Palácio do séc. XVII em Alfama convertido em apartamentos de luxo

Antiga residência dos Condes de São Martinho, o Palácio de Santa Helena está em obras. O actor Michael Fassbender já terá comprado uma das casas com vista para o Tejo, algo que os vizinhos temem perder.

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É difícil chegar lá por acaso e, embora o muro onde está o portão tenha aquela forma de meia laranja que indica haver ali uma casa senhorial, não é no nível térreo que se descobre o melhor do Palácio de Santa Helena. A poucas dezenas de metros da Igreja de São Vicente de Fora, o palácio está escondido num sítio com pouco movimento e debruça-se sobre a encosta de Alfama. Por isso, o melhor ali é as vistas. Vê-se Alfama inteira, o Cristo Rei, Cacilhas, o Barreiro, uma nesga da Ponte Vasco da Gama, Palmela lá ao fundo em dias claros, o Tejo espraiado.

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É difícil chegar lá por acaso e, embora o muro onde está o portão tenha aquela forma de meia laranja que indica haver ali uma casa senhorial, não é no nível térreo que se descobre o melhor do Palácio de Santa Helena. A poucas dezenas de metros da Igreja de São Vicente de Fora, o palácio está escondido num sítio com pouco movimento e debruça-se sobre a encosta de Alfama. Por isso, o melhor ali é as vistas. Vê-se Alfama inteira, o Cristo Rei, Cacilhas, o Barreiro, uma nesga da Ponte Vasco da Gama, Palmela lá ao fundo em dias claros, o Tejo espraiado.

Não terá sido por acaso que o palácio foi aqui construído, algures no século XVII, para residência da família Siqueira, uma das mais destacadas da nobreza portuguesa, cujos membros viriam a ser feitos condes de São Martinho. Depois de quase três séculos de utilização habitacional, o palácio albergou a Escola Superior de Educação Almeida Garrett durante cerca de 20 anos. E, agora, está a ser transformado em 20 apartamentos de luxo.

O projecto, promovido pela imobiliária Stone Capital e desenhado pelo arquitecto Samuel Torres de Carvalho, prevê a reabilitação do palácio e a construção de alguns volumes novos, em linhas contemporâneas. Lá dentro, esconde-se “um tesouro conhecido por poucos”, lê-se na brochura promocional do empreendimento. “A sua grandiosidade e importância materializam-se na beleza de diversos pormenores decorativos, como os seus magníficos frisos de azulejos, os frescos nas paredes, os tectos dos salões amplamente decorados ou mesmo uma ricamente trabalhada e enigmática capela”, diz o documento.

A recuperação do Palácio Santa Helena “representa o devolver a este bairro familiar uma zona de convivência e partilha”, diz também a brochura, para a qual a Stone Capital remeteu o PÚBLICO quando lhe foram pedidos mais pormenores sobre o projecto. É, por isso, “uma declaração de amor à vida lisboeta”, lê-se ainda.

Há vizinhos que não partilham desta visão e olham para as obras com preocupação. Júlio Soares vive no rés-do-chão do prédio imediatamente ao lado do portão do palácio, no Largo do Sequeira. O seu pequeno quintal, nas traseiras, é limitado pelo muro do Santa Helena. Ali, no local onde em tempos foram as cocheiras, vão ser construídos dois apartamentos de raiz, com rés-do-chão, primeiro andar e terraço. Além de achar que ele e os vizinhos de cima vão perder muita luz natural, Júlio está convencido de que os futuros moradores vão ter vista desafogada – para a sua própria casa.

Dois prédios ao lado, na esquina entre o Largo do Sequeira e as Escadinhas do Arco da Dona Rosa, mora Mário Menezes. “Estão-nos a cegar. Vão-me cortar a coisa que mais prezo nesta casa”, afirma. Das janelas da casa de Mário tem-se a mesma vista desafogada que os futuros habitantes do palácio vão ter. Ele pensa que a situação vai mudar brevemente.

O projecto aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa em Dezembro do ano passado contempla “a correcção das coberturas” do palácio, o que vai fazer com que ele cresça em altura, ainda que ligeiramente. Por outro lado, as construções novas – uma virada ao miradouro das Portas do Sol e a outra do lado nascente – vão-lhe cortar parte da vista que tem actualmente.

A promotora reconhece-o. “Com a subida dos apartamentos 8 e 9, situados na parede contingente oeste, os moradores do prédio vizinho – mais concretamente o morador do segundo andar – poderá efectivamente ver a sua vista actual limitada”, disse ao PÚBLICO uma responsável de relações públicas da Stone Capital, por e-mail.

“Eles podiam fazer as obras na mesma, desde que não nos cortassem a visão. Valoriza tudo para os outros, desvaloriza tudo para nós”, diz Mário Menezes, secundado por Júlio Soares, que se queixa ainda de falta de diálogo com a imobiliária e com o projectista. “Fizeram tudo isto sem nos dizerem nada.” A Stone Capital diz o contrário. “Não obstante as preocupações válidas dos moradores da vizinhança, temos mantido uma linha aberta de comunicação com os mesmos”, afirmou a fonte da empresa, acrescentando que tem tentado “clarificar todas as suas dúvidas” e esclarecer “o impacto positivo que este projecto terá em Alfama”. Júlio Soares, Mário Menezes e outras pessoas das redondezas estão ainda a decidir o que fazer, mas admitem interpor uma providência cautelar contra o projecto.

As obras começaram a meio de Setembro e está previsto que terminem em 2018. Segundo a imprensa brasileira, o actor Michael Fassbender vai ser um dos futuros moradores do Palácio de Santa Helena.