O fascinante mapa jazzístico de Kamasi Washington
Música que consegue ser tão comunicativa quanto complexa, evocativa do passado do jazz mas não ficando refém dele.
Logo ao primeiro álbum, The Epic (2015), o saxofonista e compositor foi cunhado como uma das figuras do jazz que, nos últimos tempos, mais criou condições para um entusiasmo transversal em torno do género.
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Logo ao primeiro álbum, The Epic (2015), o saxofonista e compositor foi cunhado como uma das figuras do jazz que, nos últimos tempos, mais criou condições para um entusiasmo transversal em torno do género.
Nesse quadro não surpreende que o seu novo registo, um mini-álbum de seis temas, seja um acontecimento. É sabido que essa visibilidade, para lá dos territórios mais confinados ao jazz, se deve à música, uma sonoridade jazzística sem fronteiras rígidas, procurando alimento espiritual no funk, soul, blues ou gospel. Mas essa atenção também se deve ao contexto.
É que o músico americano assinou pela editora de Steve Ellison (Flying Lotus), a Brainfeeder, e colaborou, entre outros, com o rapper Kendrick Lamar, não surpreendendo que nos dois últimos anos tenha vindo a actuar em salas e festivais que pouco têm a ver com os territórios do jazz — em 2016 passou pelo Tivoli em Lisboa e pela Casa da Música no Porto.
Agora o cenário repete-se, assinando o presente disco para a Young Turks, casa de FKA Twigs, Sampha, Jamie xx ou The xx. É uma obra que resulta de música composta para a bienal de arte do museu Whitney em Nova Iorque, sendo parte de um trabalho de multimédia que ilustrava como forças que aparentemente se opõem podem coexistir. A excepção é Truth, o longo tema final composto para uma curta-metragem de A.G. Rojas.
Esse é aliás, na sua grandiosidade, talvez o tema que mais se aproxima de The Epic, uma longa odisseia que parece funcionar como sumula do que ouvimos antes, com coros majestosos e uma sonoridade cinemática, que parecem querer lembrar-nos da harmonia que é possível criar com díspares elementos. O ano passado, em entrevista, dizia-nos que não olhava o jazz “como fronteira, mas como hipótese sincrética, qualquer coisa que em vez de se fechar sobre si própria, pode provocar novos desafios através da transcendência” e é isso que estes temas exibem.
Em Perspective sopra uma leve brisa funk, enquanto Integrity parece ter ido buscar alento à bossa nova e em Humility é o seu saxofone que circula com à vontade dominando todas as operações. Como solista é convincente, mas é principalmente nos temas de grandes arranjos, na consciência sociopolítica e no sentido de contínuo histórico que revela que devem ser procuradas as razões para o fascínio que vai provocando. E ao segundo disco mantém intactas as propriedades que seduziram ao primeiro acometimento: uma música que consegue ser tão comunicativa quanto complexa, evocativa do passado do jazz mas não ficando refém dele, numa combinação de ambientes, harmonias e ritmos que se sustentam em rede, produzindo um belo mapa sonoro ancorado no jazz.