Generalitat fala em “presos políticos” e avança para declarar independência
Associações cujos presidentes foram presos voltam a chamar os catalães à rua para “denunciar o défice democrático no Estado espanhol”. Pelo menos 200 mil pessoas manifestaram-se em Barcelona contra a detenção dos Jordis.
A prisão preventiva dos líderes das principais associações independentistas da Catalunha foi recebida em Barcelona como “um novo episódio de vergonha democrática” do Estado espanhol e de repressão contra a Catalunha, disse o conselheiro da presidência e porta-voz da Generalitat, Jordi Turull.
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A prisão preventiva dos líderes das principais associações independentistas da Catalunha foi recebida em Barcelona como “um novo episódio de vergonha democrática” do Estado espanhol e de repressão contra a Catalunha, disse o conselheiro da presidência e porta-voz da Generalitat, Jordi Turull.
Para o governo autonómico, para todos os partidos independentistas mais o Podemos catalão (que defende um referendo mas se opõe à independência), assim como para a autarquia, Jordi Cuixart, líder da Òmnium Cultural, e Jordi Sànchez, à frente da Associação Nacional da Catalunha, são “presos políticos”.
Os dois Jordis são investigados por “sedição”, crime que castiga com penas até 15 anos quem “agir publicamente e de forma tumultuosa” para “impedir, por força ou fora das vias legais, a aplicação de leis”, ou para “impedir a qualquer autoridade o legítimo exercício das suas funções ou cumprimento de acordos ou resoluções administrativas ou judiciais”. Isto por terem apelado a uma manifestação que teria alegadamente como objectivo impedir a Operação Anubis, lançada pela Justiça contra a realização do referendo de 1 de Outubro.
A concentração aconteceu a 20 de Setembro e prolongou-se pela noite. Milhares de pessoas convocadas pelas duas associações juntaram-se diante do Departamento de Economia da Generalitat, em protesto contra as detenções de 11 funcionários do governo catalão, suspeitos de terem a cargo a organização logística do referendo sobre a independência. A concentração foi pacífica, mas dezenas de membros da Guardia Civil estiveram mais de 20 horas sem conseguir sair do edifício e quando muitos já desmobilizavam, um pequeno grupo destruiu três carros deste corpo policial.
Para sustentar a decisão de prisão preventiva (que recusou para o chefe da polícia catalã), a juíza da Audiência Nacional Carmen Lamela considerou que os factos de 20 e 21 de Setembro “não constituíram um protesto cidadão isolado, casual ou convocado pacificamente em desacordo com as actuações policiais”. Foi, diz, uma mobilização “dentro de uma complexa estratégia” com a qual os acusados colaboram há muito “para conseguir a independência da Catalunha”. Lamela descreve a acção de ambos como “muito grave”.
Para a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa da Ordem de Advogados de Barcelona, a juíza deste tribunal superior “construiu” um novo delito que consiste em delito de sedição com “acção tumultuosa pacífica” mas igualmente criminosa “no caso de perseguir uma finalidade política não contemplada na Constituição em vigor”. Ou seja, a comissão considera que a fundamentação apresentada por Carmen Lamela não se aplica ao delito de “sedição”, tal como este é descrito no Código Penal espanhol.
“Nova escala”
Parece difícil que a Justiça e política não se confundam num debate em que Barcelona fala de “legitimidade democrática” para, precisamente, desobedecer a leis, argumentando que o Governo central não lhe deixou outra saída, e Madrid responde sempre com “o actual quadro legal”.
Certo é que no dia em que a Lei do Referendo aprovada pelo parlamento catalão foi declarada inconstitucional pela Justiça (antes tinha sido suspensa, tal como aconteceu com a convocatória da votação), a prisão preventiva destes dois homens trouxe de novo multidões às ruas da Catalunha.
Às 12h cumpriu-se um primeiro protesto, quando milhares de pessoas saíram do seu local de trabalho para protestarem na rua contra as detenções – toda os membros da Generalitat, incluindo o presidente, Carles Puigdemont, estiveram em silêncio na praça de San Jaume.
Pelas 20h, começou em Barcelona a manifestação promovida pela ANC e pela Òmnium, uma concentração que à hora marcada já fazia transbordar a grande avenida Diagonal. Poucas bandeiras, muitas velas, como tinham pedido os organizadores, gritos de “Todos somos Jordi”. Segundo a Guarda Urbana, uma hora depois havia 200 mil pessoas no protesto.
“Vamos passar a uma nova escala de mobilização, sempre pacífica, que á a única forma que conhecemos, mas temos de demonstrar na rua a força directa das pessoas face a uma injustiça tão grande como esta que foi realizada por parte de um Estado que não nos defende”, afirmou Marcel Mauri, porta-voz da Òmnium, numa conferência de imprensa conjunta com o vice-presidente da ANC, o historiador Agustí Alcoberro.
Para já, e depois do protesto desta terça-feira, as duas organizações que mais fizeram pela promoção do independentismo, apelam a uma grande manifestação no sábado, também na capital catalã. “Mesmo que decapitem a presidência e encarcerem os nossos líderes, haverá substitutos e mais substitutos. Somos entidades com dezenas de milhares de sócios”, avisa Alcoberro.
Sem estas organizações, a questão da independência nunca teria chegado tão depressa aos programas dos partidos catalães. Em 2012, pouco depois de ser oficialmente criada, a ANC conseguia reunir pelo menos 1,5 milhões de pessoas na Diada (dia da festa nacional catalã, que assinala a integração definitiva da Catalunha em Espanha, em 1714) de Barcelona. Foi isso que obrigou o então líder da Generalitat, Artur Mas, a contemplar a realização de um referendo.
“Não nos rendemos”
A prisão preventiva dos dois Jordis acontece a dias do fim do prazo para Carles Puigdemont responder ao primeiro-ministro, Mariano Rajoy, esclarecendo se “declarou ou não a independência”, quando esteve no parlamento a apresentar os resultados da votação inconstitucional. Até agora, Puigdemont não respondeu directamente, evocando a “suspensão” da independência que pediu aos deputados para abrir um período de diálogo com Madrid. Rajoy, por seu turno, recusa dialogar “fora do marco legal”.
A Generalitat mantém a oferta de diálogo, afirmou o porta-voz, Jordi Turull, depois de uma reunião do governo em que praticamente só se discutiu as prisões dos presidentes da ANC e da Òmnium. Esta oferta, explicou, não modifica o “compromisso total e absoluto” dos líderes catalães com os resultados do referendo (e a vitória esmagadora do “sim” num contexto em que muitos partidários do “não” não reconheciam valor legal à consulta).
Em paralelo, segundo os deputados da CUP (Candidatura de Unidade Popular), este partido independentista que não integra o governo está em negociações com a coligação no poder (Juntos pelo Sim) para ultimar a redacção de uma “declaração solene de independência”.
“O Estado coloca-nos nos seguintes termos: rendição ou continuar em frente, mas a rendição não forma parte dos cenários deste governo”, afirmou Turull. Rendição, seria, então, Puigdemont renunciar ao referendo, afirmando que não houve qualquer declaração de independência.
Sem isso, já se conhecem os próximos passos, Rajoy vai activar o artigo 155 da Constituição, que permite ao Estado obrigar as autoridades de uma comunidade autonómica a cumprir a lei. Nunca usado até hoje, há interpretações divergentes sobre o seu âmbito, pelo que é impossível antecipar com rigor que medidas estarão planeadas pelo Governo de Madrid.