É preciso merecer o poder que se tem
A demissão da ministra, depois de o Presidente o ter praticamente exigido, pode abrir espaço ao Governo para rapidamente iniciar um novo ciclo.
Ninguém pode assistir sem dor e sem revolta ao colapso do sistema nacional de protecção civil. Quando as pessoas desamparadas, um pouco por todo o Norte e Centro do país, tentavam apagar as chamas com baldes e enxadas e acabavam a chorar os seus mortos, não se pode dizer-lhes que sejam resilientes. Nem falar em férias sacrificadas. Nem voltar a remeter para relatórios. Não se pode. O Estado falhou e o Governo não foi capaz de perceber a dimensão da tragédia. Como disse o Presidente da República, é preciso “humildade cívica e ruptura com o que não provou ou não convenceu”.
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Ninguém pode assistir sem dor e sem revolta ao colapso do sistema nacional de protecção civil. Quando as pessoas desamparadas, um pouco por todo o Norte e Centro do país, tentavam apagar as chamas com baldes e enxadas e acabavam a chorar os seus mortos, não se pode dizer-lhes que sejam resilientes. Nem falar em férias sacrificadas. Nem voltar a remeter para relatórios. Não se pode. O Estado falhou e o Governo não foi capaz de perceber a dimensão da tragédia. Como disse o Presidente da República, é preciso “humildade cívica e ruptura com o que não provou ou não convenceu”.
Sabemos que há causas estruturais que não se vencem de um dia para o outro e que os problemas mudam de natureza quando mudam de escala. É o que está a acontecer em Portugal com os fogos florestais. Mas a verdade é que não estivemos à altura. Depois de Pedrógão, uma tragédia imensa que nos apanhou de surpresa, tínhamos o dever da vigilância, da previsão e da prontidão para mobilizar os meios que impedissem um novo desastre. Não fomos capazes.
Sou deputada, faço parte das bancadas que apoiam este Governo, pelo qual me bati e bato. Irei votar contra a moção de censura do CDS. Mas por isso mesmo não posso deixar de dizer ao Governo e ao primeiro-ministro: é preciso merecer o poder que se tem. É preciso coragem para reconhecer os erros e mudar o que tem de ser mudado. Devemos isso aos que morreram pela nossa inépcia.
Não quero voltar a ouvir notícias sobre os locais de difícil acesso onde os bombeiros não chegam. Não somos capazes de abrir os aceiros que são necessários? Não temos forças militares e autarquias para promover as tarefas de defesa de um território que fomos deixando ao deus-dará? Não conseguimos organizar nas nossas aldeias pontos de refúgio seguros? Isto não podia ter sido feito em quatro meses? Andámos tão empolgados em campanhas eleitorais que nos esquecemos do nosso dever primeiro, cuidar dos nossos concidadãos mais frágeis e esquecidos?
Sabia-se do clima e da meteorologia, das elevadas temperaturas, do furacão Ophelia e da seca generalizada. E que no Outono as pessoas começam a fazer as suas queimadas. Ninguém se preocupou em alertar o país rural para o perigo dessa prática este ano? O Governo esteve à espera de relatórios independentes, sabemos bem, mas que medidas imediatas tomou? Por que é que o Ministério da Administração Interna não conseguiu sequer programar devidamente a disponibilidade de meios aéreos e no terreno? Desculpem, mas isto tem um nome: incompetência.
Sei que este é um momento muito difícil para quem tem a responsabilidade de governar. Mas mais difícil é para quem perdeu vidas, bens, animais, culturas, casas, floresta. Não chegam os pêsames e as promessas de solidariedade. Cada um deve avaliar se está à altura do que lhe é pedido. A ministra da Administração Interna percebeu finalmente que tinha de sair pelo seu pé. Teve até ao fim a confiança do primeiro-ministro, faltou-lhe a dos governados. O seu pedido público de demissão, depois de o Presidente o ter praticamente exigido, pode abrir espaço ao governo para rapidamente iniciar um novo ciclo, tomar as decisões que se impõem e fazer a reforma do sistema nacional de protecção civil, garantindo o papel do Estado na defesa do território e das populações, sem os quais Portugal não pode subsistir.