“O São Carlos tem de ter a humildade de sair do palácio”

O único teatro nacional de ópera não pode continuar a ser "orgulhosamente só", defende Carlos Vargas, presidente do conselho de administração do OPART, defendendo a necessidade de olhar para outros públicos.

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Carlos Vargas, presidente do conselho de administração do OPART NUNO FERREIRA SANTOS

Foi em 1984 que o Teatro Nacional de São Carlos esteve no Porto pela última vez, com duas óperas, O Elixir do Amor (Donizetti) e O Barbeiro de Sevilha (Rossini) – faz este mês precisamente 33 anos. O único teatro de ópera do país regressa agora ao Norte com Turandot, a emblemática obra de Puccini, numa operação que é uma das pontas da sua nova estratégia fora de portas, explicou ao PÚBLICO Carlos Vargas, presidente do conselho de administração do OPART, o organismo que gere o São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado e que tem a sua sede no histórico edifício do Chiado.

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Foi em 1984 que o Teatro Nacional de São Carlos esteve no Porto pela última vez, com duas óperas, O Elixir do Amor (Donizetti) e O Barbeiro de Sevilha (Rossini) – faz este mês precisamente 33 anos. O único teatro de ópera do país regressa agora ao Norte com Turandot, a emblemática obra de Puccini, numa operação que é uma das pontas da sua nova estratégia fora de portas, explicou ao PÚBLICO Carlos Vargas, presidente do conselho de administração do OPART, o organismo que gere o São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado e que tem a sua sede no histórico edifício do Chiado.

Já em Lisboa, data de há duas décadas a última saída para o Coliseu dos Recreios, a sala onde se iniciará a digressão do São Carlos neste arranque da temporada lírica, enquanto decorrem pequenas obras de manutenção no Chiado.

“O São Carlos não é o edifício. É muito mais do que isso”, explica Carlos Vargas. E este teatro nacional precisa de pensar-se de outra maneira: “Estas casas, que são muito grandes e muito importantes, têm de fazer um esforço para se saber ler. Somos uma comunidade de pessoas que sabem fazer, mas também somos uma comunidade de público.”

O São Carlos, acrescenta, precisa de ganhar escala e nesse sentido o regresso aos Coliseus não é uma vontade de voltar ao passado. “Não se ganha escala só aqui. Há muitas comunidades, muitos públicos, e nós devemos ter a humildade de sair do palácio. Este regresso não é uma espécie de peregrinação saudosista de um tempo em que uma elite cultural e uma comunidade política concediam um espectáculo ao povo com variantes razoavelmente menores da prática canónica do São Carlos. Isto não é aquilo que ficou conhecido como 'ópera popular'. Nos Coliseus, estamos entalados entre a Maria Bethânia e a Fafá de Belém, e também é preciso olhar para esses públicos que não são os nossos.”

Com as duas récitas em Lisboa e no Porto, respectivamente a 19 e 21 de Outubro, passa-se de uma capacidade de 750 espectadores para plateias com 1600 ou 2000 lugares. Em termos de bilheteira, os Coliseus oferecem tipologias muito diversas, com entradas a partir dos dez euros e os bilhetes mais caros a 60 (no Porto não ultrapassarão os 30). “Está a correr muito bem. Vivo obcecado com isso e [na segunda-feira] em Lisboa já estavam 1100 bilhetes vendidos, de um total de 1600." No Porto, onde o espectáculo é uma co-produção com o Coliseu, também está a correr bastante bem, com 1400 lugares já vendidos.

Carlos Vargas diz que esta operação nos Coliseus tem de ser consistente – vai repetir-se, promete, na próxima temporada. Começaram a pensar nela quando chegou o novo director artístico, Patrick Dickie, seguindo um caminho já feito pela Orquestra Sinfónica Portuguesa na temporada sinfónica. “Sair, sair, sair. É fundamental.”

Já a seguir, o São Carlos vai fazer The Rape of Lucretia, de Benjamin Britten, no Teatro Nacional de São João, no Porto. “Esta casa tem de ganhar a competência de trabalhar em parceria, de programar em paralelo. O São Carlos era orgulhosamente só.”

Quanto à possibilidade de estas saídas – ou de iniciativas como a do Festival ao Largo, em que o São Carlos ocupa o exterior do edifício – desguarnecerem o que se passa no interior da sala emblemática, Carlos Vargas diz que o espaço ortodoxo já está conquistado: “Na contemporaneidade, o grande paradoxo nestas instituições é que não basta fazer a rotina. Têm de ser capazes de surpreender o público. [Na temporada passada] fizemos o Tristão e Isolda no Centro Cultural de Belém (CCB), que esteve sold out durante dois dias. Este ano, quando abriram as assinaturas, vendemos 900 em duas semanas.”

Quando o teatro sai do São Carlos, aproveita-se para fazer limpeza e manutenção no Chiado. “É o preço a pagar por ter um teatro do século XVIII. Tem uma maquinaria de cena que tem de descomprimir um bocadinho. A função, que é altamente tecnológica, está sempre a criar tensões no edificado.” Estando no Coliseu, o São Carlos não pode estar simultaneamente no seu edifício do Chiado, "porque só tem uma equipa técnica e dois corpos artísticos [orquestra e coro]". De resto, com uma taxa de ocupação que actualmente anda na ordem dos 80% a 90, em muitos dos espectáculos de ópera na sala histórica a procura é maior do que a oferta. “Já temos uma pressão muito grande de turistas. Não temos capacidade para responder à procura.”