Hamas e Fatah garantem entrega de Gaza ao governo de unidade nacional

As duas facções palestinianas deram um passo histórico para resolver conflito de uma década. Israel mantém posição cautelosa.

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Habitantes de Gaza festejam anúncio do acordo entre o Hamas e a Fatah EPA/MOHAMMED SABER

O acordo histórico de reconciliação entre os movimentos palestinianos Hamas e Fatah inclui a transferência da administração de Gaza, actualmente sob responsabilidade do Hamas, para as mãos do governo de unidade nacional. A Autoridade Palestiniana espera agora sanar os conflitos internos que nos últimos anos têm minado qualquer iniciativa diplomática junto de Israel.

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O acordo histórico de reconciliação entre os movimentos palestinianos Hamas e Fatah inclui a transferência da administração de Gaza, actualmente sob responsabilidade do Hamas, para as mãos do governo de unidade nacional. A Autoridade Palestiniana espera agora sanar os conflitos internos que nos últimos anos têm minado qualquer iniciativa diplomática junto de Israel.

Três dias de negociações no Cairo foram suficientes para acertar os pormenores do acordo que pretende deixar para trás uma década de divergências – e até guerra – no seio do movimento nacional palestiniano. De um lado, a Fatah, o partido que controla a Autoridade Palestiniana reconhecida internacionalmente, e, do outro, o Hamas, o grupo islamista, considerado terrorista pelos EUA e pela União Europeia, que surpreendeu o mundo ao vencer as eleições legislativas em Gaza, em 2006.

Tal como era já antecipado desde que a reaproximação se tornou pública, o acordo prevê a entrega da gestão administrativa de Gaza ao governo de unidade palestiniano – estabelecido em 2014, mas que nunca chegou a ter poder real. A transferência dos poderes do Hamas para o executivo deverá acontecer até 1 de Dezembro. No mês passado, os islamistas tinham já anunciado o desmantelamento do comité administrativo que tinha assumido o poder em Gaza e que era encarado pela Autoridade Palestiniana como um governo paralelo e ilegal.

Outro ponto importante é a passagem do controlo sobre o posto fronteiriço de Rafah, na fronteira sul da Faixa de Gaza com o Egipto, para a guarda presidencial, sob supervisão da missão da União Europeia (EUBAM) – que se deverá concretizar até ao fim do mês. Até agora, aquele que era o único ponto de passagem segura para os dois milhões de habitantes de Gaza para o exterior era frequentemente encerrado pelo Egipto, intensificando o bloqueio sofrido pelo território.

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O controlo da fronteira de Rafah passará a ser assegurado pela guarda presidencial da Autoridade Palestiniana Ibraheem Abu Mustafa/REUTERS

“O governo legítimo, o governo de consenso, irá regressar de acordo com as suas responsabilidades e com a lei”, disse o chefe da delegação da Fatah, Azzam al-Ahmed, durante a conferência de imprensa. Ao seu lado, o líder da equipa negocial do Hamas, Saleh Arouri, garantiu que o grupo pretende cumprir o acordo. “Abrimos a porta a esta reconciliação”, afirmou.

Para cimentar o acordo, a Fatah anunciou que o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, irá visitar a Faixa de Gaza nas próximas semanas pela primeira vez desde que o Hamas assumiu o poder. “Considero que este é o acordo final para pôr fim à divisão”, afirmou Abbas, citado pela AFP.

No centro da cidade de Gaza, centenas de pessoas juntaram-se para assistir em directo à conferência de imprensa e festejaram assim que o acordo foi anunciado. Desde que o Hamas venceu as eleições de 2006, a vida já difícil dos dois milhões de habitantes do enclave palestiniano no Mar Mediterrâneo oriental piorou consideravelmente.

Depois de um conflito entre as forças leais ao Hamas e as tropas da Autoridade Palestiniana, seguiram-se três guerras com Israel. Ao mesmo tempo, o bloqueio internacional, bem como o corte nos salários dos funcionários públicos decretado pela Autoridade Palestiniana, atirou milhares de pessoas para a pobreza e o dia-a-dia é passado sem acesso a bens de primeira necessidade e sem electricidade.

Pontos difíceis

Permanecem por definir algumas das questões mais problemáticas que envolvem o papel do Hamas em Gaza. O acordo permite o envio para o território de três mil elementos da Fatah para integrarem as forças de segurança leais ao Hamas, mas o braço armado do grupo islamista continua a ter o principal contingente militar entre as facções palestinianas, com cerca de 25 mil militantes. Há dúvidas quanto à real possibilidade de que esta força seja colocada sob a égide do governo de unidade.

Outro ponto espinhoso é o destino dos mais de 40 mil funcionários públicos contratados pelo Hamas desde 2007 e que substituíram os milhares ligados à Fatah e que foram afastados. Falta também marcar novas eleições legislativas e presidenciais e definir de que forma poderá o Hamas ser integrado na Organização para a Libertação da Palestina (OLP) – ou se essa é, sequer, uma possibilidade ponderada por Abbas. A 21 de Novembro, as duas delegações regressam ao Cairo para debater algumas destas questões, segundo a imprensa palestiniana.

Apesar de todas as dúvidas, a confirmação do acordo é o mais forte sinal de reaproximação entre as duas facções palestinianas num longo historial de iniciativas falhadas. O porta-voz do Hamas, Salah al-Bardawil, falou na abertura de “um novo capítulo da história palestiniana”.

Em Israel, a notícia do entendimento entre o Hamas e a Fatah foi recebida com cautela. “Israel irá avaliar os desenvolvimentos no terreno e actuar em conformidade”, afirmou o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, numa declaração escrita. A preocupação de Telavive é que sejam respeitados os trâmites defendidos pelos mediadores do Quarteto para o Médio Oriente (EUA, ONU, UE e Rússia), que incluem o reconhecimento de Israel – que o Hamas recusa – e o desarmamento do grupo islamista.

A reaproximação entre as duas facções pode ser uma má notícia para a estratégia que Netanyahu tem seguido, escreve o colunista do Haaretz Amos Harel. “Para Netanyahu, a separação entre a Cisjordânia e Gaza é um trunfo diplomático crucial, uma dádiva que não cessa de dar frutos. Graças a ela, ele pode deitar achas na fogueira de hostilidade entre as facções palestinianas desavindas, enquanto rejeita os apelos da comunidade internacional para relançar o processo de paz, com a justificação de que Abbas não pode, de qualquer modo, garantir que um acordo futuro possa também incluir Gaza.”