O Egipto volta a um Mundial, 27 anos depois do “jogo do ódio”

Egípcios e argelinos protagonizam uma das mais ferozes rivalidades do futebol mundial.

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Adeptos egípcios apoiam a selecção durante a fase de apuramento REUTERS/Amr Abdallah Dalsh

O Mundial de 2018, na Rússia, já tem garantidos dois estreantes (Islândia e Panamá), alguns regressados de ausência breve (Sérvia, Arábia Saudita, Polónia) e um regressado que já não andava por fases finais há quase 30 anos. Apesar de ser a equipa africana com mais títulos de campeão continental, o Egipto nunca conseguiu transformar esse estatuto numa presença regular em Mundiais e esta será apenas a sua terceira participação. Antes é preciso recuar a 1990 para ver os “faraós” no maior palco, mas o caminho até ao torneio organizado pela Itália passou por um jogo com a Argélia que ficou para a história como o “jogo do ódio”

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O Mundial de 2018, na Rússia, já tem garantidos dois estreantes (Islândia e Panamá), alguns regressados de ausência breve (Sérvia, Arábia Saudita, Polónia) e um regressado que já não andava por fases finais há quase 30 anos. Apesar de ser a equipa africana com mais títulos de campeão continental, o Egipto nunca conseguiu transformar esse estatuto numa presença regular em Mundiais e esta será apenas a sua terceira participação. Antes é preciso recuar a 1990 para ver os “faraós” no maior palco, mas o caminho até ao torneio organizado pela Itália passou por um jogo com a Argélia que ficou para a história como o “jogo do ódio”

Antes de chegarmos a este jogo, algum contexto histórico-futebolístico. Nos anos 1950, Adbel Nasser, o presidente egípcio, foi um apoiante da luta argelina pela independência e “Front de Libération Nationale” (FLN), o movimento armado contra a ocupação francesa do território. Mas este apoio não se projectou para o futebol. Antes da Argélia ser independente, havia uma selecção de futebol que representava a FLN , com alguns internacionais franceses de origem argelina, que andava em digressão pelo mundo. Para efeitos oficiais, não era uma selecção oficial e, formalmente, estava proibida pela FIFA, que não a reconhecia como representante legítima da Argélia, de disputar jogos.

Se houve países que desafiaram a proibição e defrontaram a equipa da FLN (fez 91 jogos ao longo de quatro anos). O Egipto não foi um deles, proibindo as suas equipas de jogar contra a selecção da FLN por temer represálias da FIFA (que ameaçava banir equipas e jogadores que a desafiassem) à recém-formada Confederação Africana de Futebol da qual era um dos quatro membros fundadores – o Egipto também tinha sido o primeiro campeão africano de futebol em 1957. Começava aqui uma das mais ferozes e violentas rivalidades do futebol mundial.

Depois da independência argelina, as duas selecções disputaram quatro encontros particulares e começaram a cruzar-se nas competições continentais a partir dos anos 1970, tanto na CAN como na Taça do Mediterrâneo e qualificações olímpicas. O Egipto ia reforçando o seu domínio na CAN (títulos em 1957, 1959 e 1986), mas era a Argélia que conseguia chegar aos Mundiais esteve em dois, 1982 e 1986. Em 1989, ambas chegaram à fase final da qualificação para o Itália 1990, que só teria lugar para duas selecções africanas. Um dos lugares seria disputado entre Tunísia e Camarões (que se qualificou), o outro seria entre as duas equipas norte-africanas.

Um empate sem golos no primeiro encontro, em Constantina, deixou tudo em aberto para o segundo jogo, perante 125 mil pessoas que excediam largamente a lotação do Estádio Internacional do Cairo (100 mil) e ocuparam as bancadas na totalidade quatro horas antes do pontapé de saída. Neste jogo iriam estar em confronto alguns “velhos” conhecidos do futebol português, como o egípcio Magdi Abdelgani, médio do Beira-Mar entre 1988 e 1992, e o argelino Rabah Madjer, grande avançado do FC Porto nos anos 1980. Mas a solução para a eliminatória estava na cabeça de outro protagonista, Hossam Hassan, que marcou logo aos 4’.

Os argelinos não aceitaram bem a derrota e, no final, foram ter com o árbitro argumentando que o egípcio tinha feito falta sobre o guarda-redes. Não satisfeitos, pegaram em vasos, com terra e tudo, e atiraram-nos para a bancada. Já depois do jogo, numa recepção, o médio argelino Lakhdar Belloumi desfez uma garrafa de vidro na cabeça do médico da equipa egípcia e este ficou cego de um olho. Belloumi, que tinha marcado o golo do triunfo da Argélia sobre a Alemanha no Espanha 82 e é considerado um dos melhores jogadores africanos de sempre, acabaria por ser condenado pela justiça egípcia a cinco anos de prisão, mas o julgamento decorreu quando o jogador já estava fora do país.

Belloumi sempre disse que estava inocente (e revelações recentes apontam para que o acto tenha sido cometido pelo guarda-redes suplente da Argélia), mas chegou a estar na lista de procurados da Interpol e só foi formalmente amnistiado do crime em 2009, quando as duas selecções se voltaram a encontrar, também em jogos de apuramento para o Mundial, que também carregaram essa carga de “jogos do ódio”. O jogo no Cairo foi inclusive marcado pelo apedrejamento do autocarro que transportava as “raposas do deserto”, incidentes que provocaram vários feridos, alguns deles jogadores. Mas, desta vez, foi a Argélia (que falhou espectacularmente a presença no Mundial 2018) a qualificar-se.