Virá aí a revolução na prevenção e combate a incêndios?

Peritos propuseram medidas de curto, médio e longo prazo. Governo deverá mudar tudo, começando pelas comunicações, meios aéreos, mexidas na Protecção Civil e na qualificação de bombeiros.

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O pacote legislativo abrange várias áreas, como, por exemplo, a estrutura e o comando da autoridade Nacional da Protecção Civil Nuno Ferreira Santos

Se tudo o que a Comissão Técnica Independente propôs for adoptado, não restará pedra sobre pedra na forma como em Portugal se previnem e se combatem os incêndios. E desta vez, para responder à tragédia e ao repto do Presidente da República de que é necessário um "novo ciclo", as políticas saltarão da gaveta rapidamente, aprovadas em tempo recorde pelo Governo, neste sábado.

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Se tudo o que a Comissão Técnica Independente propôs for adoptado, não restará pedra sobre pedra na forma como em Portugal se previnem e se combatem os incêndios. E desta vez, para responder à tragédia e ao repto do Presidente da República de que é necessário um "novo ciclo", as políticas saltarão da gaveta rapidamente, aprovadas em tempo recorde pelo Governo, neste sábado.

As propostas foram ainda elaboradas por Constança Urbano de Sousa e serão tantas as mudanças que nem todas poderão entrar em vigor ou ser aplicadas de um dia para o outro, dizem os peritos da Comissão Técnica Independente, que elaboraram as recomendações. 

O pacote legislativo abrange áreas tão diversas como a criação de uma Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, a gestão dos meios aéreos de combate aos incêndios, as comunicações de emergência (SIRESP), a estrutura e comando da Autoridade Nacional da Protecção Civil (ANPC) ou mesmo a qualificação que é dada a bombeiros, comandantes e outros agentes da protecção civil.

"Com base nos trabalhos que acompanhei, não tenho qualquer dúvida em afirmar que há em Portugal conhecimento adequado para qualificar o sistema de gestão florestal e de combate aos incêndios", diz ao PÚBLICO o professor João Guerreiro, coordenador do documento. 

O PÚBLICO fez um apanhado daquilo que de mais importante deverá mudar 

Mudança de paradigam. Criar a Agência para a Gestão de Fogos Rurais

Em Espanha, há uma equipa ao nível nacional, constituída por militares, que intervém nos fogos de grande dimensão. Os peritos foram até ao país vizinho para estudar e apresentaram uma solução para Portugal, que apesar de ir beber à solução espanhola, é de outra natureza. Por cá, os peritos são mais comedidos na proposta e querem, utilizando os recursos existentes, propôr a criação de uma Agência para a Gestão de Fogos Florestais, altamente especializada, que sirva de chapéu à estratégia que defendem: unir prevenção e combate a incêndios numa única entidade com a tutela directa da Presidência de Conselho de Ministros.

Esta será uma mudança de paradigma ao que existe actualmente, em que a prevenção está de um lado e o combate de outro. Aliás, para os técnicos não faz sentido que os bombeiros não estejam envolvidos na prevenção. Seria um acréscimo de eficiência o conhecimento do terreno. 

Para aumentar a eficácia nos combates, propõem ainda uma separação entre as acções de “protecção de pessoas e bens” e a “gestão dos incêndios rurais”, uma vez que, dizem, "proceder em simultâneo à defesa da floresta contra incêndios e à defesa de pessoas e de bens, dando normalmente a prioridade à segunda, implica frequentemente um enorme desajustamento de meios, objetivos e responsabilidades".

Esta será a mudança estrutural mais difícil de implementar pela quantidade de métodos enraizados que alterará e pela morosidade que implicará.

Não às nomeações, sim aos concursos

Uma das maiores críticas feitas à estrutura de comando da ANPC é a não correlação entre as competências pessoais e os cargos que vão desempenhar. Isto porque não há um perfil definido com indicação das valências que cada pessoa deve ter para ocupar determinado cargo. E isto acontece porque a ANPC funciona numa estrutura de nomeação. O presidente como uma nomeação política, que em seguida escolhe a sua equipa operacional. 

Não será uma medida difícil de tomar, apesar de poder demorar algum tempo para assegurar o necessário equilíbrio entre experiência e novas caras nos cargos. Por isso os técnicos propõem uma "substituição progressiva, mas com implementação imediata, do atual sistema de nomeações, por sistema de concursos, com base na formação, nas competências, na experiência e no mérito, de acordo com os perfis definidos para as funções e submetendo-se às regras de seleção de dirigentes superiores previstas na administração pública".

Acabar ou mudar o SIRESP

Os técnicos até não valorizaram por aí além as falhas da rede de emergência nacional na tragédia de Pedrógão Grande, mas são arrasadores para o SIRESP enquanto rede de emergência. Na prática, sugerem que o Governo ou acabe com o SIRESP e opte por outras tecnologias que não sejam "obsoletas" ou actualize a tecnologia utilizada pela rede (TETRA) para que permita outro tipo de informações, como por exemplo o envio de sms à população.

Esta será uma das medidas mais complexas tanto a nível técnico como legal e difícil de implementar de um momento para o outro. O Governo até estava a preparar a renegociação do contrato com o SIRESP, uma vez que este termina em 2018 - e para isso conta até com o novo ministro adjunto que era sócio da Linklaters e preparou um parecer jurídico para o Governo base do processo contra a empresa gestora. Mas as recomendações dos técnicos podem mudar o jogo todo e pedem a Costa que tome uma decisão muito mais estrutural: ou deixa cair o sistema, lançando novo concurso com base noutras tecnologias (3G e 4G) ou actualizar o actual. Se a opção for esta segunda, ainda que de raspão, lembram outra dificuldade que o Governo terá.

Quando o SIRESP foi criado, ficou amarrado a duas empresas: à PT (então pública) por causa das infraestruturas onde corre (cabos, postes, etc) e à Motorola, por causa dos equipamentos. Ou seja, ou há um rompimento total com o sistema actual ou o Governo continuará amarrado à "impossibilidade de escolha no mercado dos equipamentos que possam ser fornecidos nas melhores condições de preço e qualidade".

Mas vão mais longe e querem uma nova estrutura da empresa porque, referem, ela é constituída actualmente por empresas "insolventes, em processo de revitalização ou de credibilidade duvidosa" (a empresa SIRESP, Sa tem como accionistas a SLN, a PT Ventures, a Motorola, a Esegur e a Datacomp).

Gestão de meios aéreos

Este é mais um dos grandes contratos que o Governo tem para renegociar (os contratos plurianuais de aluguer de meios aéreos a empresas privadas terminaram este ano). E será outro momento duro quer tecnicamente, quer legalmente. Os contratos estão directamente ligados com as vária fases de combate a incêndios (Bravo, Charlie e Delta) e a ideia é dar-lhe flexibilidade para que possa haver recurso a meios aéreos fora das fases mais críticas.

Ora os técnicos da CTI não referem estas mudanças na gestão directamente, apesar de sugerirem que deve haver uma maior ligação às condições meteorológicas na definição dos dispositivos de combate.

Neste ponto, quem o defende preto no branco é o perito Domingos Xavier Viegas, que diz que até se compreende que "por razões orçamentais, de planeamento e de contratação de recursos humanos" e "dos meios aéreos, se tenham de prever datas contratuais", mas que "não se pode aceitar que estas datas não disponham de flexibilidade, que permitam antecipar ou adiar a disponibilidade de recursos importantes, para fazer frente a situações mais complicadas". Este é aliás um os pontos mais referidos por António Costa.

Escola Nacional de Bombeiros não serve

Há anos que se debate em Portugal a profissionalização dos bombeiros e há anos que não arranca. O combate a incêndios é feito na sua grande maioria por voluntários (exceptuando a Força Especial de Bombeiros, os sapadores e os Grupos de Intervenção Protecção e Socorro, GIPS da GNR) com formação insuficiente para cenários de incêndios florestais. E é aqui que o relatório toca num ponto sensível: a Escola Nacional de Bombeiros (ENB), financiada pelo erário público, é arrasada enquanto entidade que forma os bombeiros voluntários. 

A CTI propõe uma passagem da ENB para o sistema normal de ensino, com uma certificação diferente das formações e um papel maior a politécnicos e universidades. Mexer na ENB é mexer com a Associação Nacional de Bombeiros e politicamente não será uma tarefa fácil para António Costa.

Conhecimento aplicado à prevenção e combate

Esta será a parte menos problemática de aplicar, mas mesmo assim não será fácil porque altera por completo a maneira de pensar no combate ao fogo, substituindo a hierarquia pelo conhecimento e poderá, além disso, ter alguma despesa associada. Os técnicos querem aplicar conhecimento às diferentes componentes do sistema, desde a prevenção ao combate e para isso sugerem, por exemplo, equipas multidisciplinares que apoiem a decisão.

Para os peritos, é preciso mudar a maneira como o sistema de combate a incêndios actua, uma vez que é "fundamentalmente reactivo", actuando como se "os incêndios fossem um acontecimento de elevada imprevisibilidade", quando, dizem, há elevados graus de previsibilidade desde que se aja com antecipação.

Na antecipação, propõem uma ligação maior ao Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e a criação de bolsas de peritos que ajudem os comandos operacionais. Não é apenas na parte meteorológica que querem aplicar conhecimento, como também na gestão e na aplicação de conhecimento do comportamento do fogo. Aliás, é sugerida a promoção da investigação científica nas áreas da gestão e comportamento do fogo, mas também em modelosde ordenamento e silvicultura preventiva.

Acrescem a estas propostas, as necessárias medidas de ordenamento florestal e também medidas que envolvam as populações, nomeadamente com uma maior sensibilização para comportamentos de risco, com a intenção de diminuir o número de ignições (15.600 em média nos últimos 10 anos).