Os sobreviventes do Holocausto vão ser imortais
Projecto norte-americano de recolha de testemunhos permitirá diálogos na primeira pessoa com quem sobreviveu ao genocídio num museu ou numa sala de aula. Sem limite de tempo.
Qual seria a pergunta mais provável que faria a um sobrevivente do Holocausto? É difícil encontrar uma que pareça estar à altura. Mas, se estivéssemos diante de alguém com uma vivência histórica tão vincada e disponível para falar sobre ela, arriscaríamos variações das mesmas questões: como foi, quem perdeu, como resistiu, o que guarda, o que aprendemos.
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Qual seria a pergunta mais provável que faria a um sobrevivente do Holocausto? É difícil encontrar uma que pareça estar à altura. Mas, se estivéssemos diante de alguém com uma vivência histórica tão vincada e disponível para falar sobre ela, arriscaríamos variações das mesmas questões: como foi, quem perdeu, como resistiu, o que guarda, o que aprendemos.
A Fundação Shoah da Universidade da Califórnia do Sul, nos EUA, compilou as perguntas que os investigadores que estão a trabalhar num projecto de preservação da memória desses sobreviventes consideram serem as que, provavelmente, qualquer um de nós, no contexto de um museu ou de uma sala de aula ou qualquer outro, faria numa situação semelhante.
Não se trata de um exercício estéril. Estão a usá-las para entrevistar sobreviventes para o New Dimensions in Testimony e obter respostas capazes de criar a ilusão de um diálogo. Para lhe dar um ar mais realista, as declarações estão a ser gravadas a três dimensões, em chroma key, num plateau rodeado por 116 câmaras. Este cruzamento de técnicas permite embeber uma espécie de holograma no local em que a interacção tem lugar. O objectivo é que pareça real.
O projecto começou como forma de contornar um problema inevitável: o Holocausto aconteceu há mais de 70 anos, a população de sobreviventes é cada vez menor, e isso faz com que a partilha das suas histórias na primeira pessoa esteja a desaparecer com eles.
O New York Times publicou, em Setembro, uma curta documental de Davina Pardo que mostra parte do processo. A realizadora canadiana acompanhou a conversa com Eva Schloss, que esteve em Auschwitz-Birkenau (e foi depois enteada do pai de Anne Frank). Aceitou participar depois de ter escrito um livro a relatar a experiência. O primeiro passo da gravação é simples: “O meu nome é Eva Schloss. Gostaria de perguntar-me alguma coisa sobre a minha vida?”
É aqui que complica: apesar de haver um conjunto de perguntas para as quais há respostas gravadas, nem todos fazemos perguntas da mesma maneira. O software tem de reconhecer padrões, interpretar questões e apresentar a réplica certa. É o desafio menos espectacular, mas talvez o mais difícil. Caso contrário, a senhora Schloss dar-nos-á a sua resposta mais desinteressante: “Eu sou, na verdade, uma gravação e não posso responder a essa pergunta.”
A rubrica Tecnologia encontra-se publicada no P2, caderno de Domingo do PÚBLICO