Nível de emissões de CO2 duplica com incêndios em Setembro e Outubro
Portugal pode pedir para não contabilizar emissões dos incêndios deste ano, mas tem tempo para decidir, até 2019.
Os incêndios registados em Portugal no último mês e meio, especialmente os do fim-de-semana passado, terão duplicado o montante das emissões de dióxido de carbono registadas nos oito meses anteriores. Em 31 de Agosto, as estimativas preliminares da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), apontavam para os 4,4 milhões de toneladas de CO2 derivados de quase 214 mil hectares de área ardida. Neste valor estava já incluída a zona de Pedrógão Grande.
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Os incêndios registados em Portugal no último mês e meio, especialmente os do fim-de-semana passado, terão duplicado o montante das emissões de dióxido de carbono registadas nos oito meses anteriores. Em 31 de Agosto, as estimativas preliminares da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), apontavam para os 4,4 milhões de toneladas de CO2 derivados de quase 214 mil hectares de área ardida. Neste valor estava já incluída a zona de Pedrógão Grande.
Agora, atingidos os 520.515 hectares de área ardida, a maior de sempre, as emissões de dióxido de carbono deverão superar os oito milhões de toneladas. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) diz ainda não dispor de dados oficiais. Mas admite, ao PÚBLICO, que “as emissões poderão ser da mesma ordem de grandeza das relativas ao ano de 2003, em que arderam 475.531 hectares e as emissões correspondentes foram cerca de oito milhões de toneladas de CO2 equivalentes, mas este valor dependerá necessariamente da ocupação do solo e respectivas espécies em causa”.
Face a estes valores, Portugal tem em aberto a possibilidade de recorrer ao mecanismo do Protocolo de Quioto (o segundo período do compromisso que está em vigor vai até 2020) que permite não contabilizar emissões de fenómenos naturais, como os incêndios, que causem emissões “anormalmente elevadas" e penalizem o cumprimento das suas metas de redução. A APA recorda que no caso português esse valor é de cerca de 2,3 milhões de toneladas CO2 equivalentes. “Portugal até à data nunca teve necessidade de aplicar esta medida para efeitos do cumprimento dos compromissos assumidos a nível internacional e europeu”, esclarece. Mas para ser concretizada ainda levará tempo. “Só poderá ser avaliada após o conhecimento dos dados finais relativos a este ano e só terá de ser decidida e comunicada em 2019 (data em que são formalmente submetidos os dados relativos a 2017)”.
Para essas contas, entram também a capacidade de a floresta regenerar-se, e com isso, retirar da atmosfera parte das emissões que libertou. A tendência desde os anos de 1990 é de uma perda líquida de 10 mil hectares de floresta por ano, ou seja, floresta que depois de ardida não o volta a ser. Não volta a ser sobretudo pinheiro bravo, sublinha Paulo Fernandes, investigador em ciências florestais e professor da Universidade de Trás-os-Montes.
Na parte da floresta que tem sido reposta, a expansão relativa do eucalipto deve ser vista, para Henrique Pereira dos Santos, arquitecto paisagista, à luz de uma “lógica económica”. Explica: o ciclo de fogo em Portugal oscila entre os 12 a 15 anos, o pinheiro precisa de cerca de 20 anos para repor e o eucalipto apenas de 10 para atingir a sua fase de corte. Não são as contas das celuloses mas dos “muito pequenos proprietários”, independentemente do impacto que a opção tenha sobre o ordenamento florestal.
Incêndios de 60 mil hectares
Os incêndios florestais em Portugal representam em média 1% a 9% do total anual dos 64 milhões de toneladas de gases com efeito de estufa (GEE) libertadas para a atmosfera. Desde Janeiro até ontem, com os 520.515 hectares de área ardida, o impacto será já de 12,5%, vários pontos acima da média, seguindo os cálculos de três investigadores, dois portugueses e um italiano, sobre a relação entre os incêndios e as emissões de GEE, especialmente dióxido de carbono (CO2). O estudo, de Isabel Rosa, José Pereira e Stefano Tarantola, ligado ao projecto europeu Copernicus, partiu dos dados recolhidos pelo programa de satélites Landsat das zonas ardidas e encontra “uma elevada correlação entre a área ardida e as emissões pirogénicas [de incêndios florestais] em Portugal entre 1990 e 2008”.
Enquanto se aguardam as estimativas oficiais para o que se passa no país, o artigo, publicado na revista científica Atmospheric Chemistry and Physics, em 2011, permite também extrapolar para os anos seguintes, servindo de referência a trabalhos nesta área.
Nos 18 anos em estudo, a variação da área ardida chegou a ser de 50 dígitos, de nove mil hectares em 2008 para 440 mil em 2003. O ano de 2017 acentua essa amplitude: até ontem foram 520.515 hectares, o maior valor de sempre, segundo as estimativas a partir dos satélites em que se apoia o projecto Copérnico, da União Europeia.
São os mesmos satélites que indicam que, no fim-de-semana passado, Oliveira do Hospital ficou sem 61.256 hectares de floresta de uma só vez, Lousã sem 61.180 hectares. Portugal não conhecia incêndios de 60 mil hectares. Até agora.
Um fogo com esta dimensão, quando acontece, é “só onde não vive ninguém”, diz Paulo Fernandes. Não é o caso dos dois concelhos povoados.