação do processo da Operação Marquês, divulgada na semana passada, era, seguramente, aguardada por muitos portugueses com expectativa. É certo que as inúmeras notícias publicadas ao longo dos anos e as inúmeras intervenções públicas de José Sócrates e dos seus advogados sobre o teor do processo não deixaram espaço para grandes surpresas mas, ainda assim, a acusação deduzida pelo Ministério Público é uma história sinistra e tenebrosa.
Se o ex-primeiro-ministro sempre clamou publicamente que todo o processo mais não é do que uma gigantesca e sinistra conspiração do procurador Rosário Teixeira, do juiz de instrução Carlos Alexandre e do Ministério Público, com a cumplicidade da procuradora-geral da República, contra si — por vezes, contra o Partido Socialista —, com o intuito de o destruir pessoalmente e de evitar a sua candidatura presidencial, a verdade é que a acusação nos apresenta uma outra, igualmente gigantesca, conspiração.
Para o Ministério Público, José Sócrates, Ricardo Salgado e Carlos Santos Silva engendraram, directamente ou através de intermediários, uma teia de corrupção com pagamentos de milhões de euros através de offshores que visava, directa ou indirectamente, enriquecê-los ou manter o seu poder em prejuízo de todos nós, nomeadamente da PT e do Grupo BES.
Ricardo Salgado aparece-nos, assim, como uma personagem absolutamente perversa, José Sócrates como alguém absolutamente desprovido de escrúpulos e Carlos Santos Silva como um empregado absolutamente subserviente do ex-primeiro ministro. Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, que a sociedade portuguesa sempre viu como cidadãos dignos e exemplares, aparecem como dois despudorados corruptos e, igualmente, subservientes empregados de Ricardo Salgado. Esta conspiração que a acusação relata com muito pormenor — e falsidade, segundo os arguidos — é bem mais tenebrosa do que aquela que é descrita por José Sócrates e os seus advogados.
Isto sem esquecer que a versão de Sócrates e dos seus advogados é, também, de enorme gravidade: o Estado português, nas vestes do Ministério Público, estará instrumentalizado — ignora-se ao serviço de quem — para o destruir e ao Partido Socialista. É certo, também, que esta versão não apresentou, ainda, uma explicação para o facto de os tribunais superiores, nos sucessivos recursos ao longo do inquérito, nunca (salvo um acórdão da Relação de Lisboa em que foi relator o desembargador Rui Rangel) terem dado razão ao ex-primeiro-ministro, nomeadamente mantendo a sua prisão preventiva. Mas, quanto ao exacto contorno judicial da conspiração, a procissão ainda vai no adro e até ao lavar dos cestos ainda é vindima...
Há, no entanto, aspectos da investigação e da acusação que, desde já, nos impressionam, como é o caso dos circuitos do dinheiro pelas offshores.
Como José Sócrates sublinha publicamente, o seu nome nunca é mencionado em nenhum dos inúmeros documentos respeitantes aos fluxos de dinheiro e às contas bancárias das numerosas empresas offshores que foram investigadas. Tal facto é, no seu entender, uma prova inequívoca da sua inocência e do carácter conspirativo da acusação que omite tal facto. Para o Ministério Público, pelo contrário, essa ausência do nome de José Sócrates é parte integrante da conspiração montada pelos arguidos.
A relevância desse facto em termos da decisão final será, naturalmente, apurada pelos tribunais, mas o que mais impressiona nas descrições dos circuitos do dinheiro é o facto de — penso que pela primeira vez no nosso país — o sigilo bancário da Suíça e o universo opaco das offshores não terem impedido uma investigação de chegar ao fim. Na verdade, parece-me que as defesas dos arguidos não porão em causa os factos em si — movimentações e depósitos —, mas sim a explicação/interpretação dada pelo Ministério Público para os mesmos, que consideram conspirativa e falsa, apontando outras razões para a sua existência.
Este é um aspecto fantástico e que nos deve alegrar: quantas investigações criminais nacionais não foram, até hoje, arquivadas pelo facto de terem mergulhado no buraco negro das offshores ou chocado com o muro do sigilo bancário? Um grande obrigado à firma de advogados Mossack Fonseca e aos seus, involuntários é certo, Papéis do Panamá!