Temo que não aprendamos à segunda tragédia: é preciso um Plano Marshall para o interior
A 30 de junho, semana e pouco depois de Pedrógão, escrevi nestas páginas: “Parecemos então fadados a discutir as próximas décadas no período de emergência para depois passarmos as próximas décadas a discutir as emergências”. Escrevi isto quando o Parlamento começava, após o choque, a discutir em força a reforma florestal que antes tinha deixado parada.
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A 30 de junho, semana e pouco depois de Pedrógão, escrevi nestas páginas: “Parecemos então fadados a discutir as próximas décadas no período de emergência para depois passarmos as próximas décadas a discutir as emergências”. Escrevi isto quando o Parlamento começava, após o choque, a discutir em força a reforma florestal que antes tinha deixado parada.
Todos os atores políticos — o governo, a Assembleia da República, os grupos parlamentares, os partidos — contribuíram para inverter as prioridades do debate sobre o que tinha acontecido em Pedrógão. Primeiro a reforma florestal, como se alguém acreditasse que iria ser implementada a tempo de mudar alguma para este verão. Só depois, e por decorrência do relatório técnico saído há poucos dias, se começou a debater a meio-gás o que era urgente: a proteção civil, o combate aos incêndios e os sistemas de emergência. O Parlamento deveria ter tido coragem para admitir que a reforma florestal, que estava parada antes, poderia ter ficado para este inverno. O governo deveria ter tido a previdência de trabalhar no reforço imediato da proteção civil para um tempo em que os fenómenos meteorológicos extremos se arriscam a tornar no novo normal. A oposição deveria ter alertado imediatamente para a necessidade de preparar o país para uma nova catástrofe que poderia ocorrer logo no dia seguinte ou na semana seguinte. Ocorreu cinco meses depois. Não estávamos preparados. Não aprendemos a lição. Temo que ainda não a tenhamos aprendido.
Não que a classe política tenha apenas passado o tempo a discutir o que era estrutural e se tenha esquecido de discutir o tempo imediato. Mas em termos de política de curto prazo, concentrou-se apenas num tema: saber se a ministra da Administração Interna deveria ou não ser demitida. (A moção de censura ao governo agora anunciada pelo CDS vai exatamente no mesmo inqualificável sentido.)
Temo pois que não tenhamos aprendido a lição porque, mais uma vez, nos encontramos a fazer a discussão da penúltima crise. Após Pedrógão, discutimos a floresta e o pinhal e a eucaliptização, temas importantes sem dúvida. Mas não discutimos a proteção civil e os bombeiros.
Agora discutiremos a proteção civil e os bombeiros. Só que a catástrofe vai muitos passos à nossa frente. O número de vítimas mortais — e cada vítima mortal é sempre, por natureza, incomparável e incomensurável — torna muito difícil encarar esta realidade: no passado domingo ocorreram em Portugal vários Pedrógãos. Quantos — cinco, seis? — não sabemos. Mas sabemos que a recuperação social e territorial que é agora o nosso desafio não se poderá jamais fazer em cima de apenas peditórios e espetáculos de solidariedade.
Após a catástrofe nacional de passado dia 15, é obrigatório discutir um Plano Marshall — a referência é batida, mas entende-se rapidamente o que quero dizer — para o interior do país e para as zonas afetadas. Discuta-se a proteção civil, sim. Mas se não se discutir já a recuperação económica e social corremos o risco de abandonar estes portugueses uma vez mais. Se não discutirmos já a valorização das pessoas e do território, não estaremos a fazer justiça às vítimas.
Porquê? Porque é urgente e porque é possível: o Orçamento do Estado para 2018 acabou de dar entrada no Parlamento. Eu respeito o partido que — ao invés de aproveitar o momento para marcar pontos mediáticos — diga o seguinte: “estamos dispostos a sentar-nos à mesa do orçamento para o alterar na especialidade tendo em conta a nova situação no interior do país, e estamos dispostos a fazê-lo mesmo que isso signifique que algumas das boas notícias do orçamento não possam agora ser tão generosas como antes se pensava”. É impensável que este orçamento possa ser aprovado sem um plano substancial e decisivo para a recuperação do interior e das zonas de catástrofe, que nos permita depois pedir também a ajuda da UE para um novo pacote do Fundo de Desenvolvimento Regional dedicado à reconversão da floresta portuguesa. Ou há solidariedade entre portugueses ou não teremos moral para exigir solidariedade aos outros.