“Costa tem cometido erros políticos que custaram vidas”
Nuno Magalhães, líder parlamentar do CDS, elogia Marcelo. Diz que a moção de censura se justifica mesmo que o Governo saia reforçado. E responsabiliza o primeiro-ministro: um pedido de desculpas pressupõe sinceridade.
"Bastou um discurso do sr. Presidente” para o primeiro-ministro recuar, diz Nuno Magalhães, em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença. Mas a censura ainda se justifica mais agora — porque Costa não reconhece “erros graves”.
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"Bastou um discurso do sr. Presidente” para o primeiro-ministro recuar, diz Nuno Magalhães, em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença. Mas a censura ainda se justifica mais agora — porque Costa não reconhece “erros graves”.
O Presidente deu um caderno de encargos ao Governo. Entretanto, António Costa aceitou a demissão da ministra da Administração Interna, pediu desculpas, anunciou que haverá indemnizações às vítimas e verbas no Orçamento para o que for preciso. Estão cumpridos os mínimos? Continua a justificar-se uma moção de censura?
Não, não estão. E a moção de censura continua a justificar-se. Eu diria até que, de certa forma, a moção de censura justifica-se ainda mais. Aquilo que dizemos é que era preciso dar corpo institucional, parlamentar, político à indignação que era geral face à falência total do Estado numa área de protecção das pessoas — que é a área mais essencial de qualquer Governo. Isso baseou-se numa segunda oportunidade que o primeiro-ministro perdeu. Há quatro meses, em Pedrógão, tivemos uma posição dura, mas demos uma oportunidade ao Governo. Quatro meses depois, aquilo que era impensável repetiu-se. Pior: repetiu-se depois de um relatório que apontava culpas graves, claras — de descoordenação, de alocação de meios — directas ao Governo. Pior ainda: na segunda-feira, o sr. primeiro-ministro veio dizer que todos os meios foram disponibilizados, tudo estava bem. Bastou um discurso do Presidente para o primeiro-ministro pedir uma espécie de desculpas...
Não considera que houve pedido de desculpas?
Acho que não, um pedido de desculpas pressupõe sinceridade. Aquilo foi uma resposta a um desafio a que o primeiro-ministro, de forma até muito pouco elegante, vem dizer que não tinha pedido desculpas, porque só pede desculpas na sua vida privada... Como quem diz que só pede desculpas quando chega tarde a casa e não traz o jantar. É de uma leveza que continua a ser chocante.
Mas reconheceu que os mortos lhe pesam na consciência.
Quer dizer, o primeiro-ministro, depois do discurso do Presidente terá... Não sei se terá caído na realidade, mas pelo menos terá caído na percepção de que tem cometido erros políticos graves nos últimos meses, que custaram vidas. Eu não ponho em causa que isso lhe pese na consciência. Ponho em causa é que o primeiro-ministro tenho feito tudo para evitá-lo. E isso justifica a moção de censura.
Vão ser esse os pressupostos da moção de censura?
Repare: Doze horas depois do discurso do Presidente, o primeiro-ministro já acha que tem que pedir uma espécie de desculpas. Doze horas depois o sr. primeiro-ministro já mandou indemnizar as vítimas, com um mecanismo que o CDS, PSD e PCP propuseram há três meses!
Da comunicação do Presidente retira-se que perdeu a confiança política no Governo?
Acho que o sr. Presidente interpreta que o país perdeu a confiança no Governo, pelo menos para fazer face a esta questão, de matérias de soberania na área da segurança interna.
Essa perda de confiança do país é recuperável ou foi um golpe final?
Não sei, o que acho é que as pessoas neste momento vivem angustiadas — e têm razão para isso. As pessoas perceberam que o Estado, numa área em que tem que ser forte, falhou.
O Presidente fala em “fragilização do Estado”.
Claro. O Estado falhou. Eu próprio, quando vejo pessoas em desespero, a fugir ao fogo em contramão, comandantes de bombeiros a dizer “por amor de Deus, ajudem-me que não sei o que hei-de fazer”, acho que a dúvida é legítima. E não encontro nenhum melhor motivo para censurar o Governo do que o Estado falhar no que é mais essencial, a protecção de vidas.
Esta moção parece quase por encomenda do Presidente. Houve articulação?
Não, de todo. Acho o momento excessivamente grave para qualquer tipo de calculismo político. A presidente do partido reuniu a comissão directiva, houve unanimidade, e por questão de cortesia informou o sr. Presidente da República. A articulação que houve foi esta, é questão de respeito institucional.
O que quis o Presidente dizer ao afirmar que, se a moção do CDS for aprovada, se evita um equívoco?
O Presidente foi certeiro. Acho que se evita uma espécie... do que tem sido a vida parlamentar nestes dois anos, que é os partidos que estão mas não estão.
PCP e Bloco?
Claro. O Presidente disse-o: quer um novo ciclo para ser feito o que é preciso fazer. E que para ser feito...
O Presidente responsbilizou o PCP e BE pelo que sair destas decisões?
A minha interpretação é essa.
O CDS entrega a moção nesta semana, será votada na próxima. Tendo em conta que há Conselho de Ministros no sábado, o chumbo não vai reforçar a legitimidade do Governo?
Acho que não, mas, mesmo que reforce, o CDS faz bem em apresentar a moção de censura. Repito: esta não é uma moção calculista. É para dar corpo político a uma indignação de um país, que viu em quatro meses perderem a vida mais de cem pessoas. Para ser frontal: isso para nós não foi calculado. Para mim é indiferente se sai reforçado ou não sai. É preciso que, quando falha, o Estado seja censurado. Se sai reforçado ou não, saberão PCP, BE, Verdes e PS.
Acha possível um outro Governo com este Parlamento?
Não é possível com este PS, que escolheu legitimamente virar à esquerda, escolheu os seus parceiros. A líder do CDS foi muito clara logo a seguir às autárquicas que só faria neste contexto coligação com o PSD. Por isso, acho que não.
O Presidente disse que esta era a última oportunidade do Governo. Se acontecer nova tragédia, há soluções nesta Assembleia ou teremos que ir para eleições?
Acho muito difícil, mas há aí variáveis que desconheço — se o líder do PS continuará a ser António Costa, quem será o próximo presidente do PSD...
A crise do PSD não impede que se possa pensar em eleições?
O estado do PSD é isso mesmo, é o estado do PSD. É um partido que percorreu com o CDS um caminho muito difícil, mas que salvou o país de uma situação de emergência e de forma leal. Por isso merece a nossa lealdade e o nosso respeito. A forma de demonstrar respeito pelo PSD é não fazer nenhum comentário. Mas esta moção de censura também não foi uma espécie de marcação ao PSD. Não foi. Não foi um truque, não foi uma táctica, foi uma indignação.