Miguel Castro e Silva, o fine dining põe óculos verdes
Clássico, vanguardista, comida de conforto, mas também de provocação. É Miguel Castro e Silva de regresso à alta cozinha que fazia no portuense Bull&Bear. O Lumni é “um laboratório de ideias”.
O Bull&Bear, o restaurante de fine dining que Miguel Castro e Silva teve no Porto, deixou saudades quando fechou. Desde então, o chef foi para Lisboa, onde abriu vários espaços, com conceitos diferentes: do De Castro, com a sua “comida portuguesa de conforto” (para já encerrado) ao Less (na Embaixada, no Príncipe Real e agora também no terraço da Pollux, na Baixa), onde revisita alguns pratos que, como o próprio diz, fez “antes do tempo e que hoje estão na moda”, passando ainda pela cafetaria da Fundação Gulbenkian.
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O Bull&Bear, o restaurante de fine dining que Miguel Castro e Silva teve no Porto, deixou saudades quando fechou. Desde então, o chef foi para Lisboa, onde abriu vários espaços, com conceitos diferentes: do De Castro, com a sua “comida portuguesa de conforto” (para já encerrado) ao Less (na Embaixada, no Príncipe Real e agora também no terraço da Pollux, na Baixa), onde revisita alguns pratos que, como o próprio diz, fez “antes do tempo e que hoje estão na moda”, passando ainda pela cafetaria da Fundação Gulbenkian.
Mas faltava algo mais próximo do Bull&Bear e daquilo de que os seus muitos admiradores sentiam saudade. Agora já não falta: Miguel Castro e Silva abriu o Lumni no topo do Hotel The Lumiares, no Bairro Alto. Abriu também, há pouco mais de uma semana, no mesmo hotel, o Mercado Café, um espaço, com horário das 10h à meia-noite, com porta aberta para a rua e voltado para os petiscos e pratos mais simples e também comida para levar.
Para chegar ao Lumni é preciso, no entanto, entrar (pela Rua Diário de Notícias) e subir até chegar ao quinto andar e a uma vista excepcional sobre Lisboa. Aqui, diz Miguel, tem um restaurante onde pode ser mais experimental, desenvolver ideias com que andava a brincar há algum tempo. “Serve um bocadinho de laboratório.”
Por enquanto ainda está numa fase de consolidar a equipa e pôr tudo a funcionar como pretende. “Este é um restaurante que precisa de tempo para se ir fazendo”, explica. Mas, entre pratos de conforto e outros mais “provocatórios” — como um tártaro de coração de boi —, vai lançando algumas ideias.
Conduz-nos numa visita rápida pela cozinha, que é aberta, permitindo a quem está na sala assistir ao empratamento e finalização dos pratos. A equipa está já em grande actividade, vai ser noite de sala cheia, com um grande grupo de turistas a ocupar várias mesas.
Sentamo-nos e a primeira coisa de que Miguel fala, com indisfarçável entusiasmo, é do vinho que nos vai servir, um dos que faz no Douro, na Quinta do Ventozelo. “Este vinho é Touriga Franca, uma casta tinta”, diz, enquanto deita nos copos o que parece ser vinho branco. “Todos me diziam que não dá para fazer um vinho branco com Touriga Franca e agora está tudo maluco com este. Tem 12 graus de álcool e quase não tem cor, mas tem taninos.”
Apresenta-nos, como entrada, um trio de peixes, um desses clássicos que vem do tempo do Bull&Bear, com tataki de atum, tártaro de carapau e sardinha marinada (pode variar conforme o peixe disponível). “Tem quase vinte anos”, conta. “Quando estava no Largo [no Chiado] fui obrigado a pô-lo na carta porque os meus clientes do Bull&Bear falavam-me dele.”
Depois vem a pescada, que é um dos peixes que mais gosta de trabalhar. Explica-o, como faz muitas vezes com os seus pratos, falando da evolução que foram tendo ao longo do tempo. “Esta é a 15.ª versão. Na mais tradicional, a pescada é escalfada com cebola e colorau, o que lhe dá um efeito de pil-pil, e servida com batata e ovo. Mas nesta versão que sirvo agora faço um azeite com infusão de colorau e alho, com o alho inteiro para não lhe conferir demasiado sabor, e cozinho a pescada com o caldo do peixe e esse azeite.”
Para acompanhar, um soufflé de grelos e grelos salteados — numa das versões anteriores tinha puré de grelos mas o chef concluiu que precisava de mais consistência. “Se eu não disser, ninguém reconhece a origem do prato, mas está lá tudo. Lembrei-me da pescada há umas três semanas, testei, resultou e entrou na carta.”
Ouvir Miguel Castro e Silva falar assim dos seus pratos ajuda a perceber a forma de pensar a cozinha daquele que é um dos mais experientes e respeitados chefs portugueses, que esteve no início da transformação da alta cozinha em Portugal. E que, como lembra a informação que recebemos sobre o Lumni, tem três receitas publicadas num dos mais influentes livros de gastronomia, o Larousse Gastronomique.
Passemos então para o prato de carne, que também é uma novidade na carta: cachaço de porco ibérico com alcachofras e milhos. Muito interessante é a forma como os milhos são trabalhados. “Parecem os milhos madeirenses, que são firmes, mas a base é inspirada nas migas alentejanas. Faço uma açorda de pão, sem ovo, junto-lhe farinha e sêmola de milho e no interior há pedacinhos de paio alentejano.”
Terminamos a refeição com uma das sobremesas clássicas, o pão-de-ló aveludado com creme de limão. Há um menu de almoço que é retirado da carta e que tem seis opções de entradas, seis de pratos principais e quatro de sobremesas (o preço pode ser de 20 euros para dois pratos, 24 para três e 28 para quatro). E há um menu de degustação com oito momentos por 55 euros.
Quem escolher à carta pode optar por dividir as entradas e pratos de degustação ou por escolher entre os pratos principais (entre os 20 e os 24 euros). O Lumni tem ainda uma carta de snack-bar com empadinhas, pastéis de massa tenra, saladas, e bebidas, dos cocktails ao vinho a copo. E, como nada deve ser levado demasiado a sério e este é um fine dining que se quer descontraído e bem-humorado, despedimo-nos de Miguel Castro e Silva e do Lumni, partindo com uns pouco discretos óculos de armações verdes na cara. Porquê? Isso… é preciso ir lá para saber.