Vamos viver pior na reforma?
Muitos na União defendem que um sistema de pensões adequadas deverá ser necessariamente intergeracionalmente equitativo, o que significaria dever salvaguardar-se o rácio de benefício atual para aqueles que irão reformar-se à volta de 2060.
Quando avaliamos o padrão de vida dos pensionistas comparando-o com o rendimento limiar da pobreza definido pelo valor de 60% do rendimento disponível mediano da população de cada país, tal medida de adequação revela-se insatisfatória porque nos remete para a exposição ao risco de pobreza de todo um grupo social de idosos mas deixa na sombra as condições de vida de cada pensionista que a pensão de base contributiva a que formou direito o habilita (como discuti no Público de 21/08/2017).
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Quando avaliamos o padrão de vida dos pensionistas comparando-o com o rendimento limiar da pobreza definido pelo valor de 60% do rendimento disponível mediano da população de cada país, tal medida de adequação revela-se insatisfatória porque nos remete para a exposição ao risco de pobreza de todo um grupo social de idosos mas deixa na sombra as condições de vida de cada pensionista que a pensão de base contributiva a que formou direito o habilita (como discuti no Público de 21/08/2017).
Daí o interesse de abordagens que comparam a pensão de base contributiva atribuída ao beneficiário com o rendimento por ele auferido ao longo da sua vida ativa, que nos poderão ajudar a responder melhor à pergunta inicial deste artigo.
Nesta perspetiva, são tidas por adequadas as pensões que permitam manter num grau razoável o padrão de vida anterior à reforma, tal que os rendimentos do trabalho proporcionavam. Independentemente de outros rendimentos que não os do trabalho, a discussão da adequação da pensão será então focada na relação entre os rendimentos das duas fases de vida dos beneficiários – enquanto estiveram em atividade descontando para a segurança social e quando se tornaram pensionistas do sistema previdencial.
Em primeira aproximação, podemos cotejar o rendimento disponível mediano da população idosa (com 65 e mais anos) com o mesmo indicador para a população em idade ativa e jovem (com menos de 65 anos), onde dominará plausivelmente o rendimento do trabalho. Em 2015, as estatísticas oficiais indicam que o rendimento disponível mediano dos idosos em Portugal atingia os 92% do rendimento disponível mediano da população não idosa, colocando-nos razoavelmente alinhados com o panorama geral da União.
Nesta altura, convém sublinhar que tal indicador de rendimento é calculado “por adulto equivalente”. São somados todos os rendimentos dos membros de cada agregado familiar e dividida a correspondente soma pelos indivíduos do agregado de forma ponderada pela idade de cada um, tornando-os “equivalentes" do ponto de vista do consumo (segundo uma escala convencionada internacionalmente).
É razoável supor que, apesar desta transformação, o rendimento médio permaneça subavaliado nos agregados dos menores de 65 anos, em que estão presentes muitos jovens. No entanto, muitos serão os idosos que vivem de forma solitária ou em casal de idosos e em cujos rendimentos presumivelmente pesam em larga medida as pensões de velhice e sobrevivência, pelo que aquele valor será mais fiável nesta situação. O rácio dos dois rendimentos disponíveis medianos poderá, assim, resultar sobrestimado. Por outro lado, estamos a lidar com rendimentos líquidos de impostos, que podem incluir transferências sociais além das pensões, com incidência diversa conforme a idade média do agregado, o que afetará a fiabilidade do indicador. Note-se ainda que estamos a comparar gerações diversas cujo perfil de rendimentos na vida ativa é certamente diferente.
Numa segunda e superior aproximação, consideram-se já não os rendimentos disponíveis mas as pensões contributivas recebidas pelos pensionistas e os rendimentos do trabalho que calham à população empregada na mesma janela temporal. É o chamado rácio de benefício, que calcula a relação entre a pensão média paga pelos sistemas públicos e o salário médio da economia de cada país. Apesar dos diferentes perfis remuneratórios das gerações ativas e reformadas, a comparação intertemporal dos valores deste rácio dá informação de maior qualidade sobre a adequação das pensões.
As instâncias comunitárias projetam a evolução de longo prazo do rácio de benefício para os países da União nos seus Relatórios sobre o Envelhecimento (RE). No mais recente, o RE de 2015, projeta-se uma redução do rácio de 9 pontos percentuais, caindo dos 44 para os 34,9%, entre 2013 e 2060, no conjunto dos 28 Estados, Portugal superará largamente esta evolução, projetando-se a descida dos 61,8 para 41,7%, uma redução de 20 pontos percentuais do rácio em apreço.
Este indicador permite ainda uma outra discussão, importantíssima, que é a da adequação das pensões no plano da justiça entre as gerações. Idealmente, tem sido defendido que deverá existir estabilidade neste rácio na perspetiva da equidade intergeracional, como foi proposto por Richard Musgrave, grande especialista de finanças públicas do século XX (admitindo-se que o ponto de partida seja eticamente aceitável).
Muitos na União defendem que um sistema de pensões adequadas deverá ser necessariamente intergeracionalmente equitativo, o que significaria dever salvaguardar-se o rácio de benefício atual para aqueles que irão reformar-se à volta de 2060.
Uma vez mais fica a interrogação sobre até que ponto é eticamente aceitável e, portanto, adequado o rácio de partida até porque, segundo os cálculos dos sucessivos RE, o rácio de benefício subiu de 46 para 62% em Portugal, entre 2007 e 2015, uma vez que a crise terá atingido em menor grau os pensionistas do que a população ativa.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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