Os recados da última “aula” de Francisco George

O médico que precisa da luta para “voltar a ser moço” diz que “não [o] podem terminar”. Vai ser condecorado por Marcelo Rebelo de Sousa, dá nome a um prémio de investigação em saúde pública e procura, aos 70 anos, vir a gerir os destinos da Cruz Vermelha Portuguesa.

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Na última intervenção enquanto director-geral da Saúde, Francisco George deixou esta sexta-feira recados a todos. Ao Governo, aos deputados, aos portugueses. Os seus 44 anos de trabalho no serviço público de saúde, que dá como terminados por limite de idade, acabaram com uma espécie de última aula perante uma plateia de colegas e amigos, governantes e ex-ministros, na reitoria da Universidade Nova de Lisboa.

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Na última intervenção enquanto director-geral da Saúde, Francisco George deixou esta sexta-feira recados a todos. Ao Governo, aos deputados, aos portugueses. Os seus 44 anos de trabalho no serviço público de saúde, que dá como terminados por limite de idade, acabaram com uma espécie de última aula perante uma plateia de colegas e amigos, governantes e ex-ministros, na reitoria da Universidade Nova de Lisboa.

Aos deputados, Francisco George pediu que se permita aos médicos “obrigar um cidadão doente a tratar-se” de forma a prevenir contágios e que repensassem o combate às doenças infecciosas.

Ao Governo, falou sobre solidariedade, para ele um “fenómeno insubstituível” em sociedade e em política. O médico que esteve 12 anos à frente da Direcção-Geral de Saúde (DGS) concorda com Marcelo Rebelo de Sousa, seu amigo, na hora de chamar a “atenção para a extraordinária importância dos movimentos solidários”. “Não somos estátuas nem somos de plástico. Temos sentimentos e os sentimentos têm que ser externalizados”, disse aos jornalistas.

As suas batalhas

Aos portugueses, falou da sua “batalha napoleónica”: a necessidade de cortar o consumo de sal para metade, o açúcar e a exposição ao fumo do tabaco. Quando uma jornalista lhe pergunta se “tem consciência de que a grande parte dos portugueses sabe quem é o Francisco George”, encolhe os ombros e sorri: “Sabem porque o Francisco George precisa de estar próximo de todos os portugueses. Como posso dizer ‘reduzam o sal da alimentação’ sem ser através da comunicação social? Há aqui uma aliança que é natural.”

Na véspera de fazer 70 anos, assume-se o mesmo “homem de lutas” que fora nas greves dos estudantes ao lado de Marcelo Rebelo de Sousa e no proclamar da “saúde democrática” ao lado de Mário Soares. E recorre à frase do escritor José Rodrigues Migueis para se definir: “Preciso da luta para me sentir remoçar. É voltar a ser moço”. Garante: “Não me podem terminar.”

O homem que “perdeu muitas lutas” ganhou outras tantas e vai agora apresentar uma candidatura à presidência da Cruz Vermelha Portuguesa.

“Os ministros saíram e ele ficou”

“É fácil para os ministros [da Saúde] dizerem que o Francisco George é nosso”, confessou Adalberto Campos Fernandes, o actual detentor da pasta. Para o governante, George “representa aquilo de bom que a República trouxe”. É um “homem do mundo”, num mundo onde “não há pessoas insubstituíveis, mas há pessoas irrepetíveis”, disse. Para Campos Fernandes é um “privilégio" ter trabalho com um médico que “tinha uma obsessão, às vezes frenética, de servir o outro”.

E Francisco George garante que foi “amigo de todos os ministros” e de todos lembrou a “simpatia”. Foi-lhe fácil, diz, porque “não há caminhos para controlar uma epidemia pela esquerda ou pela direita”. De facto, “os ministros saíram e ele ficou sempre”, notou Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, para quem o amigo de infância “é um homem da saúde pública e de causas sociais, o construtor do Serviço Nacional de Saúde”.

E de um amigo de escola primária, Marcelo Rebelo de Sousa, veio uma promessa. Por ser "um exemplo de serviço à causa pública", Francisco George vai ser condecorado pelo Presidente da República com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito, que distingue actos em favor do colectivo. O médico já recebeu das mãos de Jorge Sampaio, em 2006, a condecoração de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique – a mesma que Ramalho Eanes entregara ao seu pai, Carlos George, médico e director do Hospital de Santa Marta, em Lisboa.

O Papa, a Legionella e o prémio

“O comunicador”. O médico que “tranquilizava os portugueses”. “Um sem horas”. “Um exemplo de cidadania e profissionalismo”. Uma a uma, figuras da área saúde, governantes e ex-ministros, médicos e tantos que contactaram com Francisco George ao longo dos seus 44 anos no serviço público de saúde, elogiam-lhe a clareza da comunicação e a calma em frente às câmaras apesar  do frenesim com que trabalhava.

Desses anos, George recordou os dias de 1980, em África, onde estava ao serviço da Organização Mundial de Saúde e se viram os primeiros casos de um vírus desconhecido, o VIH/sida. Lembrou o “brilho especial” que ele, não crente, viu no Papa João Paulo II que abraçava dezenas de doentes com lepra, num dia de 1990.

E prestou contas. O surto da bactéria da Legionella em Vila Franca de Xira foi o que mais o marcou nos 17 anos que esteve na DGS – primeiro como subdirector e desde 2005 como director-geral. Levou em frente as bandeiras da legalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, a proibição de fumar em recintos fechados e a reforma da Saúde Pública.

Prémio Francisco George

Por nestes 44 anos se ter tornado numa espécie de sinónimo da saúde pública em Portugal, o Ministério da Saúde criou o Prémio de Saúde Pública Francisco George que vai atribuir todos os anos cinco mil euros aos autores do melhor estudo de investigação na área.

Na cerimónia estiveram ainda presentes o secretário de Estado da Saúde, anteriores ministros como António Correia de Campos, Leonor Beleza e Ana Jorge, os bastonários dos Médicos, dos Enfermeiros, e dos Nutricionistas, o cirurgião Eduardo Barroso e o psiquiatra Daniel Sampaio, o social-democrata Luís Marques Mendes e as socialistas Maria de Belém e Helena Roseta.

A despedida de Francisco George foi uma espécie de aula, a última, que terminou com uma demorada salva de palmas e, como no início, uma longa fila que esperava, já antecipara Ferro Rodrigues, “as fortíssimas palmadas nas costas” que o médico dá em todos os abraços.