PP, PSOE e Cidadãos querem eleições na Catalunha em Janeiro
Independentistas deverão declarar uma República antes da entrada em vigor da intervenção do Estado. Resistir às ordens que vierem de Madrid é outra opção.
Sábado será mais um dia na história do conflito entre Barcelona e Madrid. Independentemente das consequências, daqui a alguns anos, quando os historiadores começaram e olhar para este período com distância, 21 de Outubro de 2017 vai ser uma data merecedora de entradas em enciclopédias ou capítulos de livros: o dia em que um Governo espanhol pediu pela primeira ao Senado para aplicar o artigo 155º da Constituição, que lhe permite “dar instruções a todas as autoridades” de uma comunidade autónoma.
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Sábado será mais um dia na história do conflito entre Barcelona e Madrid. Independentemente das consequências, daqui a alguns anos, quando os historiadores começaram e olhar para este período com distância, 21 de Outubro de 2017 vai ser uma data merecedora de entradas em enciclopédias ou capítulos de livros: o dia em que um Governo espanhol pediu pela primeira ao Senado para aplicar o artigo 155º da Constituição, que lhe permite “dar instruções a todas as autoridades” de uma comunidade autónoma.
Quais e como já está decidido, mas só sábado de manhã, após o conselho de ministros extraordinário, se saberá com pormenor em que áreas da governação se planeia intervir e de que forma. O artigo é omisso e antecipam-se polémicas sem fim. “É de esperar uma guerra de constitucionalistas, debates sobre o âmbito e sobre se a Constituição pode ser aplicada tendo em conta a actualidade e as circunstâncias”, dizia há dias em conversa com o PÚBLICO o penalista Rui Patrício.
“Negociámos com o PSOE e Cidadãos medidas para regressar à legalidade” na Catalunha, resumiu o primeiro-ministro, Mariano Rajoy, ainda em Bruxelas, onde participou na cimeira europeia dos últimos dois dias. “Depois, cada um fará a sua avaliação, mas o nosso objectivo é regressar à lei e uma situação de normalidade institucional”, acrescentou. Para além do referendo sobre a independência de 1 de Outubro, declarado inconstitucional pela Justiça, já depois de realizado em toda a Catalunha, o PP tem insistido em descrever o parlamento autonómico como “tomado de assalto pelos independentistas”, para justificar o 155º como meio de “devolver legalidade” à própria autonomia.
Em Madrid, não faltaram membros dos dois partidos da oposição a avançar com medidas concretas – tanto os socialistas como o C’s (direita liberal, partido nascido na Catalunha precisamente para combater o separatismo) querem mostrar que o Governo não faz anda sem o seu aval.
A ex-ministra e secretária para a Igualdade do PSOE, Carmen Calvo, que tem liderado a delegação socialista nas negociações com o Governo (depois de dezenas de encontros entre Rajoy e Pedro Sánchez, nas últimas semanas), afirmou que a intervenção do Estado na Catalunha “pode afectar evidentemente” os Mossos d’Esquadra (a polícia catalã, posta em causa por causa da sua alegada inacção no dia do referendo e suposta cumplicidade com a Generalitat) e a TV-3, a televisão pública da Catalunha. Ainda não se tinha posto em cima da mesa qualquer intervenção nos media e esta possibilidade abriu de imediato uma nova polémica (“Quem disse isso?”, perguntou Rajoy, quando foi questionado na conferência de imprensa em Bruxelas).
Carmen Calvo também garantiu que a intervenção nas competências das instituições autonómicas começaria a ter fim em Janeiro, com a realização de eleições. Sem querer ficar atrás, o líder do C’s, Albert Rivera, confirmou a data. “Na quarta-feira, acordei com Rajoy que as eleições fossem em Janeiro. Em teoria, acordámos o que Rajoy anunciará amanhã [sábado], não Carmen Calvo. Mas em Janeiro, os catalães serão chamados a votar”, disse o político catalão.
O primeiro e grande problema deste plano é que, à partida, “o 155º não permite convocar eleições”, como disse ao diário Nació Digital o catedrático de Direito Constitucional da Universidade de Barcelona Xavier Arbós. A opinião não é única. O artigo, dizem diferentes constitucionalistas, não permite nem apoia a dissolução dos órgãos de poder autonómicos, como a Generalitat (governo regional) e parlamento – nem sequer a suspensão do exercício das suas competências. Marcar eleições, defende Xavier Arbós, implicaria que o Governo modificasse por decreto o Estatuto da Catalunha.
Para além do que diz a lei – e a Generalitat, presidida por Carles Puigdemont, pode recorrer ao Tribunal Constitucional cada vez que considerar uma medida abusiva –, é preciso saber se os funcionários públicos catalães vão obedecer ao que quer que lhes seja ditado pelo Estado central.
“Temos que ver como é que a estrutura de funcionários saem em defesa da soberania deste departamento e como torna impossível o artigo 155º”, afirmou a propósito da possível intervenção na TV-3 Benet Salellas, deputado da CUP (Candidatura de Unidade Popular, partido independentista à esquerda da coligação no poder). A mesma lógica pode ser aplicada a outros departamentos.
Entretanto, Salellas explicou ainda, numa entrevista à própria TV-3, que as forças independentistas estão a trabalhar para que o parlamento proclame a independência da Catalunha nos próximos dias. Essa tal proclamação que Puigdemont evitou fazer a 10 de Outubro, quando esteve perante os deputados para apresentar os resultados do referendo (que acabou por ter uma participação de 47% e um resultado de 90% a favor do “sim”) e lhes pediu que votassem “a suspensão da declaração de independência” para permitir a abertura de um período de diálogo que Madrid recusou.
Duas opções
Só há duas respostas possíveis para Puigdemont: a que lhe pedem Madrid e o PSOE, convocando ele mesmo eleições autonómicas ortodoxas (não constituintes), o que lhe faria perder o apoio de todos os aliados políticos e o tornaria num traidor para os mais de 2 milhões de catalães que votaram e defenderam mesas de voto debaixo dos bastões da polícia; e a que lhe pedem aliados e muitos catalães, declarando unilateralmente a independência.
O último caminho levá-lo-á, com grande probabilidade, à prisão, acusado de “sedição” ou “rebelião”. O primeiro faria dele um pária para uma parte substancial da população da Catalunha. Sábado, saber-se-ão com pormenor as medidas previstas pelo Governo para intervir na região. Isso pode ou não ajudar a mobilizar os independentistas para a manifestação marcada para Barcelona, em protesto contra a prisão preventiva de Jordi Cuixart e Jordi Sànchez, líderes das duas principais associações independentistas.
Segunda-feira, enquanto a proposta de aplicação do 155º andará a ser debatida no Senado, a junta de porta-vozes do parlamento catalão vai reunir-se para fixar a ordem do dia do próximo plenário, a sessão em que os independentistas querem proclamar uma nova República.