Qual estado, qual nação?
Basta estudarmos por uns minutos a cartografia das nações históricas para concluirmos que Estado-nação na Europa há só um, que é Portugal.
Peguemos num mapa da Europa, de Vigo a Varna (eu sei, eu sei). A Espanha, como todos agora notamos, não é um Estado-nação. Não que as elites políticas espanholas não o tenham tentado, do século XVIII até à atualidade. No fundo sempre quiseram imitar aquilo que viram acontecer com o muito centralizado Estado de França, com quem o Reino de Espanha partilhou as origens dinásticas dos Bourbons. Só que a França também não é bem um Estado-nação. Há sempre, pelo menos, a questão da Córsega. Mais a norte temos o Reino Unido, que também não é um Estado-nação. A Alemanha nem por isso, a Itália tampouco. E quanto mais formos para o Leste europeu, menos claras são as fronteiras, mais encavalitadas estão as etnias e mais confusa é a história.
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Peguemos num mapa da Europa, de Vigo a Varna (eu sei, eu sei). A Espanha, como todos agora notamos, não é um Estado-nação. Não que as elites políticas espanholas não o tenham tentado, do século XVIII até à atualidade. No fundo sempre quiseram imitar aquilo que viram acontecer com o muito centralizado Estado de França, com quem o Reino de Espanha partilhou as origens dinásticas dos Bourbons. Só que a França também não é bem um Estado-nação. Há sempre, pelo menos, a questão da Córsega. Mais a norte temos o Reino Unido, que também não é um Estado-nação. A Alemanha nem por isso, a Itália tampouco. E quanto mais formos para o Leste europeu, menos claras são as fronteiras, mais encavalitadas estão as etnias e mais confusa é a história.
Em resumo: basta estudarmos por uns minutos a cartografia das nações históricas e dos movimentos separatistas no nosso continente para chegarmos à conclusão de que Estado-nação na Europa há só um, que é Portugal. E mesmo aí, mais devagar. Eu sei que ficámos todos enxofrados há umas semanas por Juncker se ter referido à Europa como indo de Vigo a Varna, mas as exigências de que ele tivesse dito um mais clássico de “Lisboa a Tallin” mascararam apenas a facilidade negligente com que nos esquecemos de reclamar antes por uns (igualmente inexatos, mas ao menos mais inclusivos) “de Ponta Delgada a Petersburgo” ou “das Selvagens a Cheliabysnk”. Pode ser que um dia venhamos a dar pela falta.
Mesmo que Portugal seja o único Estado-nação da Europa, porém, é curto — não chega para organizar o mundo como se nós fossemos a norma. O facto é que os repetidores de banalidades nos andaram a dizer durante todo o ano de 2016 que estávamos perante um regresso do Estado-nação, e vemos agora em 2017 que é difícil regressar àquilo que nunca existiu completamente. Quanto mais vociferante é o nacionalismo, mas evidente se torna a sua crise.
Isto não corresponde a negar a importância da identidade, do sentimento de pertença, da constituição de redes de solidariedade comunal que por vezes coincidiram com as fronteiras das nações e/ou com as jurisdições dos estados. Posso ser português até ao tutano, como sou, e querer que os estados sejam mais capazes de cuidar dos seus. Mas isso também não me permite negar a evidência de que o contrato entre povo, Estado e nação, dominante nos últimos 200 anos, passa agora por uma crise profunda.
Não é a primeira vez na história que tal acontece. Antes, o contrato dominante nas cabeças das pessoas e na mentalidade coletiva era o que se pensava ter sido estabelecido entre súbditos, rei e Deus. Se alguma coisa de errado acontecia, havia apenas que reforçar a fé em Deus e a obediência ao rei. Até que durante o século XVIII na Europa, provavelmente sob o impacto do Grande Terramoto de Lisboa, houve quem notasse a evidência de que o contrato súbdito-rei-Deus não funcionava. O contrato povo-nação-Estado moderno, que começou a nascer então, pretendia responder à pergunta: como enterrar os mortos, cuidar dos vivos e garantir que para a próxima estamos mais prevenidos? O contrato anterior não dava resposta à nova realidade, o que não significa que todas as pessoas tenham deixado de acreditar nele: até mais de século e meio depois, no dealbar da I Grande Guerra, ainda havia quem jurasse pelo contrato súbditos-rei-Deus.
Estamos um pouco na mesma situação. O nosso contrato vigente povo-Estado-nação não chega para dar resposta às grandes perguntas: como redistribuir recursos à escala global? O que fazer perante as alterações climáticas? O que vai acontecer ao trabalho com o impacto da automação? Mas enquanto os esboços de um contrato humanidade-planeta-tecnologia não estiverem mais claros, ainda vai haver muita gente a jurar pelo contrato anterior. O Estado-nação vai dominar as notícias desta semana. Mas atrás desta semana vêm muitas outras, e as verdadeiras perguntas do nosso tempo não podem continuar sem resposta.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico