Demissões com estrondo: de Armando Vara a Constança Urbano de Sousa

Há demissões que davam um filme. A de Constança Urbano de Sousa, por exemplo, daria um thriller. A de Manuela Arcanjo uma comédia trágica. A de Isaltino Morais certamente seria um policial. A de Henrique Chaves uma história de traição. Mas há mais ministros que saíram de cena e fizeram ondas.

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A maior parte dos membros do Governo, quando se demite, alega razões pessoais, familiares ou outras impossibilidades previamente combinadas com o primeiro-ministro. As saídas são normalmente acordadas de forma a não criarem ondas de choque e a não piorarem o estado das coisas. Mas há outras demissões que causam estrondo – e não é preciso recuar aos tempos do cavaquismo.

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A maior parte dos membros do Governo, quando se demite, alega razões pessoais, familiares ou outras impossibilidades previamente combinadas com o primeiro-ministro. As saídas são normalmente acordadas de forma a não criarem ondas de choque e a não piorarem o estado das coisas. Mas há outras demissões que causam estrondo – e não é preciso recuar aos tempos do cavaquismo.

Dezembro de 2000

Armando Vara: A fundação dita a saída

A história da demissão de Armando Vara, então ministro da Juventude – e também de Luís Patrão, secretário de Estado da Administração Interna –, só este ano foi conhecida na totalidade, quando o jornalista José Pedro Castanheira a contou no segundo volume da biografia política de Jorge Sampaio. Na altura em que aconteceu, em Dezembro de 2000, criou-se a ideia de que havia sido o Presidente da República a pressionar a saída, na sequência das notícias sobre irregularidades detectadas na Fundação para a Prevenção e Segurança, criada quando Vara era secretário de Estado da Administração Interna sem o conhecimento do primeiro-ministro, António Guterres. O que o livro de José Pedro Castanheira veio explicar é que a demissão de Vara e Patrão foi uma iniciativa de Guterres, apesar de Sampaio se estar a preparar para exigir as duas saídas. Foi Jorge Reis Novais, constitucionalista, a contar a história como ela se passou. “[Sampaio] Pediu-me que fizesse o esboço de uma declaração, a pressionar a demissão do Vara, para ser divulgada a seguir à audiência. Mas para surpresa do Sampaio, o Guterres já vinha com uma proposta nesse sentido”, esclareceu o antigo conselheiro presidencial na biografia. Confrontado com a decisão de Guterres, que ia de encontro à sua própria opinião, o que Sampaio terá feito foi propor a extinção da fundação.

Junho de 2001

Manuela Arcanjo: Demitida em pleno debate

Estava Manuela Arcanjo, então ministra da Saúde, a dar a cara pelo governo no plenário da Assembleia da República, quando uma televisão começou a emitir imagens de António Guterres a caminho de Belém. O objectivo do primeiro-ministro era apresentar ao Presidente da República o nome do sucessor de Manuela Arcanjo, recém-demitida. Sim, a ministra estava num debate parlamentar já demitida. A incredulidade de Manuela Arcanjo perante tal atitude do chefe do governo levou-a a convocar uma conferência de imprensa, na qual foi arrasadora para Guterres. Contou que tinha pedido a demissão no dia 4 desse mês de Junho e que a mesma foi aceite uma semana depois pelo primeiro-ministro. Acrescentou que Guterres lhe pediu para se manter no cargo e disse "estar arrependida" de ter dado o seu ok a esse pedido. Assumiu ainda que, em 22 meses, nunca lhe foram dadas as condições que ela exigiu para o exercício do cargo. Em suma, a ministra tinha pedido a demissão, que foi aceite, mas só soube que o seu tempo no executivo tinha acabado quando as imagens de Guterres a chegar a Belém surgiram na comunicação social.

Abril de 2003

Isaltino Morais: A conta do sobrinho

A história que levou Isaltino Morais a sair do governo de Durão Barroso e Paulo Portas é digna de filme. Envolve investigação jornalística, irregularidades financeiras, um sobrinho taxista e uma conta recheada na Suíça com dinheiro que não foi comunicado ao fisco. Foi o jornal Independente que a contou, em Abril de 2003, dando seguimento a uma tradição de publicar manchetes que fizeram cair ministros. Isaltino Morais deixou o executivo pelo seu próprio pé na sequência dessa notícia e, em 2005, foi a votos e regressou à Câmara de Oeiras. Mas nessa altura já a zanga com o PSD, liderado pelo seu ex-colega do Conselho de Ministros Luís Marques Mendes, era de tal ordem que Isaltino foi como independente, sem o apoio do seu partido de sempre. Desde então, o PSD não mais voltou a presidir àquela autarquia.

Novembro de 2004

Henrique Chaves: O princípio do fim

Henrique Chaves não era só ministro-adjunto do primeiro-ministro Pedro Santana Lopes. Também era seu amigo há muitos anos quando, em 2004, se afastaram de vez. E com estrondo. Numa remodelação supostamente forçada por pressão presidencial, Santana Lopes baixou a patente de Henrique Chaves de ministro-adjunto para ministro da Juventude, Desporto e Reabilitação. Chaves já tentara demitir-se antes, mas havia sido convencido a ficar com a justificação de que a sua saída seria interpretada como sinal de “um irregular funcionamento das instituições”. Só mais tarde o ministro terá percebido que os motivos que lhe foram apresentados para permanecer no Governo não correspondiam à realidade. Afinal, a remodelação havia sido delineada “semanas antes, de forma detalhada e reiterada” e teria sido estudada também “a intenção, alegadamente firme, de se proceder à demissão de um outro ministro”. Não passou uma semana e, com Santana em Vila Real, Henrique Chaves demitiu-se num comunicado em que acusava o chefe do governo de “grave inversão dos valores da lealdade e verdade”. O comunicado dizia ainda: “Convidado para ministro-adjunto, nunca me foi dada oportunidade de exercer qualquer função ao nível da coordenação do Governo, própria das funções inerentes a esta pasta”. Três dias depois deste episódio, Jorge Sampaio anunciou a sua intenção de dissolver a Assembleia da República. Foi o fim da curta experiência de Santana Lopes como chefe do executivo.

Julho de 2005

Luís Campos e Cunha: Quatro mesinhos apenas

Bastaram quatro meses – e várias pressões por parte do primeiro-ministro José Sócrates, segundo conta o próprio – para que Luís Campos e Cunha se demitisse do cargo de ministro das Finanças. À semelhança do que fez esta quarta-feira Constança Urbano de Sousa, também Campos e Cunha escreveu uma carta, que Sócrates guardou em casa, à revelia da lei. Esta foi uma daquelas demissões justificadas com “motivos pessoais, familiares e de cansaço”, mas que na verdade teve a ver com decisões políticas que eram exigidas ao governante e que ele não quis cumprir. “Desde o início, como ministro das Finanças, fui pressionado pelo primeiro-ministro [José Sócrates] para demitir o presidente da CGD e a administração da CGD”, confessou Campos e Cunha, professor da Universidade Nova de Lisboa, já este ano. A sua substituição foi garantida por Fernando Teixeira dos Santos, que tomou posse 24 horas depois.

Julho de 2013

Vítor Gaspar: Uma demissão irrevogável

A verdadeira demissão irrevogável foi protagonizada por Vítor Gaspar no Verão de 2013 e podia ter levado a outra: a de Paulo Portas. Mas não levou. Na carta de demissão então enviada ao primeiro-ministro, Vítor Gaspar queixou-se da falta de coesão da equipa governativa e avisou Pedro Passos Coelho de que “os riscos e desafios dos próximos tempos” eram enormes. Não era a primeira vez que Gaspar tentava demitir-se, como explicava na missiva, por estar confrontado com “as suas próprias limitações e responsabilidades” e com os sucessivos chumbos do Tribunal Constitucional às medidas por si propostas. Com a sua saída, o ministro pretendia dar ao governo a possibilidade de entrar numa nova fase: depois do ajustamento, viria o momento do investimento. Mas o rosto escolhido para o substituir era demasiado conotado com as suas políticas. Maria Luís Albuquerque, a sucessora, era vista como um sinal de continuidade. Paulo Portas não tolerou o sinal e demitiu-se também num acto que considerou “irrevogável”. Pedro Passos Coelho não aceitou a demissão. Portas ficou. Maria Luís também.